Do Diário do Centro do Mundo - 15/05/2013
Acima de tudo, porque a medicina cubana é muito mais avançada que a brasileira.
O texto abaixo foi publicado, originalmente, no site Patria Latina.
A virulenta reação do Conselho Federal de Medicina contra a vinda de 6
mil médicos cubanos para trabalhar em áreas absolutamente carentes do
país é muito mais do que uma atitude corporativista: expõe o pavor que
uma certa elite da classe médica tem diante dos êxitos inevitáveis do
modelo adotado na ilha, que prioriza a prevenção e a educação para a
saúde, reduzindo não apenas os índices de enfermidades, mas sobretudo a
necessidade de atendimento e os custos com a saúde.
Essa não é a primeira investida radical do CFM e da Associação Médica
Brasileira contra a prática vitoriosa dos médicos cubanos entre nós. Em
2005, quando o governador de Tocantins não conseguia médicos para a
maioria dos seus pequenos e afastados municípios, recorreu a um convênio
com Cuba e viu o quadro de saúde mudar rapidamente com a presença de
apenas uma centena de profissionais daquele país.
A reação das entidades médicas de Tocantins, comprometidas com a baixa
qualidade da medicina pública que favorece o atendimento privado, foi
quase de desespero. Elas só descansaram quando obtiveram uma liminar de
um juiz de primeira instância determinando em 2007 a imediata “expulsão”
dos médicos cubanos.
Dos 371.788 médicos brasileiros, 260.251 estão nas regiões Sul e
Sudeste. Neste momento, o governo da presidenta Dilma Rousseff só está
cogitando trazer os médicos cubanos, responsáveis pelos melhores índices
de saúde do Continente, diante da impossibilidade de assegurar a
presença de profissionais brasileiros em mais de mil municípios, mesmo
com a oferta de vencimentos bem superiores aos pagos nos grandes centros
urbanos.
E isso não acontece por acaso. O próprio modelo de formação de
profissionais de saúde, com quase 58% de escolas privadas, é voltado
para um tipo de atendimento vinculado à indústria de equipamentos de
alta tecnologia, aos laboratórios e às vantagens do regime híbrido, em
que é possível conciliar plantões de 24 horas no sistema público com
seus consultórios e clínicas particulares, alimentados pelos planos de
saúde.
Mesmo com consultas e procedimentos pagos segundo a tabela da AMB, o
volume de clientes é programado para que possam atender no mínimo dez
por turnos de cinco horas. O sistema é tão direcionado que na maioria
das especialidades o segurado pode ter de esperar mais de dois meses por
uma consulta.
Além disso, dependendo da especialidade e do caráter de cada médico, é
possível auferir faturamentos paralelos em comissões pelo direcionamento
dos exames pedidos como rotinas em cada consulta.
Há no Brasil uma grande “injustiça orçamentária”: a formação de médicos
nas faculdades públicas, que custa muito dinheiro a todos os
brasileiros, não presume nenhuma retribuição social, pelo menos
enquanto não se aprova o projeto do senador Cristóvam Buarque, que
obriga os médicos recém-formados que tiveram seus cursos custeados com
recursos públicos a exercerem a profissão, por dois anos, em municípios
com menos de 30 mil habitantes ou em comunidades carentes de regiões
metropolitanas.
Cruzando informações, podemos chegar a um custo de R$ 792.000,00 reais
para o curso de um aluno de faculdades públicas de Medicina, sem incluir
a residência. E se considerarmos o perfil de quem consegue passar em
vestibulares que chegam a ter 185 candidatos por vaga (UNESP), vamos nos
deparar com estudantes de classe média alta, isso onde não há cotas
sociais.
Um levantamento do Ministério da Educação detectou que na medicina os
estudantes que vieram de escolas particulares respondem por 88% das
matrículas nas universidades bancadas pelo Estado. Na odontologia, eles
são 80%.
