Pois
estimados leitores cá estamos, dependendo de onde estamos. Se
estivermos em São Paulo, por exemplo, podemos aproveitar das maravilhas
da Balada Literária, a criação do Marcelino Freire para mostrar que
evento de literatura pode, sim, pode, ser muito legal, ter altíssima
qualidade, e, ora vejam, ser grátis. Basta querer que todo mundo que
queira entrar entre, não é mesmo?
O ator Sergio Marone produziu e escreveu o roteiro do vídeo contra a construção de Belo Monte |
E entre um momento e
outro da Balada cá estava eu, ciscando no Tuiti e pronto, fui atingido
por um vídeo gravado por muitos atores globais baixando o cacete na
hidrelétrica de Belo Monte, garantindo que ela é o mal sobre a Terra, o
exu, o capeta, o diabo em sua versão mais úmida, e eu me pergunto, como
eles sabem de tudo isso? E mais, por que o vídeo deles é igual a um
americano, dirigido pelo Spielberg para fazer os americanos tirarem a
bunda do sofazão e irem votar?
Por
que atores globais fizeram um vídeo contra? Eu não tenho nada contra
atores globais, fora o sotaque e a mania de fazerem teatro comercial,
mas não tenho nada a favor. Pra mim, são tão ignorantes em assuntos de
represas no Pará como quase todo mundo com quem eu falei antes de
escrever essa coluna, se bem que, admitamos, muito mais fotogênicos.
Mas, mesmo sendo pra lá de mais bonitos e reconhecíveis do que eu ou o
senhor aqui ao lado, eles falam tanta besteira quanto qualquer um, e
isso me irrita. Energia eólica é mais limpa? Alguém já viu um parque
eólico, que por demandar vento costuma ficar no litoral, onde também
ficam as praias? Importante, necessário, talvez melhor, mas, limpo?
Defina limpeza aí, seu global, porque eu talvez ache uma represa cheia
de água no meio de uma floresta cheia de água algo mais natural do que
cataventos altíssimos transformando por completo uma paisagem que antes
era perfeita. Solar? Estimado espécime global, sua senhoria faz idéia da
área necessária para produzir 100 megawatts de energia solar? Eu sei, e
é um monte de área, que não vai servir para mais nada, montes de
recursos, dinheiro pra caramba, e ainda temos os enormes custos de
manutenção. Belo Monte são 11 mil megawatts, senhor ou senhora global.
Faça as contas antes de vir ler texto dado por sei lá quem, e talvez eu
realmente leve a sério o que dizem, o que o senhor ou senhora talvez
mereçam, desde que trabalhem para isso.
Os
bonitinhos dizem que Belo Monte vai criar um baita lago e afogar a
floresta. Eu, feinho, fui estudar. O lago da represa vai ocupar uma área
de 516 km2, me informa o Google. O mesmo Google me diz que o estado do
Pará possui uma área de 1.247.689,515 km2. O que deve querer dizer que o
lago a ser formado vai ocupar uma área equivalente a 1/2400 da área do
estado do Pará, que por sua vez é um estado com 7 milhões de habitantes,
com dois milhões deles morando em Belém e todos participando do Círio
de Nazaré, pelo que vejo. Ou seja, uma represa vai alagar uma área de
1/2400, ou nada por cento, de um estado basicamente vazio e isso se
torna um problema por que mesmo? Não dêem texto, provem. Do jeito que
vocês falam, encenando, eu não tomo como sério o que é dito. A moça vem e
diz "24 bilhões" e soa como o Dr. Evil falando "One billion dollars"
com o dedinho na boca. Dona, diga aí qual é o PIB brasileiro em 2010, e
quantos por cento do nosso PIB, a nossa riqueza nacional, a hidrelétrica
vai custar, diluída por 50 anos? Vosmecê sabe? Ó aqui a minha boquinha
enquanto ela diz, assim: D-U-V-I-D-O.
Leitores,
me irrita, e muito, essa tentativa de fazer a minha cabeça por
processos tão rudimentares. Se querem, mandem coisa melhor e terão toda a
minha atenção. Isso aí é manipulação tola, boba, mesmo que muito bem
intencionada. Isso tem cara de ONG que consegue apoio de um publicitário
bonzinho e muita gente bacana e vamos lá, salvar as baleias do Xingu.
Pois me irrita pra caramba, pelo desrespeito para comigo, que vivo no
mundo real, não dos comerciais sejam eles do governo ou de ONGs. Eu não
sou uma baleia, acho.
Eu vivo em
uma sociedade industrial, que pode abrir mão de muitas coisas e do bom
senso quase o tempo inteiro, mas não resiste a umas poucas horas sem
energia. Vira gelo, sem gelo pro uísque. Vira fogo sem ar condicionado
para resolver a vida na fornalha. Vira uma luta pelo pedaço de pão mais
próximo, vira a impossibilidade de chegar até a nossa casa. Podemos
ficar sem quase tudo, e eu poderia ficar muito bem sem axé, o Malafaia e
a lasanha congelada, mas não podemos ficar sem energia. Podemos e
devemos economizar energia. Podemos e devemos desenvolver energias
renováveis, e o faremos. Podemos e devemos esquecer a maluquice de
construir Angras 3, 4 o escambau, mas não o faremos. Angra 3 ou 4 são
muito, muito piores do que qualquer Belo Monte e certamente piores do
que Fukushima, especialmente se ficarem no Rio, que, digamos, não é o
Japão.
Mas para chegarmos até as
novas energias, precisamos de energia da que se produz agora e o resto
é, infelizmente, poesia. Não a qualquer custo, mas a custos que valha a
pena pagar. E essa avaliação tem que ser muito, mas muito racional e
justa do que eu vejo nos youtubes que vêm e vão.
Se
vamos escapar do fogo ou do gelo, é pela inteligência, como sempre foi e
será. E desse debate, por tudo que eu vi, ela está longe, muito longe,
muito mais longe do que o Pará, e muito menos inteligente do que precisa
ser para ser.
Marcelo Carneiro da Cunha
é escritor e jornalista. Escreveu o argumento do curta-metragem "O
Branco", premiado em Berlim e outros importantes festivais. Entre
outros, publicou o livro de contos "Simples" e o romance "O Nosso Juiz",
pela editora Record. Acaba de escrever o romance "Depois do Sexo", que
foi publicado em junho pela Record. Dois longas-metragens estão sendo
produzidos a partir de seus romances "Insônia" e "Antes que o Mundo
Acabe", publicados pela editora Projeto.
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