domingo, 25 de agosto de 2013

Corem diante desta negra, doutores! Ela tem o que os senhores perderam


“Somos médicos por vocação, não nos interessa um salário, fazemos por amor”, afirmou Nelson Rodrigues, 45.
“Nossa motivação é a solidariedade”, assegurou Milagros Cardenas Lopes, 61
“Viemos para ajudar, colaborar, complementar com os médicos brasileiros”, destacou Cardenas em resposta à suspeita de trabalho escravo. “O salário é suficiente”, complementou Natasha Romero Sanches, 44.
Poucas frases, mas que soam  como se estivessem sendo ditas por seres de outro planeta no Brasil que vivemos.
O que disseram os primeiros médicos cubanos do  grupo que vem para servir onde médicos brasileiros não querem ir deveria fazer certos dirigentes da medicina brasileira reduzirem à pequenez de seus sentimentos e à brutalidade de suas vidas, de onde se foi, há muito tempo, qualquer amor à igualdade essencial entre todos os seres humanos.
Porque gente que não se emociona com o sofrimento e a carência de seus semelhantes, gente que se formou, muitas vezes, em escolas de medicina pagas com o imposto que brasileiros miseráveis recolheram sobre sua farinha, seu feijão, sua rala ração, gente que já viu seus concidadãos madrugando em filas, no sereno, para obter um simples atendimento, gente assim não é civilizada, não importa quão bem tratadas sejam suas unhas, penteados os seus cabelos e reluzentes seus carros.
Perto desta negra aí da foto, que para vocês só poderia servir para lavar suas roupas e pajear seus ricos filhinhos, criados para herdar o “negócio” dos pais, vocês não passam de selvagens, de brutos.
Vocês podem saber quais são as mais recentes drogas, aprendidas nos congressos em locais turísticos, custeados por laboratórios que lhes dão as migalhas do lucro bilionário que têm ao vender remédios. Vocês podem conhecer o último e caro exame de medicina nuclear disponível na praça a quem pode pagar. Vocês podem ser ricos, ou acharem que são, porque de verdade não passam de uma subnobreza deplorável, que acha o máximo ir a Miami.
Mas vocês são lixo perto dessa negra, a Doutora – sim, Doutora, negra, negrinha assim!- Natasha é, eu lhes garanto.
Sabem por que? Por que ela é capaz de achar que o que faz é mais importante do que aquilo que ganha, desde que isso seja o suficiente para viver com dignidade material. Porque a dignidade moral ela a tem, em quantidade suficiente para saber que é uma médica, por cem, mil ou um milhão de dólares.
Isso, doutores, os senhores já perderam. E talvez nunca mais voltem a ter, porque isso não se compra, não se vende, não se aluga, como muitos dos senhores, para manter o status de pertenceram ao corpo clínico de um hospital, fazem com seus colegas, para que dêem o plantão em seus lugares.
Os senhores não são capazes de fazer um milésimo do que ela faz pelos seres humanos, desembarcando sob sua hostilidade num país estrangeiro, para tratar de gente pobre que os senhores nao se dispõem a cuidar nem querem deixar que se cuide.
Os senhores não gritaram, não xingaram nem ameaçaram com polícia aos Roger Abdelmassih, o estuprador, nem contra o infleiz que extorquiu R$ 1.200 para fazer o parto de uma adolescente pobre, nem contra os doutores dos dedos de silicone, nem contra os espertalhões da maternidade paulista cuja única atividade era bater o ponto.
Eles não os ameaçaram, ameaçaram apenas aos pobres do Brasil.
Estes aí, sim, estes os ameaçam. Ameaçam a aceitação do que vocês se tornaram, porque deixaram que a aspiração normal e justa de receber por seu trabalho se tornasse maior do que a finalidade deste próprio trabalho, porque o trabalho é um bem social e coletivo, ou então vira mero negócio mercantil.
É isto que estes médicos cubanos representam de ameaça: o colocar o egoísmo, o consumismo, o mercantilismo reduzidos ao seu tamanho, a algo que não é e nem pode ser o tamanho da civilização humana.
Aliás, é isso que Cuba, há quase 55 anos, representa.
Um país minúsculo, cheio de carências, que é capaz de dar a mão dos médicos a este gigante brasileiro.
E daí que eles exportem médicos como fonte de receita? Nós não exportamos nossos meninos para jogar futebol? O que deu mais trabalho, mais investimento, o que agregou mais valor a um país: escolas de medicina ou esteiras rolantes para exportar seus minérios?
É por isso que o velhíssimo Fidel Castro encarna muito mais a  juventude que estes yuppies coxinhas, cuja vida sem causa  cabe toda dentro de um cartão de crédito.
Eu agradeço à Doutora Natasha.
Ela me lembrou, singelamente, que coração é algo muito maior do que aquele volume que aparece, sombrio, nas tantas ressonâncias, tomografias e cateterismos porque passei nos últimos meses.
Ele é o centro do progresso humano, mais do que o cérebro, porque é ele quem dá o norte, o sentido, o rumo dos pensamentos e da vida.
Porque, do contrário, o saber vira arrogância e os sentimentos, indiferença.
E o coração, como na música de Mercedes Sosa, una mala palabra.
Enquanto isso:

O modelo americano de saúde. Homem rouba para ser preso e ter médico

A cena se passou sexta-feira, nos Estados Unidos, paraíso do pensamento “coxinha” brasileiro.
Timothy Dean Alsip, 50 anos, entra numa agência do Bank of America filial, em  Portland e entrega um bilhete a um dos caixas.
“Isto é um assalto. Entregue-me um dólar”. 
Depois de receber o dólar, Alsip sentou-se no hall de entrada e esperou a polícia, disseram funcionários segundo o jornal OregonLive.
Quando os policiais chegaram ao banco, o Alsip disse que era um “sem teto”  e precisava de assistência médica. 
Como resultado, ele foi jogado na cadeia do condado de Clackamas sob a acusação de roubo em segundo grau com uma fiança de US$ 250 mil.
É a isso que leva um sistema privadíssimo de saúde como o americano, onde a direita se insurge contra qualquer tentativa de medicina pública.
Mas está tudo dentro da lei, como exigem  alguns doutores de jaleco branco ou de toga negra.
Obscurantistas, como os monstros da Idade Média, sobre os quais o Giordano Bruno – o da peça de Bertold Brecht – teve de dizer o seu “eu sustento que a única finalidade da ciência está em aliviar a miséria da existência humana”.
Também nós não devemos ter medo de falar, se não nos fizerem como ao Bruno em Roma, pondo-lhe um pedaço de madeira como rolha à boca.
A ciência, muito menos a ciência médica, pode ser evocada para justificar o abandono de seres humanos.
Idem a lei.
Ambas, se não trabalham pelo ser humano, são odiosas e desprezíveis.
PS. Obrigado a @MoniquePrada pela pauta original
Fernando Brito
No Tijolaço 

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