Os originais do processo |
O procurador recebeu os documentos e encaminhou para a Polícia Federal, que abriu inquérito. “Tinha grande esperança de que o crime
fosse, finalmente, apurado, em razão da independência do Ministério
Público”, diz Alexandre César Costa Teixeira, autor do blog Mega
Cidadania.
No último 7 de outubro, dois dias depois do primeiro turno das
eleições, o inquérito foi arquivado, por decisão do delegado Luiz
Menezes, da Delegacia Fazendária da Superintendência da Polícia Federal no Rio de Janeiro. A decisão teve endosso do Ministério Público e foi acatada pela 8ª Vara Federal Criminal do Estado.
“A frustração é muito grande. Eu me empenhei muito para que esse caso
não ficasse impune”, disse Alexandre, ao saber que a representação dele
e de seus amigos acabou no arquivo da Justiça Federal.
“Eles não chamaram nenhum de nós para depor, mesmo sabendo que fomos
nós que conseguimos as páginas do processo que havia desaparecido da
Receita. É um absurdo”, afirma. “O sentimento é de indignação”, diz ele,
que já foi funcionário do Banco do Brasil e do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.
Alexandre faz parte de uma rede que atou na internet, em junho do ano
passado, para fortalecer as manifestações de rua. Foi ele quem entregou
a Miguel do Rosário, do site O Cafezinho, os documentos que
incriminavam a Globo, o que provocou, em julho de 2013, uma manifestação
em frente à porta da Globo, na rua Von Martius, Jardim Botânico, em
que foram distribuídos adesivos com a frase “Sonegação é a maior corrupção”.
O processo desapareceu da Receita Federal no dia 2 de janeiro de 2007,
quando já estava separado para que uma cópia fosse encaminhada ao
Ministério Público Federal, com uma representação para fins penais, em
que Roberto Irineu Marinho, João Roberto Marinho e José Roberto Marinho
são apontados como responsáveis por crimes contra a ordem tributária.
Uma investigação da Receita Federal apontou a agente administrativa
Cristina Maris Meinick Ribeiro como responsável pelo sumiço. A prova
mais forte contra ela é um vídeo que registra a entrada e a saída da
Delegacia da Receita Federal.
Na entrada, Cristina Maris aparece com uma bolsa. Na saída, além da
bolsa, ela tem uma sacola, onde, segundo testemunhas, estavam as três
pastas do processo.
Seis meses depois do crime, a agente administrativa acabou presa, a
pedido do Ministério Público Federal, mas ficou apenas dois meses e meio
atrás das grades.
Sua defesa, formada por cinco advogados, conseguiu no Supremo Tribunal
Federal um habeas corpus, numa decisão em que o relator foi o ministro
Gilmar Mendes.
Em janeiro de 2013, Cristina Maris foi condenada a 4 anos e onze meses
de prisão. O juiz que assina a sentença escreveu que Cristina agiu “com
o evidente propósito de obstar o desdobramento da ação fiscal que nele
se desenvolvia, cujo montante ultrapassava 600 milhões de reais.”
No mesmo processo em que foi condenada por ajudar a Globo, Cristina
Maris respondeu à acusação de interferir no sistema de informática da
Receita Federal para dificultar a cobrança de impostos de outras três
empresas.
Cristina Maris vive hoje num apartamento da avenida Atlântica, esquina
com a rua Hilário Correia, em Copacabana, mas não dá entrevista.
Informado de que eu gostaria de conversar com ela, o porteiro acionou o
interfone e, depois de falar com alguém, disse que ela não estava.
O processo da Receita Federal permaneceu desaparecido até que Alexandre
conseguiu com um amigo cópia de 25 páginas do processo e as entregou
para Miguel do Rosário, que publicou em O Cafezinho.
Eu fui apresentado ao amigo de Alexandre em um apartamento no centro da
cidade. Sob condição de não ter seu nome revelado, ele me levou, no
dia seguinte, a uma casa no subúrbio carioca, e ali telefonou para outra
pessoa, a quem pediu para trazer “a bomba”.
Não eram apenas 25 páginas, mas o processo inteiro, original.
Meia hora depois, chegaram dois homens, um deles com uma mochila preta nas cotas.
Abrigaram a mochila e tiraram de dentro os dois volumes, mais o apenso do processo.
Os documentos são originais, inclusive os ofícios da TV Globo, em papel
timbrado, em que a empresa, questionada, entrega os documentos
exigidos pela Receita Federal.
