ter, 29/07/2014 - 06:00
- Atualizado em 29/07/2014 - 06:00
No apartamento em Cosme Velho (RJ), mestra Maria da Conceição
Tavares se isolou um pouco dos amigos, mas não do mundo e do Brasil.
Com pouca mobilidade, não deixou de lado nem o cigarro, nem a leitura
nem a visão de país.
A mais importante economista da linha dita desenvolvimentista aderiu ao gradualismo. Não
se trata de acomodamento trazido pela idade, mas pela própria dinâmica
do crescimento brasileiro que acabou definindo um novo modelo - o da
democracia social - que ela considera irreversível.
No final dos anos 60, ao lado de Ignácio
Rangel Conceição foi o primeiro grande nome da economia a perceber que,
após o esgotamento do ciclo de substituição das importações, haveria o
ciclo do capitalismo financeiro.
Agora, o ciclo da criação
do novo mercado de consumo baseado em políticas de renda impõe uma nova
realidade na qual - segundo a mestra - não cabem mais os conceitos
históricos de desenvolvimentismo e de industrialização.
O pêndulo do pensamento econômico
Historicamente, o pensamento econômico
brasileiro oscilou entre a ortodoxia econômica e o desenvolvimentismo.
Em ambos os casos, salários e renda eram variáveis secundárias do
modelo.
Na ortodoxia, utilizavam-se de políticas
monetária e fiscal para liberar o orçamento público para o pagamento de
juros e para a acumulação de riqueza em mãos dos investidores. No
desenvolvimentismo, a compressão dos salários era central para a
competitividade das indústrias.
Ambos os movimentos foram fundamentalmente concentradores de renda.
Com o avanço
da democracia social, Conceição constata que não há mais espaço para a
compressão dos salários ou para maxidesvalorizações cambiais ou para
política protecionistas - pontos que marcaram o pensamento
desenvolvimentista.
Não
há maneira de recuperar o espaço da indústria brasileira no mundo nem
na economia brasileira, porque externamente nenhum avanço permitirá
competir com os asiáticos e o crescimento interno dos serviços faz parte
da própria dinâmica capitalista, diz ela.
Considera a desindustrialização
como inevitável. Houve um período de maturação industrial no 2o PND
(Plano Nacional do Desenvolvimento). Agora, estamos chegando a outro
corte, diz ela.
Como em toda economia industrial madura, o único
espaço para crescer é o dos serviços. Se aumentou os serviços, foi à
custa de outro setor. Se não foi do agrobusiness e do investimento
público, foi a partir da indústria. "Este é o padrão normal de
desenvolvimento histórico do capitalismo", sentencia ela.
Crescimento acelerado? Dificilmente se repetirá,
diz ela. O "milagre econômico" ocorreu em um período de instalação da
indústria. Depois de instalada, esses saltos econômicos não se repetem.
Também
não defende mudanças de modelo econômico. Alguns setores
desenvolvimentistas propõem choques de câmbio para devolver
competitividade ao país, enquanto se ajusta o custo Brasil. Os impactos
sobre a inflação não recomendariam.
O mercado interno e o ajuste ortodoxo
A ideia de abandonar a política
do salário mínimo para aumentar a competitividade da indústria não a
atrai. A divisão internacional de trabalho mudou. No caso brasileiro, é
mais favorável ao agrobusiness que à indústria. Ninguém conseguirá
concorrer com a manufatura da Ásia.
Daí porque mais que nunca é necessário preservar o salário mínimo para manter o mercado interno robusto.
É o
mercado interno que não permite alarmismo com a economia. Não existe
depressão à vista. O que existe é um terrorismo da imprensa mudando as
expectativas empresariais, diz ela.
A falta de competitividade internacional é
mais um argumento para não baixar o salário mínimo. Sem competitividade
externa e sem mercado de consumo interno, a economia desabaria.
