Joaquim Barbosa me surpreende, meus irônicos botões pedem que não me apresse
O espanto. Barbosa denuncia a falta de pluralismo da mídia e o racismo reinante nas redações e fora delas. Acredita mesmo no que afirma. Foto: Nelson Jr./ SCO/ STF |
Em San José da Costa Rica, onde se realizou o
congresso promovido pela Unesco, ao longo de um discurso pronunciado em
inglês, o ministro Barbosa disse coisas que melhor caberiam neste meu
espaço semanal. Comentaram meus irônicos botões: “O homem roubou-lhe a
fala”. Segundo Barbosa, os três jornalões brasileiros, Estadão, Folha e Globo, pecam pela “falta de pluralismo” e pela “fraca diversidade política e ideológica”.
Constatou o óbvio ao registrar
que esta imprensa alinha-se sistematicamente de um lado só. A
constatação não deixa, contudo, de ser audaciosa no seu desafio à
casa-grande e aos seus porta-vozes, tanto mais por cair da boca do
grão-mestre do julgamento do chamado “mensalão”. O qual não hesita em
acentuar que os três principais diários brasileiros inclinam-se “para a
direita no campo das ideias”.
As observações de Barbosa conduzem a uma conclusão: se
a mídia é reacionária, reacionário é o ataque diuturno e concentrado
contra quem governou o País nos últimos dez anos, Lula e Dilma. Quanto
ao racismo, revela-se nas próprias redações. Não há negros em posições
de liderança nos grupos de mídia, diz o magistrado, tampouco têm
presença nos vídeos e no papel. No Brasil mais de 50% da população se
compõe de negros e mulatos, “mas é como se não existissem no mercado
das ideias”.
O racismo ganha, porém, outras provas, mais profundas e
generalizadas, como se dá com o tratamento desigual reservado pela
Justiça a brancos e negros. “As pessoas são tratadas de forma diferente
– sublinha Barbosa –, de acordo com seu status, sua fortuna e a cor da
sua pele: isso tudo tem um papel enorme no sistema judicial,
especialmente em relação à impunidade.” De quem pode mais, está claro.
Pergunto aos meus irreverentes botões qual haverá de
ser de agora em diante o comportamento reservado pela mídia nativa ao
presidente do STF. Retrucam com o estribilho de um antigo e delicioso
sambinha carnavalesco: “Sossega leão, sossega leão”. Percebo o sarcasmo
dos incrédulos, algo assim como a certeza de que este mar não dá
peixes.
Certo é que Barbosa já fez declarações similares em uma entrevista de tempos atrás a Mônica Bergamo, da Folha de S.Paulo.
Desta vez, no entanto, foi mais ao fundo do assunto e foi bem claro na
exposição diante de uma plateia internacional, a oferecer repercussão
mais vasta. Resta a derradeira consideração dos botões, soprada entre
dentes: “O ilustre prega bem, mas não parece agir em conformidade”.
Encaro-os, entre atônito e perplexo, logo peço explicações. Lembram que
Barbosa costuma ligar para o imortal Merval Pereira, uma das colunas
mestras de O Globo, como o próprio se apressou a informar seus
leitores, para oferecer pistas e esclarecimentos a respeito de temas
diversos. Merval não é personagem-símbolo do jornalista negro e de
esquerda.
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