Os embalos da opinião econômica
Luiz Gonzaga Belluzzo
Professor da escola de economia de Paris, Bertrand Rothé abre seu artigo na revista Marianne
com uma pergunta: por que os economistas midiáticos defendem com tanto
ardor um sistema falido? Ele responde: porque eles são pagos pelos
bancos. Um tanto rude, a resposta.
Mas Rothé mata a cobra e mostra o pau. Diz o economista que, em 10 de agosto, o jornal Le Monde
publicou no caderno Debates 22 depoimentos de especialistas na matéria.
Nesse grupo de sabichões, 16 (76,6%) são ligados a instituições
financeiras. A promiscuidade vai longe. Anton Brender, reputado
economista da esquerda francesa, hoje diretor de estudos econômicos do Dexia Asset Management usou duas páginas do Nouvel Observateur para concluir que “não são os mercados que estão em causa, mas a impotência política.”
A quase unanimidade, o realejo de opiniões banais encontra na mídia contemporânea um espaço ideal. Um jornalista do L’Expansion
justificou a preferência pela ligeireza: “Os economistas de bancos
sabem responder rápido, eles são pagos para isso. Esse já não é o caso
dos universitários que se entregam à reflexão e cujas nuances são
difíceis de transcrever.”
Vamos
às relações entre “impotência política”, descuidos midiáticos e captura
dos economistas. Até mesmo um idiota fundamental é capaz de perceber
que na construção da crise atual a “impotência política” tem origem na
ocupação do Estado e de seus órgãos de regulação pelas tropas da finança
e dos graúdos interesses, digamos, corporativos, aí incluídos aqueles
das megaempresas de mídia. As tropelias do meliante Rupert Murdoch dão
testemunho das ligações perigosas entre o mass media, a política e a polícia. No Brasil é o “puder”, já na pérfida Albion it’s power.
O americano Robert Kaiser no livro So Damn Much Money listou
188 ex-congressistas registrados oficialmente como lobistas em
Washington. A pesquisa de Kaiser revela como funciona a porta giratória
entre os grandes negócios e a política. Estudo realizado por um grupo de
advogados, o Public Citizen, flagrou na nobre ocupação de
lobistas metade dos senadores e 42% dos deputados que deixaram o
Congresso entre 1998 e 2004. No período 1998-2011 o setor financeiro
gastou 84,5 bilhões de dólares com essa turma. Há “rachuncho” com o
caixa das campanhas políticas.
Não escasseiam relatórios
oficiais, depoimentos, documentários e livros de gente oriunda dos
mercados a respeito da invasão dos bárbaros na cidadela da política e
das políticas. Nesse espaço que, generosamente, me reserva CartaCapital,
já publiquei um artigo sobre o relatório do Congresso americano que
expõe as tropelias dos agentes da finança na montagem da crise
financeira.
“No relatório do Congresso, o
percurso em direção à crise é analisado mediante a narrativa de
episódios esdrúxulos e de depoimentos patéticos de banqueiros, altos
executivos e autoridades. A articulação entre as falas e as narrativas
permite uma avaliação do papel desempenhado pelos vários fatores e
protagonistas que levaram a economia global da euforia e da depressão:
as inovações financeiras geradoras de instabilidade, a omissão
sistemática das autoridades encarregadas de supervisionar os mercados de
hipotecas e, finalmente, a farra da emissão de securities lastreadas em
empréstimos imobiliários.
Before Our Very Eyes,
assim é denominado o primeiro capítulo do Relatório do Congresso. Em
linguagem popular “Estava na Cara”. É difícil negar que, ao longo dos
anos de gestação da crise, os olhos – os da mídia incluídos – estiveram
vendados pela trava que os hipócritas apontam na visão alheia (Palavras
de Cristo, de admirável sabedoria). Já no caso de muitos economistas
eminentes, sempre procura-dos para opinar, os olhos estavam travados,
mas as imagens e palavras do documentário de Charles Ferguson, Inside Job, sugerem que os bolsos estavam arreganhados para a grana que escorria das façanhas da haute finance.
Ian Fletcher, autor do livro Free Trade Doesn’t Work,
descreve formas mais sutis de cooptação dos economistas. Tais métodos,
diz ele, não frequentam o ethos de bordel, com propostas do tipo “diga X
e lhe pagarei Y”. Mas na faina de conseguir clientes, muitos
economistas devem cultivar a reputação de sempre dizer aquilo que o
freguês quer ouvir. “Certas ideias, como o aumento da desigualdade e
problemas acarretados pelo livre-comércio devem ser evitadas. Elas não
são economicamente corretas.” A mídia, em seus trabalhos de purificação
da opinião pública, cuida de retirar tais “excentricidades” de
circulação, assim como a polícia leva a enxovias os manifestantes de Ocupe Wall Street, uma súcia de desordeiros desatinados e desordeiras de barriga de fora.
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