A tragédia que tirou a vida de Eduardo Campos explodiu na política
brasileira em vários sentidos. Mas também em nossa cabeça ao pulsar
zonas involuntariamente congeladas onde hiberna a pedagogia que existe
na dor.
O imponderável da história cobra penitência do menosprezo nessas horas.
Dimensão desdenhada pela atribulação e/ou a soberba , as rupturas
pessoais ou coletivas imprimem transparência curta, mas vertiginosa, à
impostura das miudezas que se avocam em pétreas balizas do presente e
do futuro, até emergir o rosto da catástrofe.
A finitude humana precisa ser abstraída para permitir sentido à
existência social, retruca o instinto de sobrevivência. Nesse desvão o
capitalismo naturaliza e arrancha as leis de mercado nas formas de
viver e de produzir, anestesiando a alma e o cotidiano da sociedade.
Permuta-se angústia existencial por compulsão comercial.
Consumir para existir.
E vice-versa.
A circularidade é autossustentável.
Não é a consciência que determina a vida; a vida determina a
consciência. E nela o limite do cartão de crédito é mais sagrado que o
tesouro fátuo da existência.
Diante da natureza humana intrinsecamente cultural o capitalismo não
se contenta com menos do que ser a respiração dessa segunda pele.
Libertá-la da servidão seria o papel da política, entendida como ponto
de fusão entre a filosofia e a economia, entre a luta pela
sobrevivência e a realização do potencial humano.
Para ser ruptura sem ser tragédia a política deve escancarar nas
mercadorias que nos cercam as relações econômicas que nos aprisionam.
Nessa condição se torna a consciência histórica da existência social
para identificar na ‘forma fantasmagórica de uma relação entre coisas’
aquilo que, na verdade, é uma relação social determinada entre os
homens.
Ou seja, os produtos do engenho humano não tem ‘vontade própria’, os
mercados não são racionais e os seres humanos não são objetos a serem
explorados uns pelos outros.
Romper o lacre do fetiche que nos circunda e subjuga: essa é a emancipação que se espera da política.
O impacto desse 13 de agosto na política brasileira ajuda a enxergar,
nas breves horas que correm, o abastardamento dessa dimensão libertadora
que ela deveria ter.
Em primeiro lugar, avulta a sofreguidão dos que buscam uma tapagem.
Qual? Qualquer uma desde que conjure o risco, por modesto que seja, de
um passo miúdo em direção oposta à hegemonia ‘da coisa’ humanizada
sobre os ‘sujeitos’ coisificados .
O mercado desabou quando soaram as primeiras informações sobre o desastre aéreo ocorrido manhã de 4ª feira em Santos.
Não porque o ex-governador Eduardo Campos estivesse entre os mortos. Mercados não choram.
Mas pelo temor de que Marina Silva não se incluísse mais entre os vivos.
Subiu, em seguida, quando se confirmou que a ex-ministra teria viajado em outro avião, de carreira.
Não porque o mercado alimente em relação a ela simpatias ideológicas ou
empatias pessoais. O valor da natureza para o mercado é aquele atingido
pelas commodities em Chicago.
Na nervosa preocupação manifestada com a sorte de Marina pulsava na
verdade a grande confissão escancarada pela tragédia desta 4ª feira:
ninguém acredita mais em Aécio no mercado.
Comprado inicialmente como o engate capaz de reconduziu os
centuriões do dinheiro ao comando do Estado, o tucano depreciou-se como
um avião em pane na calculadora de seus fiadores.
Desde que derrapou no aeroporto do tio Múcio, em Claudio (MG), e não
mais se levantou, deixou evidente sua limitação política, moral e
intelectual para levar a bom termo o roteiro contratado.
No rescaldo da tragédia de 4ª feira, o conservadorismo em peso intima
Marina a se oferecer como escada para levar o projeto neoliberal ao
segundo turno contra Dilma.
Colunistas do dispositivo conservador evocam os astros na tentativa de
sensibilizar o messianismo: ‘Presidência é destino’, sentenciam
sacudindo com as mãos os ombros magros de Marina.
Dela não se espera nada, exceto isso: ser o suporte capaz de comboiar
os centuriões do mercado que patinavam no chão mole escavado por um
Aécio.
Essa a dimensão de sua sobrevivência que preocupava os mercados num primeiro momento.
No mesmo dia em que um vento traiçoeiro selava a carreira política de
Eduardo Campos, um fórum em São Paulo reunia a fina flor dos interesses
que agora assediam Marina Silva a ‘cumprir o seu destino’.
Organizado por uma revista de economia, no Hote Unique, na capital
paulista, o evento que previa a participação de Campos, teve como
debatedores, entre outros, José Berenguer , presidente Banco JP Morgan;
Paulo Leme, presidente do Conselho de Administração do Banco Goldman
Sachs e Armínio Fraga, representante de Aécio Neves.
O consenso das intervenções condensa a única plataforma que de fato interessa do ponto de vista do conservadorismo.
Aquela que restaura a supremacia dos mercados sobre os tímidos passos
dados nos últimos anos em direção a uma democracia social que coordene
os rumos da economia e o destino da sociedade.
A saber: tarifaço nos serviços sem compensação salarial; câmbio livre
e arrocho fiscal; alta de juros para devolver a inflação à meta e
elevar o superávit primário.
Uma agenda à procura de um portador eleitoralmente capaz de leva-la ao segundo turno da disputa presidencial de outubro.
O declínio de Aécio e a morte trágica de Eduardo Campos abriu para o
mercado aquilo que seus operadores costumam classificar como ‘uma
janela de oportunidade’.
A janela é Marina.
A oportunidade é fazer dela o cavalo de Tróia da restauração neoliberal no Brasil.
Falta combinar com a ex-senadora que um dia foi parceira de Chico
Mendes, fundadora do PT e referência da esquerda na luta ambiental.
Façam suas apostas, a roleta vai girar. E tem muito dinheiro em jogo nessa rodada.
© Copyleft - Direitos reservados - Carta Maior - O Portal da Esquerda
Nenhum comentário:
Postar um comentário