Em faculdades públicas ou privadas, os quase 13 mil médicos formados
anualmente no Brasil não estão nem preparados, nem motivados para
atender às populações dos grotões. E não estão por que não se habituaram
à rotina da medicina preventiva e não aprenderam como atender sem as
parafernálias tecnológicas de que se tornaram dependentes.
Números oficiais do próprio CFM indicam que 70% dos médicos brasileiros
se concentram nas regiões Sudeste e Sul do país. E em geral trabalham
nas grandes cidades. Boa parte da clientela dos hospitais municipais do
Rio de Janeiro, por exemplo, é formada por pacientes de municípios do
interior.
Segundo pesquisa encomendada pelo Conselho, se a média nacional é de
1,95 médicos para cada mil habitantes, no Distrito Federal esse número
chega a 4,02 médicos por mil habitantes, seguido pelos estados do Rio de
Janeiro (3,57), São Paulo (2,58) e Rio Grande do Sul (2,31). No extremo
oposto, porém, estados como Amapá, Pará e Maranhão registram menos de
um médico para mil habitantes.
A pesquisa “Demografia Médica no Brasil” revela que há uma forte
tendência de o médico fixar moradia na cidade onde fez graduação ou
residência. As que abrigam escolas médicas também concentram maior
número de serviços de saúde, públicos ou privados, o que significa mais
oportunidade de trabalho. Isso explica, em parte, a concentração de
médicos em capitais com mais faculdades de medicina.
A cidade de São Paulo, por exemplo, contava, em 2011, com oito escolas
médicas, 876 vagas – uma vaga para cada 12.836 habitantes – e uma taxa
de 4,33 médicos por mil habitantes na capital.
Mesmo nas áreas de concentração de profissionais, no setor público, o
paciente dispõe de quatro vezes menos médicos que no privado. Segundo
dados da Agência Nacional de Saúde Suplementar, o número de usuários de
planos de saúde hoje no Brasil é de 46.634.678 e o de postos de trabalho
em estabelecimentos privados e consultórios particulares, 354.536. Já o
número de habitantes que dependem exclusivamente do Sistema Único de
Saúde (SUS) é de 144.098.016 pessoas, e o de postos ocupados por médicos
nos estabelecimentos públicos, 281.481.
A falta de atendimento de saúde nos grotões é uma dos fatores de
migração. Muitos camponeses preferem ir morar em condições mais
precárias nas cidades, pois sabem que, bem ou mal, poderão recorrer a um
atendimento em casos de emergência.
A solução dos médicos cubanos é mais transcendental pelas
características do seu atendimento, com foco no sentido de evitar o
aparecimento da doença. Na Venezuela, os Centros de Diagnósticos
Integrais espalhados nas periferias e grotões, que contam com 20 mil
médicos cubanos, são responsáveis por uma melhoria radical nos seus
índices de saúde.
Em sua nota ameaçadora, o CFM afirma claramente que confiar populações
periféricas aos cuidados de médicos cubanos é submetê-las a
profissionais não qualificados. E esbanja hipocrisia na defesa dos
direitos daquelas pessoas.
Não é isso que consta dos números da Organização Mundial de Saúde.
Cuba, país submetido a um asfixiante bloqueio econômico, mostra que
nesse quesito é um exemplo para o mundo e tem resultados melhores do que
os do Brasil.
Graças à sua medicina preventiva, a
ilha do Caribe tem a taxa de mortalidade infantil mais baixa da América e
do Terceiro Mundo – 4,9 por mil (contra 60 por mil em 1959, quando do
triunfo da revolução) – inferior à do Canadá e dos Estados Unidos. Da
mesma forma, a expectativa de vida dos cubanos – 78,8 anos (contra 60
anos em 1959) – é comparável à das nações mais desenvolvidas. Com um
médico para cada 148 habitantes (78.622 no total) distribuídos por todos
os seus rincões com 100% de cobertura, Cuba é, segundo a Organização
Mundial de Saúde, a nação melhor dotada do mundo neste setor. (Grifos em verde negritado são do ContrapontoPIG)
Segundo a New England Journal of
Medicine, “o sistema de saúde cubano parece irreal. Há muitos médicos.
