Breno Altman, Blog: Breno Altman
"Chamam atenção, na velha mídia, os ataques cerrados e
as críticas virulentas contra as últimas deliberações da direção do
Partido dos Trabalhadores, em reunião de sua Comissão Executiva
Nacional, realizada no dia 3 de novembro.
Quais as razões, afinal, para o documento aprovado pelo comando
petista ter alcançado esta repercussão e provocado repulsa em
determinados setores?O primeiro motivo parece saltar aos olhos.
Há quinze dias a imprensa tradicional, a oposição de direita, as frações mais conservadoras da base governista e os áulicos do mercado só fazem chantagear a presidente reeleita. Exercem pressão para que o programa derrotado seja assumido pelo Planalto, como pré-condição para a pacificação política e econômica do país.
O PT rechaçou, com firmeza, a hipótese de capitulação condicional embutida nesta chantagem. Pode ou não ser acompanhado pela chefe de Estado, mas propôs abertura de um
Mas a reação iracunda não se explica apenas porque os petistas se recusam a recuar diante de quem foi batido pela soberania das urnas.
Muito do nervosismo contra o texto vem de um trecho fundamental: “é urgente construir hegemonia na sociedade, promover reformas estruturais, com destaque para a reforma política e a democratização da mídia.”
Apesar dos cuidados para não ferir suscetibilidades internas, desponta como evidente uma certa autocrítica.
A continuidade do processo inaugurado em 2003 passou a depender, na nova abordagem, da refundação de instituições do Estado e da informação que bloqueiam o aprofundamento e a aceleração das demais reformas. Esse não era um ponto de vista prevalecente nas hostes petistas durante o período anterior.
O furor do conservadorismo contra o conceito de hegemonia, rotulando-o de “autoritário”, por sua vez, mal disfarça determinação em proteger a própria hegemonia oligárquico-burguesa através de entulhos herdados da ditadura militar, tais como o sistema político controlado pelo poder econômico e o monopólio dos meios de comunicação.
Os propósitos reformadores da resolução petista tampouco esgotam as explicações para o desconforto da direita. A irritação também se manifesta quanto ao caminho que o partido de Lula estaria decidido a trilhar para defender as mudanças.
“As eleições de 2014 reafirmaram a validade de uma ideia que vem desde os anos 1980: para transformar o Brasil, é preciso combinar ação institucional, mobilização social e revolução cultural”, ressalta o texto.
E diz mais: “será necessário, em conjunto com partidos de esquerda, desencadear um amplo processo de mobilização e organização dos milhões de brasileiros e brasileiras que saíram às ruas para apoiar Dilma Rousseff, mas também para defender nossos direitos humanos, nossos direitos à democracia, ao bem-estar social, ao desenvolvimento, à soberania nacional.”
Trata-se de notável guinada em relação aos últimos anos, quando a governabilidade esteve pensada quase exclusivamente em termos institucionais e dependente de acordos parlamentares cujo preço inevitável era o rebaixamento programático, quando não a conspurcação da imagem petista.
A própria política de alianças, na referida resolução, recebe nova embocadura.
Sem desconsiderar a necessidade de impedir, dentro do Congresso, a formação de uma maioria de centro-direita que paralise o governo, o PT decide “compor uma ampla frente onde movimentos sociais, partidos e setores de partidos, intelectuais, juventudes, sindicalistas possam debater e articular ações comuns, seja em defesa da democracia, seja em defesa de reformas democrático-populares”.
No centro da plataforma que poderia constituir esta “ampla frente” está a defesa de plebiscito para convocação de Constituinte exclusiva sobre o sistema político.
Destaca-se igualmente, na deliberação petista, a seguinte afirmação: “o partido tem que retomar sua capacidade de fazer política cotidiana e sua independência frente ao Estado, …deve buscar participar ativamente das decisões acerca das primeiras medidas do segundo mandato, em particular… é preciso incidir na disputa principal em curso, as definições sobre os rumos da política econômica.”
A reviravolta de atitude manifesta-se também neste tema. Por vários anos, em seguida ao triunfo eleitoral de 2002, o PT aparentava ter optado por ser prioritariamente braço parlamentar do governo. Não destacamento de vanguarda, impulsionador de ideias e movimentos, mas repartição na retaguarda, relativamente desprovida de autonomia e iniciativa, além de fortemente estatizada.
Curiosamente, no seio de um governo de coalizão, fruto de cenário no qual a esquerda não tem maioria parlamentar, o principal partido oficialista talvez fosse o único a evitar protagonismo nos embates internos e na sociedade para estabelecer decisões governamentais.
Este conjunto de paradigmas fixado pela resolução deixa poucas dúvidas, mesmo que não esteja dito com todas as letras, sobre o fato de o PT estar empenhado em formidável virada na sua formulação política.
O documento da Executiva Nacional, aliás, consolida tendência nascida na leitura das manifestações de junho do ano passado.
Retirado abruptamente de sua zona de conforto, o petismo viu-se obrigado a reanalisar o fôlego da estratégia vigente, os impasses no programa de reformas, a relação entre partido e governo, a combinação entre institucionalidade e lutas sociais, a questão da participação popular e da democratização do Estado.
Idas e vindas neste esforço de retificação puderam ser observadas ao longo dos últimos meses, mas as condições dramáticas das últimas eleições presidenciais provavelmente determinaram a decantação do texto aprovado pelo estado-maior petista.
Ainda que possam ser feitas várias críticas pontuais – por exemplo, a ausência de referências à questão ambiental -, a citada resolução tem caráter histórico.
Talvez seja reconhecido, no futuro, como documento tão importante quanto as deliberações do V Encontro Nacional, de 1987, responsáveis pelas balizas do processo que, quinze anos depois, levaria à vitória de Lula.
A esquerda, a propósito, exibe tradição de dar nomes especiais a textos que forjam giros fundamentais em sua política.
As recentes decisões petistas, quem sabe, um dia venham a ser identificadas como “Resolução da Primavera”. Menos pela estação na qual foi concebida, mais por aceitar o risco de ver cem flores desabrocharem, como diria o revolucionário chinês Mao Tsé-Tung"
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