sexta-feira, 28 de novembro de 2014

“Prefiro o possível e o impossível que Dilma fará do que a política de desemprego cruel que Fraga faria”

“Não vejo nada favorável. O cenário está muito difícil para o Brasil e Dilma vai ter que caminhar no fio da navalha para não se cortar muito. Espero que ela consiga”, avalia o economista.
 
em IHU On-Line

“Os petistas não devem se surpreender” com a possível nomeação de Joaquim Levy para ocupar o Ministério da Fazenda, porque ele “foi escolhido por Lula e é o número dois do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci”, diz Carlos Lessa à IHU On-Line, ao comentar a reeleição de Dilma e as mudanças na política econômica.

Na avaliação do economista, Levy equivale a Armínio Fraga, com uma diferença: “Ele não será igual ao Fraga — ele pensa como Fraga, mas não irá jogar os salários para baixo, porqueDilma não vai concordar com isso”, justamente porque o que diferencia o governo de Dilma de um possível governo Aécio é a manutenção do valor do salário mínimo.

“A diferença que iria acontecer é que, se Aécio fosse eleito, teríamos uma política de massacre do salário mínimo real, enquanto Dilma vai tentar o possível e o impossível para isso não acontecer. Prefiro o possível e o impossível que ela venha a fazer do que a política de desemprego cruel que Fraga iria fazer. Mas, na cabeça da Dilma, também é necessário reduzir os investimentos públicos, elevar a taxa de juros e fazer uma política muito ortodoxa”, pontua.


Lessa salienta que, embora a política da nova presidência não esteja totalmente articulada, “as peças centrais já vieram: mantém-se o presidente do Banco Central, que já sinalizou a elevação dos juros, chama-se  Levy, que era conhecido como ‘homem da tesoura’ no ministério da Fazenda de Palocci e, obviamente, irá cortar gastos. Cortará com mais facilidade os investimentos públicos do que o consumo público. E acontece que o escândalo da Petrobras está produzindo um fenômeno de queda em dominó. Então, é bastante natural que haja um corte nos investimentos públicos”.

Na entrevista concedida por telefone, o economista também comenta os casos de corrupção envolvendo a Petrobras e enfatiza que já tinha uma “aguda sensação” de que havia corrupção na empresa desde a época da compra da refinaria de Pasadena, nos EUA. “Pasadena (EUA) foi um negócio de péssima
qualidade. A compra de outra refinaria no Japão também foi uma estupidez, não vi justificativa para Pasadena e não vi justificativa para comprarem refinarias fora do país, quando o refil no Brasil estava atrasado.

Tinham de ter feito refinarias no Brasil ao invés de comprar Pasadena. Isso para mim é no mínimo uma corrupção ideológica. Mas quando os números vieram, não tive a menor dúvida de que havia roubalheira.”

Outro indício da corrupção, pontua, pode ser evidenciado desde a iniciativa da venezuelana PDVSA de não ficar associada à Petrobras diante dos lucros da refinaria Abreu e Lima. “A refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco, teve tanta multiplicação de lucro que a venezuelana PDVSA pulou fora e não quis ficar associada com a Petrobras. Não acho que a administração venezuelana seja um modelo de bom comportamento, mas até eles devem ter ficado assustados com o que viria a acontecer depois”.

Carlos Lessa é formado em Ciências Econômicas pela antiga Universidade do Brasil e doutor em Ciências Humanas pelo Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp). Em 2002, foi reitor daUniversidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ e presidente do BNDES.

Confira a entrevista

IHU On-Line – Qual é o significado econômico e político da reeleição de Dilma?

