Se é possível definir as características da mídia tradicional do Brasil
neste período pós-Copa do Mundo, pode-se dizer que o jornalismo se
tornou errático, como um desses rojões de festa junina chamados de
busca-pé.
Se o observador atento empilhar as primeiras páginas dos principais
diários de circulação nacional e analisar as manchetes e os títulos das
reportagens principais, vai concluir que a nossa imprensa anda
desorientada.
Trata-se, porém, de uma interpretação equivocada: os jornais apenas
parecem não ter um rumo, mas há por trás de cada decisão editorial uma
lógica e um objetivo claro.
Infelizmente, para os editores, os fatos de cada dia não pedem licença
para acontecer. A sensação de inconstância que pode ser produzida pela
leitura dos jornais nasce da determinação dos editores de buscar uma
finalidade específica em todos os tipos de evento.
Sem mais disfarces, a imprensa hegemônica no Brasil tem se dedicado a
instrumentalizar os acontecimentos com o objetivo de promover uma visão
específica de mundo, que é explicitada constantemente nos editoriais e
nos principais artigos das editorias de opinião.
Para o leitor constatar esse fenômeno, basta começar a leitura pelos
textos opinativos, em vez de priorizar as manchetes: ali vai encontrar
uma espécie de guia para interpretar praticamente tudo que um jornal
considera essencial em cada dia.
Eventualmente, esse modelo de jornalismo pode produzir contradições, mas quem se importa?
Os editores parecem considerar que o mundo é refundado a cada nova
edição e, portanto, o que foi dito hoje pode ser reinterpretado de
maneira exatamente oposta amanhã, dependendo de quem é beneficiado ou
prejudicado pela notícia.
A informação em si deixa de ser importante: o que vale é convencer o
leitor de que a interpretação que o jornal dá aos fatos é a única
correta.
Obediência aos dogmas
Essa característica é escancarada no noticiário político, onde as
preferências dos jornais se manifestam de maneira mais homogênea e mais
explícita. Mas também se pode observar como a opinião pré-existente
define a visão sobre os fatos da economia, que por sua vez reflete o
viés político a priori.
Nesse círculo onde o valor de cada notícia é condicionado por um
conjunto de dogmas que não podem ser questionados, não há possibilidade
de se produzir uma visão inovadora do contexto social onde os fatos
acontecem. Uma interpretação conservadora sempre se impõe sobre qualquer
evento.
Mesmo quando os jornais falam, por exemplo, de inovação, o leitor que
está familiarizado com esse tema, que acompanha os debates
internacionais sobre o assunto, sente imediatamente o cheiro de mofo das
coisas velhas.
No noticiário econômico dos jornais chamados genéricos, há um limite
claro para a interpretação dos indicadores, de medidas oficiais e
decisões de negócios. Os jornais especializados abordam a conjuntura
econômica de maneira mais equilibrada e estimulam a reflexão, ao
apresentar detalhes dos fatos específicos de cada setor e das empresas
mais destacadas.
Os jornais genéricos criam uma conjuntura econômica de conveniência
política, a partir de fatos selecionados arbitrariamente, para produzir o
cenário que convém ao seu propósito de determinar a opinião dos
eleitores.
Esse raciocínio pode ser aplicado, por exemplo, no caso que envolve uma
análise divulgada pelo banco Santander, na qual há uma clara
interferência no debate eleitoral. Depois da reação do governo federal, o
presidente do banco vem repetindo que se tratou de um equívoco, que o
banco não pensa daquela maneira e que os responsáveis teriam sido
demitidos sumariamente. O presidente do Santander sabe quanto pode
perder ao comprometer publicamente a instituição com um dos lados da
política, se esse lado for derrotado nas eleições.
Nesta quarta-feira (30/7), os jornais se dão conta da armadilha que
criaram para si mesmos. Juntando lé com cré, no ambiente de baixa
densidade reflexiva das redações, chega-se à perigosa conclusão de que o
episódio pode colocar em dúvida o acerto de futuras análises feitas
pelo mercado, que a imprensa costuma acatar como se fossem manifestações
dos deuses.
Então, o busca-pé da imprensa ricocheteia e já busca outra direção.
Luciano Martins Costa
No OI
Nenhum comentário:
Postar um comentário