terça-feira, 11 de novembro de 2014

Caminhos da reforma

As duas questões sérias que emergiram da eleição presidencial dão os primeiros sinais de um debate que precisa ser civilizado, sem reduzir à praxe de transformar divergências em troca de desaforos, intrigas e outras baixezas.

Professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas/Rio, Joaquim Falcão tornou desnecessário dizer-se mais para contestar a proposta de elevação, de 70 para 75 anos, da idade para aposentadoria compulsória dos ministros do Supremo Tribunal Federal (Folha, 1/11). Considera que "são uma tentativa de golpe branco as articulações" de "uma elite no Judiciário e no Congresso [que] parece não aceitar o resultado das urnas": "Se não é um golpe branco na forma, é na substância. É uso inconstitucional da forma constitucional". E, a meu ver, o que se segue derruba todos pretensos argumentos com que os defensores da "PEC da Bengala" fantasiam seu propósito, até já declarado por alguns, de impedir cinco possíveis nomeações para o STF no segundo mandato de Dilma Rousseff.

Convém lembrar que, até a campanha eleitoral tomar impulso, o que vinha em discussão era a ideia de número fixo de anos para a atividade como ministro do Supremo. Adeptos notórios da ideia, assim que vencido Aécio Neves, adotaram a proposta de prorrogação da idade de aposentadoria.

Professor de Direito da FGV-São Paulo, Oscar Vilhena Vieira vê com reservas as diferentes propostas de reforma da Constituição (Folha, 1/11): "É preciso mesmo mudar?". Sua resposta assenta-se em três fundamentais e "bons serviços" da Constituição à sociedade, ao primeiro dos quais ouso fazer uma ressalva: "A Constituição estabilizou o sistema democrático".

Creio que, por si mesma, nenhuma Constituição estabiliza. A sociedade, sim, o faz. Ou melhor, as forças organizadas ou organizáveis da sociedade. A Constituição de 1946, pós-ditadura de Getúlio, era democrática e avançada para a época, mas em sua vigência o Brasil viveu o seu período mais instável. Os militares e a direita udenista feriram a Constituição até destruí-la: já era a tortura, a tortura das instituições democráticas.

Vilhena traz uma sugestão importante para debate. As hipóteses já consideradas para a reforma são fazê-la por um projeto único, englobando todas as mudanças para decisão do Congresso, ou por uma miniconstituinte. "Não é incomum", lembra Vilhena, "que amplas reformas políticas produzam efeitos altamente adversos". E propõe uma alternativa: "Melhor seria que adotássemos uma estratégia de reformas incrementais".

Nas atuais circunstâncias, a miniconstituinte tem inconvenientes bastantes para ser a hipótese menos atraente. A do projeto único e a de mudanças ponto a ponto enfrentam-se com bom número, cada uma, de razões positivas e outras nem tanto. Justificam a discussão pormenorizada, incluindo-se a do fator tempo em benefício de algumas mudanças.

Daí vê-se que há o estudar antes da substância das mudanças. E mesmo se melhor seria plebiscito ou referendo, ou outros meios de participação da sociedade. Para que haja um processo de reforma com a fluidez desejável, conviria debater e definir, antes de tudo, o modo, a mecânica do próprio processo. Sem essa preliminar, ou discuti-la em simultaneidade com a substância e outros componentes das mudanças, teremos um tumulto temático a se projetar sobre toda a política e sobre a administração. Por tempo de difícil controle.

Janio de Freitas
No fAlha


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