Carlos Lessa – Essa eleição foi estranha porque as propostas não ficaram absolutamente claras; permaneceram escondidas. Eu vivi boa parte dos meus anos úteis sob um regime autoritário e aprendi a ler nas entrelinhas. Também trabalhei muito com o doutor Ulysses Guimarães e ele me ensinava assim: presta atenção no que não é dito; esquece muito do que é dito. E desde então sou acostumado a fazer isso. Assim, assisti aos debates presidenciais preocupado mais com o que os candidatos não falavam do que com o que falavam e descobri denominadores comuns do que eles não falaram. Nenhum deles falou de crise internacional, de cenário geopolítico mundial, nenhum advertiu que o Brasil estaria caminhando para um cenário desfavorável. Nenhum dos dois disse nada sobre privatização — é interessante, porque esse foi o tema central da eleição Serra x Dilma. Ela não acusou Aécio de ser privatizante e Aécio tampouco a acusou de ser estatizante. Ambos omitiram o tema porque são a favor da privatização. Dilma não podia
jogar isso contraAécio porque ele jogaria contra ela o fato de ter privatizado tanto ou mais que os tucanos. O outro tema retirado de campo — apesar dos escândalos envolvendo a Petrobras — foi a economia do petróleo. É impressionante como não foi dito nada sobre essas questões nos debates.
Para Aécio certamente era necessário expandir a venda de petróleo para o exterior e, para Dilma, essa é a mesma saída imaginada. Inclusive, 48 horas depois das eleições, a presidente da PetrobrasGraça Foster, disse que esperava a cooperação estrangeira para reduzir o esforço financeiro da Petrobras em fazer refinarias e ampliar, por conseguinte, o oxigênio da Petrobras para explorar o pré-sal. O que ela estava fazendo? Abrindo mão do mercado interno brasileiro para o mercado internacional vir para cá e fazer os derivados de petróleo aqui.

Então, “de pato a ganso, há pouco avanço”. Não acho que a proposta implícita do Aécio fosse completamente diferente da proposta implícita da Dilma. Entretanto, ao menos Dilma tem um compromisso fundamental do qual ela não abriria mão: não fazer uma política ativa de redução do poder de compra do salário mínimo; enquanto a primeira coisa que Aécio faria seria isso, usando o Armínio Fraga . Conheço bem Armínio e a primeira coisa que ele faria seria empurrar o juro para cima, paralisar os investimentos públicos e tentar comprimir o salário mínimo porque a tese que eles têm na cabeça hoje é a de que a inflação existente é uma inflação de serviços. Isso é uma maldade.

Vou explicar essa questão: se eu tenho uma renda familiar pequena e ela melhora, a primeira coisa que faço é comer um pouco melhor, mas a segunda coisa que faço é procurar alguns serviços que são necessários, como, por exemplo, ir ao cabeleireiro, comprar produtos, etc. Então, cabeleireiros e manicures prosperam se a renda familiar prospera na base da sociedade. Quando a renda melhora, também se gasta mais com diversão, ou seja, um pedaço importante das rendas das famílias se desdobra em encomendas para prestadores de serviços da sociedade, que são beneficiados pela alta dos salários. O salário mínimo real no Brasil tem um valor de indexador de todos os contratos e serviços dos autônomos. Até o pipoqueiro da esquina calcula o preço da pipoca com base em quantos salários mínimos ele quer receber no final do mês. Isso é interpretado por economistas como Armínio Fraga como inflação de serviços, a qual, para ele, só tem um jeito de combater: abrindo o desemprego.

A diferença que aconteceria é que, se Aécio fosse eleito, teríamos uma política de massacre do salário mínimo real, enquanto Dilma vai tentar o possível e o impossível para isso não acontecer. Prefiro o possível e o impossível que ela venha a fazer do que a política de desemprego cruel que Fraga iria fazer. Mas, na cabeça da Dilma, também é necessário reduzir os investimentos públicos, elevar a taxa de juros e fazer uma política muito ortodoxa.

IHU On-Line – Então, do ponto de vista dos salários, foi melhor a reeleição da presidente?

Carlos Lessa – Para mim foi, tanto que eu votei nela. Votei por essa razão que expliquei, não porque eu espere dela uma administração brilhante. De todo modo, acho que ela não vai aprofundar a recessão, embora seja impossível evitá-la, pois a indústria automobilística e eletroeletrônica não tem mais condições de continuar crescendo, já que as famílias se endividaram. Se elevar o juro, o oxigênio das famílias diminuirá mais ainda. Como a política vai ser de elevar as taxas de juros, a indústria automobilística pode se preparar para períodos mais difíceis. Inclusive, este ano já foi de crescimento menor que o anterior.

IHU On-Line – Como vê a possível nomeação de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda?Muitos petistas estão recusando o nome dele e inclusive já publicaram um documento de rejeição.

