Vou voltar a um tema que eu adoro. Considerando que a renda do capital
segue estratosfericamente maior que a do trabalho e os recursos usados
para o pagamento de juros são bem maiores que os aplicados em programas
sociais (em todos os governos, de FHC a Dilma), fico extremamente
incomodado quando ouço ou leio pessoas reclamando que “dar dinheiro aos
pobres os torna vagabundos”.
É engraçado que ninguém reclama do dinheiro que vai às classes mais
abastadas, que investem em fundos baseados na dívida pública federal.
Grosso modo, muito vai para poucos e pouco vai para muitos. E, mesmo
assim, sou obrigado a ouvir pérolas quase que diariamente, reclamando
dos programas de transferência de renda, não no sentido de melhorá-los,
mas de extingui-los. É claro que é importante avançar na construção de
“portas de saídas” para programas como o Bolsa-Família, gerando
autonomia econômica. Mas a raiva com a qual essas iniciativas ainda vêm
sendo tratadas por algumas pessoas me surpreende. Pessoal, supera! Não
há partido político que vá se eleger com uma plataforma que cancele
esses processos de transferência de renda. Isso já é política de Estado e
não de governo.
“Ah, mas minha tia tem uma amiga em que a empregada recebe o
bolsa-família e, por isso, desistiu de trabalhar. Quer ficar no bem bom
com o dinheiro público.” Quantos já ouviram coisas assim? Primeiro
reduzindo todo um programa a uma única história. Segundo, uma história
mal contada, pois é difícil imaginar que uma família consiga sobreviver
com dignidade com um montante de renda não raro menor que uma garrafa de
vinho paga pelo sujeito fino que decretou tal preconceito. Terceiro,
para alguém preferir a segurança da mensalidade do programa do que um
salário é que a remuneração deve ser baixa demais ou a garantia de
permanência no emprego inexistente.
Este post não está criticando ou elogiando ninguém, mas tentando
entender o que, além do preconceito, faz com que um cidadão que tenha um
pouco mais na conta bancária acredite que pisar no andar de baixo é a
solução para galgar ao andar de cima? E crer que o futuro de um país é
feito uma Arca de Noé, com espaço para salvar pouca gente de um dilúvio
iminente?
Para esse pessoal, é cada um por si e o Sobrenatural – proporcionalmente
ao tamanho do dízimo deixado mensalmente – para todos. Fraternidade e
solidariedade são palavras que significam “doação de calças velhas para
vítimas de enchente”, “brinquedos usados repassados a orfanatos no
Natal” ou “um DOC limpa-consciência feito a alguma ONG”.
Nada sobre um esforço coletivo de buscar a dignidade para todos, com
distribuição imediata (e não depois que o bolo crescer) da riqueza
gerada no país. Crescimento produzido pelos mesmos trabalhadores que não
desfrutam da maior parte de seus resultados. Porque, apenas
teoricamente, todos nascem livres e iguais.
E se eu dissesse que “dar dinheiro aos ricos os torna vagabundos?” Por
que usar a frase para os pobres é ser um “analista sensato da realidade”
e usar a frase aos ricos é ser um “canalha de um comunista safado”?
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