Paulo Nogueira
A escolha de Barroso não é exatamente animadora.
O novo ministro tem muita proximidade com a Globo
Se alguém tivesse que dar uma instrução ao novo integrante do STF, Luís
Roberto Barroso, seria mais ou menos assim: “Amigo, observe tudo que
seus companheiros fazem com atenção. E depois faça o oposto.”
Barroso substitui uma pequena calamidade chamada Ayres Brito. O maior
legado de Ayres Brito foi privar a sociedade brasileira do direito de
resposta na mídia em casos de calúnia e difamação.
Depois, ele conseguiu entender que não havia conflito de interesses na
relação justiça e mídia e fez um sofrido prefácio para o livro – a esta
altura completamente morto, dados os novos fatos – de Merval Pereira
sobre o mensalão.
Seria de supor que Dilma, depois da barbeiragem espetacular na escolha
de Luiz Fux, tenha sido mais cuidadosa ao optar por Barroso.
Mas uma visita ao blog de Barroso
não chega a ser exatamente animadora. Para começo de conversa, ele foi
advogado da Abert, a associação de empresas de rádio e televisão que
obedece ao comando da Globo.
Logo, suas relações com a Globo estão, desde já, sob suspeita de promiscuidade.
Isso fica claro num artigo que está em seu blog, e que ele escreveu
exatamente para o Globo, em 2011. Nele, defendeu, com argumentos
bisonhos, a manutenção de reserva de mercado para as empresas
jornalísticas brasileiras.
É a chamada pataquada.
Considere.
“A primeira questão a ser enfrentada diz respeito ao fato de que as
empresas genuinamente brasileiras que atuam nesse mercado não podem ter
mais de 30% de capital estrangeiro, por imposição constitucional.
Admitir-se empresas com 100% de capital estrangeiro fazendo jornalismo
ou televisão no Brasil não apenas viola a Constituição como cria uma
competição desigual. Imagine se um jogo de futebol em que um dos times
devesse observar as regras tradicionais e o outro pudesse pegar a bola
com a mão, fazer faltas livremente e marcar gols em impedimento. A
injustiça seria patente.”
Ora, por que as regras seriam diferentes? Por que qualquer empresa
estrangeira de mídia no Brasil poderia pegar a bola com a mão? A
legislação de mídia seria a mesma, como acontece com qualquer outro
ramo.
Nos anos 1990, o Brasil se livrou da reserva de mercado para automóveis,
com ganhos expressivos para os consumidores, que se livraram das
carroças caríssimas.
As novas fábricas que se instalaram no país, como a Fiat ou a Toyota,
viveram desde o primeiro instante sob as mesmíssimas regras das demais
montadoras.
Se essa lógica patética valesse, estaríamos sob reserva de mercado em
todas as áreas. Você talvez estivesse condenado a ter um laptop da
Itautec.
Mas Barroso foi adiante em sua insana cavalgada a favor do atraso.
“Existem (…) razões mais substantivas para que as regras sejam
mantidas e respeitadas. O Brasil é um país cioso de suas tradições
culturais, que incluem uma belíssima música popular, o melhor futebol
do planeta, novelas premiadas mundo afora e cobertura jornalística
acerca dos fatos de interesse nacional.
Entregar o jornalismo e a televisão ao controle estrangeiro poderia
criar um ambiente de surpresas indesejáveis. No noticiário e na
programação, teríamos touradas ou jogos de beisebol. Ou, quem sabe, de
hora em hora, entraria em tela cheia a imagem do camarada Mao, grande
condutor dos povos. Como matéria de destaque, uma reportagem
investigativa provando que Carlos Gardel era uruguaio e não argentino.
Pura emoção. À noite, um documentário defenderia a internacionalização
da Amazônia.”
Raras vezes foram ditas tantas estupidezes num só parágrafo. Raras vezes
uma situação de inaceitável privilégio foi defendida com tamanha
pobreza de argumentos.
Um homem que escreve essas coisas — que deveriam ter efeito
desqualificador em qualquer escolha — ter chegado as STF mostra quanto é
baixo e primário o nível do sistema judiciário brasileiro, e quanto é
frágil o critério de opção dos governos.
O jornalista Paulo Nogueira, baseado em Londres, é fundador e diretor
editorial do site de notícias e análises Diário do Centro do Mundo.
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