Carlos Lessa – Os petistas não devem se surpreender, porque o Joaquim Levy foi escolhido por Lula e é o número dois do ex-ministro da Fazenda Antonio PalocciLevy é criação política do PT. A impressão que tenho é de que há uma especulação enorme associada a essa bolsa emocional, porque o Joaquim Levy não resolverá nada. Ele não será igual ao Fraga — ele pensa como o Fraga, mas não irá jogar os salários para baixo, porque Dilma não vai concordar com isso. Ele gostaria de ser o Fraga, com a carta branca que o Aécio daria ao Fraga. Aliás, foi escandaloso Aécio prenomear o Ministro da Fazenda. Na campanha eleitoral, Aécio disse que acabaria com o fator previdenciário, mas, menos de 24 horas depois, Fraga disse que mudanças só seriam acionadas depois de ajustes. O que estou querendo dizer é o seguinte: volto à minha primeira frase, “de pato a ganso, pouco avanço”.

Na verdade, vamos enfrentar um trajeto muito difícil porque o cenário é desfavorável: a China perdeu dinamismo, especialmente aquele que interessava aos países da periferia, onde o Brasil está. A tendência chinesa será achatar o preço das commodities e empurrar para baixo os preços das manufaturas. A estratégia do governo Lula de vender commodities a preços altíssimos não vai mais funcionar. Então, no cenário internacional, a Europa não sabe ainda para onde vai, porque depende do combustível que vem da Rússia e da boa vontade norte-americana. Então, está aí uma queda de braço expressiva. E se os americanos empurrarem os juros para cima — e a tendência deles é essa —, a estratégia da periferia fica mais difícil. Por isso, Dilma vai elevar os juros.

IHU On-Line – Nesse cenário será ainda mais difícil recuperar o crescimento?

Carlos Lessa – Muito difícil. Qualquer empresário minimamente “antenado” percebe isso e vai recuar. A tendência é que o investimento privado fique mais cauteloso.

IHU On-Line – A política econômica de Dilma já está definida? Tende a haver alguma mudança?

Carlos Lessa – A política da nova presidência não está totalmente articulada, mas as peças centrais já vieram: mantém-se o presidente do Banco Central, que já sinalizou a elevação dos juros, chama-se Levy, que era conhecido como “homem da tesoura” no ministério da Fazenda de Palocci e, obviamente, irá cortar gastos. Cortará com mais facilidade os investimentos públicos do que o consumo público. E acontece que o escândalo da Petrobras está produzindo um fenômeno de queda em dominó. Então, é bastante natural que haja um corte nos investimentos públicos.

IHU On-Line – Os cortes de gastos serão apenas de investimentos públicos, ou de políticas sociais? Recentemente economistas assinaram um manifesto  contra políticas de ajuste fiscal que tivessem impacto nas políticas sociais. O senhor assinou o manifesto e como vê essa proposta neste momento?

Carlos Lessa – Conheço
esses economistas, mas não assinaria esse manifesto porque me coloquei, desde 2004, numa posição crítica em relação ao que estava sendo feito. Esses economistas que assinaram o manifesto, corretamente pediram para não cortar, mas na ocasião do pico da prosperidade que o Brasil viveu não foram capazes de ajudar a construir salvaguardas e agora estão chorando a falta delas. Junto meu choro com o deles, mas certamente o governo vai cortar e é por isso que Levy foi escolhido para o Ministério da Fazenda. Hoje os jornais anunciam que ele conseguiu carta branca da presidente; duvido que tenha conseguido carta branca total, mas deve ter conseguido muita carta branca.

IHU On-Line – Como vê a escolha do Levy diante do massacre do PT à candidatura de Marina?

Carlos Lessa – Esse é um problema para os falecidos se entenderem. A Marina passou a ser a ser a sacerdotisa da mudança, mas foi apresentada como não política, sendo que a trajetória dela é política: foi deputada, senadora duas vezes, ministra de Estado; é altamente política. E mais: altamente comprometida com a política que foi feita dos anos 2000. Ela foi companheira. É realmente difícil perceber que há uma mudança em relação à Dilma. Elas são muito parecidas. Aliás, Marina disse: “Vou governar com os melhores”, como se tivesse alguém que dissesse que iria governar com os piores. Que mudanças ela iria fazer? Mudanças de comportamento, ou seja, chamar os melhores do PT e os melhores dos tucanos. Não foi isso que ela falou?

IHU On-Line – Sim, foi isso que ela disse, mas, em contrapartida, o PT disse que faria uma política distinta da dela e a criticou por se aliar aos “banqueiros e ao sistema financeiro” e agora surge o nome de Levy, como já surgiu o de Trabuco, dois banqueiros.

