Numa
reação institucional inédita, Conselho Nacional do Ministério Público
afasta por 90 dias procurador que divulgou documento que elogia golpe de
64 e critica militares de hoje pela "cabeça baixa"
Em determinadas situações, fatos
que parecem menores adquirem uma importância inesperada. O que
distingue uma coisa da outra é a conjuntura política.
Na segunda-feira passada o
Plenário do Conselho Nacional do Ministério Público tomou uma atitude
que merece um aplauso prolongado e vários momentos de reflexão.
Afastou por 90 dias o procurador
Davy Lincoln Rocha, do Ministério Público em Joinville, Santa Catarina,
que, em tom de provocação, divulgou pela internet um apelo às Forças
Armadas, sugerindo uma intervenção militar no país. Dirigida a oficiais
superiores, a “Carta Aberta às Forças Armadas define o sistema político
brasileiro criado pela Constituição de 1988 como “simulacro de
democracia, onde um único poder, o PT, suprimiu os demais” e faz um
elogio absurdo ao golpe de 1964: “quando o Brasil se encontrava na beira
do abismo, prestes a cair nas mãos do Comunismo, da baderna
generalizada, os senhores se apresentaram e devolveram um país
democratizado, estável, a salvo de ter-se tornado uma republiqueta de
bananas. Teríamos nos tornado uma gigantesca Cuba, ou uma Venezuela, ou
mesmo uma Bolivia, não fossem os senhores.”
Quando se refere aos militares
do Brasil de 2014, o procurador evita toda sutileza. Diz que se mostram
“calados, tímidos, de cabeça baixa” diante da “corruptocracia que
dominou aquilo que outrora chamávamos Brasil.”
Fazendo críticas diretas ao
governo Dilma, o procurador define o programa Bolsa Família como “uma
genial estratégia de compra de votos”, que deixa 40 milhões de
brasileiros “entre a opção de passar fome ou trocar seu voto por um
carrinho de supermercado.” Acusa o “Mais Médicos de manter “escravos da
ditadura cubana”.
Num momento inacreditável, o
texto chega a elogiar os trabalhos de espionagem do governo
norte-americano no Brasil: “em boa hora a democracia americana já se
acautela em obter informações”.
Na mesma passagem, o procurador
condena a posição das Forças Armadas, que cumprem a determinação
constitucional de manter-se como um poder subordinado ao regime
democrático: “enquanto os senhores, cabeças baixas, batem continência a
tudo isso.”
Por iniciativa do conselheiro
Luiz Moreira, o CNMP debateu e aprovou um Prodecimento Administrativo
Disciplinar contra o procurador. O conselheiro lembrou que ao sugerir
uma intervenção militar, Davy Lincoln “utilisa de suas prerrogativas
para manchar o regime democrático e a soberania nacional.” Para Luiz
Moreira, o procurador cometeu crime contra a ordem democrática e
demonstrou ausência de decoro pessoal.
Em situações normais, a carta do
procurador e a reação do Conselho Nacional do Ministério Público
poderia ser vista como um assunto interno, de interesse restrito a
corporação. Num país onde a fraqueza dos compromissos democráticos de
vários setores da oposição tem estimulado passeatas contra a democracia e
até manifestações vergonhosos a favor de um golpe militar, sua
importância é outra. O inconformismo contra a consolidação — pelo voto
popular — de um projeto de combate à desigualdade e por melhorias na
condição de vida dos mais pobres tem levado a comportamentos a margem da
lei e do que é razoável do ponto de vista político.
Por essa razão, o afastamento do
procurador por 90 dias é um bom exemplo para o país. Foi a primeira
reação institucional ao surto de proclamações golpistas que tem ocorrido
no país.
Não é pouca coisa, até porque
não faltam exemplos daquilo que não deve ser feito. Amanhã, terá passado
uma semana desde que, graças a uma reportagem de Julia Duailibi,
publicada pelo Estado de S. Paulo, o país ficou sabendo que delegados da
Polícia Federal em posição de comando na operação Lava Jato passaram a
reta final da campanha presidencial distribuindo material de propaganda
anti-PT e pró-Aécio Neves pela internet, num comportamento condenado
pelo Regimento Disciplinar. Embora o Ministério da Justiça tenha
anunciado a abertura de um inquérito, até agora nenhuma medida
disciplinar foi tomada.
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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