Alguns desses documentos são os contratos em que a Globo, segundo o
auditor fiscal Alberto Sodré Zile, simula operações de crédito e débito
com empresas abertas no Uruguai, Ilha da Madeira, Antilhas Holandesas,
Holanda e Ilhas Virgens Britânica, a maior parte delas paraísos
fiscais.
Esses contratos, que o auditor Zile classifica como fraude, têm a
assinatura de Roberto Irineu Marinho e de João Roberto Marinho. TV
Globo, Power, Porto Esperança, Globinter, Globo Overseas são algumas das
empresas que fazem negócios entre si para, ao final, adquirir uma
empresa nas Ilhas Virgens Britânicas, a Empire, que tinha como sede uma
caixa postal compartilhada com Ernst & Young Trust Corporation e
detinha os direitos de transmissão da Copa do Mundo de 2014.
Analisada superficialmente, a papelada indica que a Globo tem uma
intensa atividade internacional, e está em busca de novos espaços no
exterior. Vistos com lupa, como fez o auditor da Receita Federal, esses
documentos mostram que tudo não passou de simulação.
As empresas são todas controladas pela família Marinho e os contratos
são de mentirinha. No fundo, o que a Globo busca é se livrar do imposto
de renda que deveria ser pago na fonte, ao comprar os direitos de
transmissão da Copa do Mundo.
O amigo de Alexandre esclarece que os dois homens que guardam a bomba
não pertencem à quadrilha que faz desaparecer processos das repartições
públicas do Rio de Janeiro, a qual a ex-funcionária da Receita Federal
Cristina Maris prestou serviço.
Os processos estiveram em poder da quadrilha até que o amigo de
Alexandre conseguiu resgatá-lo da única maneira que se negocia com
bandidos: pagando o preço do resgate. Ele não diz o valor.
Alexandre recebeu os originais e quis entregá-los à Polícia Federal num
fim de semana. Mas, ao saber que se tratava do inquérito da Globo, o
delegado de plantão teria se recusado a ficar com os documentos.
Alexandre decidiu então esperar ser chamado para depor, oportunidade em
que entregaria uma cópia do processo ou mesmo o original, caso o
delegado quisesse. Mas a intimação que ele esperava receber nunca
chegou.
“Dizem que o processo da Receita Federal foi remontado, com cópias
fornecidas pela Globo. Seria interessante comparar o original com esse
processo remontado, se é que foi remontado”, afirma.
Na sexta-feira da semana passada, eu procurei o delegado encarregado do inquérito, Luiz Menezes.
Quando perguntei do inquérito, ele disse: “Esse inquérito já foi
relatado e foi para a justiça federal.” Quando perguntei sobre a
conclusão dele, respondeu: “Arquivo”. Por quê? “A Globo apresentou o
DARF de recolhimento do imposto.” O senhor se lembra de quanto era o
DARF? “Não”.
Na 8ª Vara Federal Criminal do Rio de Janeiro, a informação que obtive é
que, no dia 7 de outubro, o processo deixou existir, tomando o caminho
do arquivo, como sugerido pelo delegado, com a anuência do Ministério
Público Federal.
Sobre a hipótese de ter havido crime de lavagem de dinheiro, cuja
punibilidade não é extinta mesmo com o pagamento de imposto atrasado, o
delegado Luiz Menezes não quis falar.
Por que um processo que desapareceu dos escaninhos da Receita Federal
em janeiro de 2007, beneficiando a TV Globo, sobreviveu no submundo do
crime?
Segundo o amigo de Alexandre, a situação saiu do controle da Globo
quando o processo caiu nas mãos de um homem que tentou extorquir
dinheiro da empresa.
“A Globo pagou para fazer desaparecer o processo da Receita e teria que pagar de novo”, diz.
Aqui entra uma versão em que é difícil separar a lenda da verdade.
Com a ajuda de um aparato policial amigo, a Globo teria tentado retomar
os documentos à força, mas a operação falhou, e o processo continuou
no submundo até que foi trazido à luz pela militância na internet.
Hoje, mesmo contendo informações de teor explosivo, as autoridades querem distância do processo.
“A Globo é blindada. Nós tentamos chamar a atenção para o problema, mas ninguém se dispõe a ouvir”, diz Alexandre.
Na época da Copa, Alexandre procurou as empresas de outdoor do Rio de
Janeiro, para divulgar um anúncio em que informa da existência do
processo e pede a apuração.
A campanha era assinada pelos blogueiros, mas nenhuma empresa de outdoor aceitou abrigar a mensagem.
Enquanto órgãos oficiais não investigam o caso, o processo da Receita
Federal que envolve a Globo continuará sendo transportado em mochilas
no subúrbio do Rio de Janeiro.
Joaquim de Carvalho
No DCM
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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