Carlos Lessa – Essas são as lealdades “parentais”, quer dizer, a cultura política brasileira converteu, infelizmente, o mandato em patrimônio familiar e o voto em mercadoria. Trata-se de um processo de votação com a presença maculada de dinheiro comprando votos, e há um processo de preservação de mandato por direito hereditário, porque o fato de filhos e sobrinhos serem eleitos é impressionante. E isso é uma indicação clara do grau de corrupção que está por aí.

IHU On-Line – Quais serão as principais dificuldades do próximo ano e a que essas dificuldades estão atreladas considerando que há uma sucessão de governos petistas nos últimos 12 anos?

Carlos Lessa – A primeira grande dificuldade é a situação externa, porque o cenário externo está cada vez pior para o Brasil. A irresponsabilidade de colocar ações da Petrobras na Bolsa de Nova Iorque está chegando numa situação que me angustia muito. Eu quero resolver a crise moral, institucional e econômica da Petrobras. Quero que essa empresa volte a ser o sonho de modernidade do país, quero que o Brasil assuma seu papel na geopolítica internacional a partir da exploração de petróleo do Atlântico Sul. Porém, sei que isso não é objeto de desejo dos irmãos do Norte.

Mas o que os americanos conseguiram com o escândalo da Petrobras? Que fosse transferido para o Ministério da Justiça americano e para a Comissão de valores imobiliários de Wall Street o papel de monitorar a política brasileira. O poder de negociação que agora tem o grande irmão do norte em relação ao governo brasileiro é total. Nunca imaginei que haveria uma transferência da decisão sobre o futuro do Brasil para a Bolsa de Nova Iorque e o Departamento norte-americano. Não vejo nada favorável. O cenário está muito difícil para o Brasil, e Dilma vai ter que caminhar no fio da navalha para não se cortar muito. Espero que ela consiga.

IHU On-Line – O senhor é um defensor da Petrobras. Como está recebendo as notícias de corrupção na estatal, que envolve desde a direção da Petrobras, parlamentares e empresários?

Carlos Lessa – Que havia corrupção na Petrobras eu tinha aguda sensação, porque Pasadena (EUA) foi um negócio de péssima qualidade. A compra de outra refinaria no Japão também foi uma estupidez, não vi justificativa para Pasadena e não vi justificativa para comprarem refinarias fora do país, quando o refil no Brasil estava atrasado. Tinham de ter feito refinarias no Brasil ao invés de comprar Pasadena. Isso para mim é, no mínimo, uma corrupção ideológica. Mas, quando os números vieram, não tive a menor dúvida de que havia roubalheira.

Por outro lado, a refinaria Abreu e Lima, de Pernambuco, teve tanta multiplicação de lucro que a venezuelana PDVSA  pulou fora e não quis ficar associada com a Petrobras. Não acho que a administração venezuelana seja um modelo de bom comportamento, mas até eles devem ter ficado assustados com o que viria a acontecer depois. Nas entrelinhas, as ações da Petrobras me davam muita tristeza. Ouvi um presidente da empresa dizer que a coisa mais importante para eles é honrar os acionistas, ou seja, não o povo brasileiro, mas Wall Street, onde está quase 40% do capital da Petrobras.

IHU On-Line – A crise da Petrobras pode gerar uma instabilidade política? Logo após a eleição, alguns grupos pediram o impeachment da presidente.

Carlos Lessa – Toda situação política tem os que exacerbam e essas manifestações são quase patológicas, mas o fato é que há a possibilidade de impeachment  se houver muito escândalo. Mas se o escândalo se restringir a senadores e pessoas ligadas a instituições e empresas, como se faz um impeachment? Não sei.

Não posso fazer o tipo de reflexão no sentido de saber se a presidente tinha ou não conhecimento sobre a corrupção da Petrobras. Acho que ela, como ex-ministra de Minas e Energia, tem muita responsabilidade com a crise de suprimentos de energia elétrica no país. Ela foi ministra e tomou as decisões de aumentar as termoelétricas, que são poluentes. Essa foi uma das razões pelas quais entrei em conflito com o governo Lula e por isso fui demitido. Portanto, tem muito da assinatura de Dilma nos erros da política energética brasileira, mas não acho que ela tenha conivência com corrupção. Mas ela tem pouco jogo de cintura, e aí dá para desconfiar."

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