Quem decifra Marina?
Clique na imagem para AMPLIAR |
Candidata oficial do PSB à Presidência da República desde a quarta-feira
20, Marina Silva vem provocando um reboliço no cenário eleitoral.
Pesquisas de opinião indicam que a ex-senadora tem fôlego para superar o
desempenho obtido na campanha de 2010 e até chegar a um segundo turno.
Tais chances ficarão mais claras quanto maior for o conhecimento do
eleitor sobre suas ideias e convicções. É aí que moram os problemas da
candidata. Marina é uma personagem ainda enigmática e repleta de
contradições – uma espécie de esfinge política. A evangélica fervorosa
de aparência frágil esconde uma personalidade forte, geralmente
inflexível e com escassa capacidade de articulação política. Essa faceta
– combinada a posições radicais e a um comportamento quase messiânico –
transforma Marina num enorme ponto de interrogação, praticamente um
cheque em branco.
Até a morte de Eduardo Campos no brutal acidente aéreo três semanas
atrás, Marina desfrutava da confortável posição de vice na chapa
liderada pelo socialista. Funcionava como cabo eleitoral de luxo,
tentando transferir para o colega ao menos parte dos 20 milhões de votos
que amealhou há quatro anos. Era coadjuvante. Quem ia para os embates
públicos, quem participava das sabatinas de entidades do setor produtivo
e precisava responder às incômodas perguntas de jornalistas era Campos.
Mas a tragédia que ceifou a vida do ex-governador também arrancou o véu
que a protegia. Agora, na condição de protagonista, Marina terá de
enfrentar esses dilemas.
Evangélica ligada à Assembleia de Deus, a candidata faz da fé religiosa
um hábito político. Seja em reuniões partidárias, seja em discursos ou
entrevistas, gosta de citar parábolas da “Bíblia” – e sempre carrega um
exemplar no qual faz anotações constantes. Quando era ministra do Meio
Ambiente, Marina convidava assessores para participar de pequenos
cultos, que aconteciam muitas vezes dentro de seu próprio gabinete. Num
Estado laico como o Brasil, religião é questão de foro íntimo. Convém
não usá-la para justificar atos de gestão e muito menos a construção de
políticas públicas, sob o risco de retrocesso à época pré-republicana,
quando a Igreja controlava o Estado. O usual no País é ver a fé popular
explorada por políticos de viés populista, que apostam no culto à
personalidade para se perpetuarem no poder.
Marina se aproximou perigosamente desse caminho quando alegou não ter
embarcado no avião de Eduardo Campos por “providência divina”. Menos mal
que Marina tenha incluído o filho caçula e a viúva de Campos na
afirmação. Ou seja, segundo seu próprio entendimento, ela não foi a
única escolhida por Deus para permanecer no convívio entre os mortais.
De qualquer forma, declarações nesse tom reforçam o caráter messiânico
de sua candidatura e reduzem as chances de justificativas racionais. Na
verdade, Marina não embarcou para o Guarujá, no mesmo avião de Eduardo
Campos, porque não queria encontrar-se com o governador de São Paulo,
Geraldo Alckmin, nem com seu vice, o socialista Márcio França. Ela
sempre foi contra a aliança do PSB com o PSDB. Mas mexer com o
imaginário coletivo, ao que parece, rende mais votos do que falar sobre
escaramuças partidárias.
Marina se cerca de cuidados, no entanto, quando suas crenças podem
colocar muitos votos em risco. É assim com o debate sobre a liberação do
aborto. Antes, aliando-se à grande maioria dos evangélicos, era contra.
Hoje, segundo ela, o assunto deve ser decidido em plebiscito. Sobre o
casamento gay, já teve várias posições. Em 2010, se dizia contrária,
agora defende a criminalização da homofobia e até apoia a adoção por
casais homoafetivos. Mas numa palestra na Universidade Católica de
Pernambuco, no ano passado, saiu em defesa do deputado Marco Feliciano
(PSC-SP), que se notabilizou pelas atitudes homofóbicas. Para Marina, o
parlamentar estava sendo criticado só “por ser evangélico”. Ao tentar
explicar a declaração, Marina atacou um representante do agronegócio e
provocou outra polêmica.
A declaração não ocorreu por acaso. Para Marina, o agronegócio, que
representa 23% do Produto Interno Bruto (PIB), é o maior vilão do meio
ambiente. Essa é outra questão que a candidata a presidente pelo PSB
precisa esclarecer. Como alguém que anseia assumir o Executivo do País
pode desconsiderar um setor que responde por 23% do PIB? Contra a
agricultura e a pecuária extensivas, ela propõe um modelo “inteligente”,
que produza mais com menos recursos. “Temos que agregar o conhecimento e
a base tecnológica, ampliando cada vez mais para ter uma produtividade
que crie uma nova narrativa para os nossos produtos”, diz Marina. Mas a
candidata não explica como fará isso, o que só apavora os empresários do
setor. Para tentar ganhar a confiança do campo, ela e a cúpula do PSB,
com o aval da família de Campos, decidiram indicar como vice na chapa o
deputado federal gaúcho Beto Albuquerque.
