Empresário do PSDB, afirma que a coisa já foi pior.
Não
sendo petista, e sim tucano, sinto-me à vontade para constatar que essa
onda de prisões de executivos é um passo histórico para este país
Nossa empresa deixou de vender equipamentos para a Petrobras nos anos
70. Era impossível vender diretamente sem propina. Tentamos de novo nos anos 80, 90 e até recentemente. Em 40 anos de persistentes tentativas, nada feito.
Não há no mundo dos negócios quem não saiba disso. Nem qualquer um dos
86 mil honrados funcionários que nada ganham com a bandalheira da
cúpula.
Os porcentuais caíram, foi só isso que mudou. Até em Paris
sabia-se dos "cochons des dix pour cent", os porquinhos que cobravam
10% por fora sobre a totalidade de importação de barris de petróleo em
décadas passadas.
Agora tem gente fazendo passeata pela volta dos militares ao poder e uma elite escandalizada com os desvios na Petrobras. Santa
hipocrisia. Onde estavam os envergonhados do país nas décadas em que
houve evasão de R$ 1 trilhão --cem vezes mais do que o caso Petrobras--
pelos empresários?
Virou moda
fugir disso tudo para Miami, mas é justamente a turma de Miami que
compra lá com dinheiro sonegado daqui. Que fingimento é esse?
Vejo as pessoas vociferarem contra os nordestinos que garantiram a vitória da presidente Dilma Rousseff. Garantir renda
para quem sempre foi preterido no desenvolvimento deveria ser motivo de
princípio e de orgulho para um bom brasileiro. Tanto faz o partido.
Não sendo petista, e sim tucano, com ficha orgulhosamente assinada por
Franco Montoro, Mário Covas, José Serra e FHC, sinto-me à vontade para
constatar que essa onda de prisões de executivos é um passo histórico
para este país.
É ingênuo quem acha que poderia ter acontecido com qualquer presidente. Com bandalheiras vastamente maiores, nunca a Polícia Federal teria tido autonomia para prender corruptos cujos tentáculos levam ao próprio governo.
Votei pelo fim de um longo ciclo do PT, porque Dilma e o partido dela
enfiaram os pés pelas mãos em termos de postura, aceite do sistema
corrupto e políticas econômicas.
Mas Dilma agora lidera a todos nós, e preside
o país num momento de muito orgulho e esperança. Deixemos de ser
hipócritas e reconheçamos que estamos a andar à frente, e velozmente,
neste quesito.
A coisa não para na Petrobras. Há dezenas de outras estatais com esqueletos parecidos no armário. É raro ganhar uma concessão ou construir uma estrada sem os tentáculos sórdidos das empresas bandidas.
O que muitos não sabem é que é igualmente difícil vender para muitas montadoras e incontáveis multinacionais sem antes dar propina para o diretor de compras.
É lógico que a defesa desses executivos presos vão entrar novamente com
habeas corpus, vários deles serão soltos, mas o susto e o passo à frente
está dado. Daqui não se volta atrás como país.
A turma global que monitora a corrupção estima que 0,8% do PIB
brasileiro é roubado. Esse número já foi de 3,1%, e estimam ter sido na
casa de 5% há poucas décadas. O roubo está caindo, mas como a represa da
Cantareira, em São Paulo, está a desnudar o volume barrento.
Boa parte sempre foi gasta com os partidos que se alugam por dinheiro vivo , e votos que são comprados no Congresso há décadas. E são os grandes partidos que os brasileiros reconduzem desde sempre.
Cada um de nós tem um dedão na lama. Afinal, quem de nós não aceitou um
pagamento sem recibo para médico, deu uma cervejinha para um guarda ou
passou escritura de casa por um valor menor?
Deixemos de cinismo. O antídoto contra esse veneno sistêmico é
homeopático. Deixemos instalar o processo de cura, que é do país, e não
de um partido.
O lodo desse veneno pode ser diluído, sim, com muita determinação e
serenidade, e sem arroubos de vergonha ou repugnância cínicas. Não
sejamos o volume morto, não permitamos que o barro triunfe novamente.
Ninguém precisa ser alertado, cada de nós sabe o que precisa fazer em
vez de resmungar.
RICARDO SEMLER, 55, empresário, é sócio da Semco Partners. - Artigo na Folha
Do Blog Os Amigos do Presidente Lula.
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