É só
comparar com América Latina e Europa. Só o fato de não haver desemprego
é um enorme sucesso. No Porto, amigos de Conceição assistirão famílias
de classe média morando na rua.
É ridículo estar pessimista com o Brasil, comparando com a situação internacional, diz ela.
Se não resistir nas políticas sociais, não teremos mais modelo nenhum.
A busca do crescimento
O investimento em bens de consumo de massa funcionou, garantiu um mercado interno robusto.
Dá para manter alto o consumo, mas não mais como efeito acelerador de crescimento.
O caminho proposto por Conceição é o seguinte:
-
Destravar o regime de concessões.
-
Deslanchar os investimentos em petróleo.
-
Reverter as expectativas do setor privado.
Destravando os dois primeiros itens, o setor privado irá
atrás e nós saímos do gargalo atual. Mas para destravar as expectativas
empresariais, não se pode deixar a economia afundar. E afundaria na
hipótese de arrocho salarial e de um choque fiscal.
O momento não
recomenda nenhuma política fiscal contracionista. Os gastos públicos
são incomprimíveis. O único gatos comprimível são os juros da dívida
pública.
O problema é
que o modelo fiscal brasileiro é todo alicerçado em impostos ad valorem
diretamente influenciados pelo PIB. Praticamente não existe imposto
patrimonial. Nos anos 80 tentou-se um imposto sobre grandes fortunas
moderadíssimo, proposto pelo então senador Fernando Henrique Cardoso.
Não passou.
Justamente por isso, Conceição
defende a flexibilização da política monetária (reduzindo o peso dos
juros no orçamento) e a neutralidade da política fiscal, mantendo o que
está sendo investido e agregando financiamento novo e concessões.
Revertendo as expectativas, mantém-se a trajetória de distribuição de renda com políticas sociais, e destrava-se o pacote da infraestrutura.
Sobre políticas industriais
Conceição
não é a favor de grandes revoluções na política industrial, inserção
das empresas brasileiras nas grandes cadeias globais e por aí afora.
Considera que a siderurgia, cerveja e carnes conseguiram se inserir
nessas cadeias. As demais, dificilmente conseguirão.
O caminho daqui para frente é consertar o que pode ser consertado e aprimorar o que deve ser aprimorado.
"Não estamos mais discutindo modelos, mas o que fazer com setores débeis", diz ela.
Um dos caminhos são
as políticas de encadeamento (atuando sobre as cadeias produtivas) e
progressos técnicos. Defende políticas moderadas e corretas na direção
certa. Aí a economia reage.
Os gargalos na remessa de dólares
Persiste o nó externo, e, segundo Conceição, por erros que se acumularam desde o governo FHC,
Fernando Henrique Cardoso tirou a tributação
de 17% sobre remessas de capital, deixando (Francisco) Dornelles
(ex-Secretário da Receita) indignadíssimo", diz ela. Em quatro anos ele
fez um estrago que Margareth Tachther levou 14 anos para fazer.
Não
existe nenhum país do mundo que não discrimine as empresas
estrangeiras, concedendo o mesmo tratamento das nacionais, diz ela. Por
aqui se dá isenção de IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) para
carro importado.
Quando se trata de remessa para pagamento de tecnologia, alíquota
zero de Imposto de Renda. A multinacional contrata uma assistência
técnica lá fora, dizendo que está internalizando ativo. Esse pagamento é
dedutível do Imposto de Renda por ser despesa. Por ser tecnologia,
tributação zero.
Depois exporta e se credita porque supostamente estaria exportando conhecimento e gerando tecnologia no país.
É uma
enorme brecha, diz ela. O déficit tecnológico brasileiro saltou de US$ 1
bi/ano em 2000 para US$ 9 bi. Tornou-se remessa de lucros disfarçada.
A situação
das contas externas preocupa, mas Conceição não se atreveria a propor
controles de capital e imposto patrimonial por serem propostas
politicamente irrealistas.
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