Importantes empresas do setor doaram para as últimas campanhas de
Albuquerque, que também atuou fortemente para a liberação do cultivo da
soja transgênica – coincidentemente, na época em que Marina era ministra
do Meio Ambiente e nem sequer era chamada para os debates sobre o tema
no Palácio do Planalto. Ele também recebeu contribuições de indústrias
de agrotóxicos, armas e bebidas. Ao redigir o estatuto da “Rede
Sustentabilidade”, Marina proibiu doações desses segmentos. Na condição
de candidata, na semana passada, ela reforçou a intenção de vetar
contribuições desses setores. Resta saber se o veto se estenderá ao seu
vice.
Outras questões essenciais para quem almeja a Presidência da República
permanecem mergulhadas em água turva por Marina. Questionada sobre a
matriz energética brasileira, na semana passada, entoou discurso que
parecia um eco da campanha de 2010. “Infelizmente, estamos sujando a
matriz energética brasileira. Os arremedos que estão sendo feitos com as
térmicas para os momentos de baixa dos reservatórios têm de ser
reduzidos”, afirmou. Como resolverá o problema, não deixou claro. Falou
em compensar a produção com investimentos em fontes já existentes. No
passado recente, Marina defendia a ampliação do parque eólico e de
energia solar, além da substituição de grandes hidrelétricas por
pequenas centrais. As medidas são consideradas insuficientes por
especialistas. A postura de Marina traz incerteza para o futuro de
projetos cruciais para a ampliação da oferta de energia, como a
construção da usina de Belo Monte.
Durante o governo Lula, o debate sobre a política energética acomodou em
trincheiras opostas as atuais adversárias na corrida eleitoral Dilma
Rousseff (PT), então chefe da Casa Civil, e Marina Silva, à época
ministra do Meio Ambiente. “Desde então, é como água e óleo. Elas não se
misturam”, disse à ISTOÉ um ex-ministro do PT. As duas, no entanto,
guardam semelhança numa característica essencial ao exercício do poder:
ambas têm pouco jogo de cintura político. Toda vez que ocupou cargos
administrativos, Marina Silva cultivou uma maneira bem peculiar de tomar
decisões, que escapa aos moldes usuais. Segundo assessores próximos,
ela gosta de reunir todos ao redor de uma mesa para colher suas
opiniões. A decisão, no entanto, ela toma sozinha, fechada em copas. A
palavra final nem sempre é consenso entre seus pares. Antes da
derradeira tomada de posição, normalmente provoca suspense, deixando
tensos até os aliados mais próximos. Foi assim, surpreendendo a todos,
que em reunião com dirigentes do PSDB, Marina sacou essa: “Busco uma
aliança com a sociedade, não com as forças políticas tradicionais. Se
isso prevalecer, e se eu for eleita, só governo por quatro anos, sem
reeleição”, disse, para o espanto da maioria. Essa maneira de operar
gera problemas na articulação política. Quando era senadora, tinha
dificuldades para negociar com colegas de plenário. Sem diálogo, sem
capacidade de convencimento, Marina demonstrou um desempenho parlamentar
pífio. Das 73 proposições apresentadas, a parlamentar conseguiu a
aprovação de apenas três: uma PEC regulamentando a aposentadoria do
“extrativista vegetal”, um projeto de lei que obriga o SUS a garantir
transporte e alimentação a pacientes e outra proposição criando o “Dia
Nacional dos Povos da Floresta”.
A falta de traquejo ficou novamente evidenciada nas negociações da nova
chapa da coligação. Para ser chancelada pelo PSB, a candidata exigiu o
controle do comando e das finanças da campanha. Escalou o ex-deputado
Walter Feldman para a coordenação-geral, escanteando o socialista Carlos
Siqueira. Ele abandonou a reunião no meio da fala de Marina, a quem
chamou de “hospedeira”. “Ela não representa o legado de Campos. Que vá
mandar na Rede dela”, disse ele, antes de resolver abandonar a campanha.
Também desertaram os governadores Camilo Capiberibe (Amapá) e Ricardo
Coutinho (Paraíba). Na quinta-feira 21, na tentativa de apaziguar os
ânimos internos, Marina resolveu mudar a equipe. Designou Luísa Erundina
para a coordenação e acomodou Márcio França na tesouraria. Questionada
sobre a crise, Marina disse que houve uma incompreensão. De fato, fazer
com que os outros a compreendam não é muito o forte da candidata.
Nenhum comentário:
Postar um comentário