Todo mundo tem um médico de família. Tudo é gratuito, totalmente
gratuito. Apesar do fato de que Cuba dispõe de recursos limitados, seu
sistema de saúde resolveu problemas que o nosso [dos EUA] não conseguiu
resolver ainda. Cuba dispõe agora do dobro de médicos por habitante do
que os EUA”.
O Brasil forma 13 mil médicos por ano em 200 faculdades: 116 privadas,
48 federais, 29 estaduais e 7 municipais. De 2000 a 2013, foram criadas
94 escolas médicas: 26 públicas e 68 particulares.
Em 2012, Cuba, com cerca de 13 milhões de habitantes, formou em suas 25
faculdades, inclusive uma voltada para estrangeiros, mais de 11 mil
novos médicos: 5.315 cubanos e 5.694 de 69 países da América Latina,
África, Ásia e até dos Estados Unidos.
Atualmente, 24 mil estudantes de 116 países da América Latina, África,
Ásia, Oceania e Estados Unidos (500 por turma) cursam uma faculdade de
medicina gratuita em Cuba.
Entre a primeira turma de 2005 e 2010, 8.594 jovens doutores saíram da
Escola Latino-Americana de Medicina. As formaturas de 2011 e 2012 foram
excepcionais com cerca de oito mil graduados. No total, cerca de 15 mil
médicos se formaram na Elam em 25 especialidades distintas.
Isso se reflete nos avanços em vários tipos de tratamento, inclusive em
altos desafios, como vacinas para câncer do pulmão, hepatite B, cura do
mal de Parkinson e da dengue. Hoje, a indústria biotecnológica cubana
tem registradas 1.200 patentes e comercializa produtos farmacêuticos e
vacinas em mais de 50 países.
Desde 1963, com o envio da primeira
missão médica humanitária à Argélia, Cuba trabalha no atendimento de
populações pobres no planeta. Nenhuma outra nação do mundo, nem mesmo as
mais desenvolvidas, teceu semelhante rede de cooperação humanitária
internacional. Desde o seu lançamento, cerca de 132 mil médicos e outros
profissionais da saúde trabalharam voluntariamente em 102 países. No
total, os médicos cubanos trataram de 85 milhões de pessoas e salvaram
615 mil vidas. Atualmente, 31 mil colaboradores médicos oferecem seus
serviços em 69 nações do Terceiro Mundo.
No âmbito da Alba (Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América),
Cuba e Venezuela decidiram lançar em julho de 2004 uma ampla campanha
humanitária continental com o nome de Operação Milagre, que consiste em
operar gratuitamente latino-americanos pobres, vítimas de cataratas e
outras doenças oftalmológicas, que não tenham possibilidade de pagar por
uma operação que custa entre cinco e dez mil dólares.
Esta
missão humanitária se disseminou por outras regiões (África e Ásia). A
Operação Milagre dispõe de 49 centros oftalmológicos em 15 países da
América Central e do Caribe. Em 2011, mais de dois milhões de pessoas de
35 países recuperaram a plena visão.
Quando se insurge contra a vinda de médicos cubanos, com argumentos
pueris, o CFM adota também uma atitude política suspeita: não quer que
se desmascare a propaganda contra o regime de Havana, segundo a qual o
sonho de todo cubano é fugir para o exterior.
Os mais de 30 mil médicos espalhados pelo mundo permanecem fiéis aos compromissos sociais de
quem teve todo o ensino pago pelo Estado, desde a pré-escola e de que,
mais do que enriquecer, cumpre ao médico salvar vidas e prestar serviços
humanitários.
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