“Emma” aponta os erros na matéria em que foi personagem central.
“Emma, de 25 anos, integrante dos black blocs no Rio”, conforme legenda
que identifica o rosto coberto por uma camiseta na capa da Veja, está
indignada. E afirmou que irá redigir uma “Carta aberta à Veja”.
Na tarde de sábado, logo após a revista chegar às suas mãos, Emma,
acampada no Ocupa Cabral, apoderou-se do celular que fazia transmissão
ao vivo pelo TwitCasting e passou mais de uma hora vociferando contra a
publicação (vídeo aqui).
Revoltada, demonstrava discordar de A a Z da matéria. Ainda na capa,
ela aponta um erro que considera primário ao inseri-la como membro de
um grupo. “Black bloc não é grupo e sim uma tática de manifestação. Não
tenho como ser integrante de uma coisa que não existe.” A chamada (O
bando dos caras tapadas) também desperta ira quanto ao trocadilho que
ela diz ser “digno do Zorra Total” e que jornalistas deveriam se
envergonhar de trabalhar numa revista como aquela.
Auxiliada por um mascarado que a ajuda a folhear a revista cujas
páginas estão rebeldes por causa do vento da praia, Emma vai analisando
e xingando trechos preconceituosos e moralistas. Sua revolta (e dos
que estão ao redor) aumenta diante do relato sobre consumo de drogas e
sexo promíscuo. “Entre um baseado e um gole de vodka, (…) vinho barato e
cocaína ! Onde isso?”
Ela segue jogando molotovs na Veja até chegar ao quadro de fundo cinza,
parte que considera ter sido feita especialmente para si. Abaixo de
uma foto em que aparece lendo História da Riqueza do Homem, de Leo
Huberman, o texto procura atingi-la de modo a reduzir suas
insatisfações a desvarios adolescentes. Emma ridiculariza a tentativa da
revista de expor intimidades e frases soltas apenas para diminuí-la.
O mascarado também faz seu desabafo: “Isso foi tudo inventado. A grande
mídia faz assim, ela conta a história que ela quer. Essa matéria aqui é
completamente mentirosa, não é nem falaciosa, é mentirosa mesmo. A
intenção é manipular a opinião pública”, diz ele.
Emma aponta a câmera para as barracas: “Olha lá, todo mundo transando e
se drogando.” Ela se enfurece com o golpe baixo ao ser chamada de
namoradeira e suspeita que gente infiltrada a delatou na passagem em
que “fica” com dois acampados num mesmo dia.
As fotos nas quais ela aparece (capa e miolo) são assunto polêmico.
Ainda que através de uma elíptica fenda apenas se revelem os olhos
azuis, sobrancelhas finas e um pouco do nariz, todos de traços
sugestivamente médio-orientais e de ar misterioso, fica evidente que
Emma mexe com a curiosidade. Enquanto conta que o fotógrafo se fez
passar por membro de agência internacional, Emma recebe um elogio à sua
beleza através do chat interativo. “Obrigada, mas a reportagem não
mexeu com meu ego. Não adianta nada a foto estar bonita se o conteúdo é
escroto”, disse. “Não vendi foto nenhuma, publicaram isso sem minha
autorização”. Uma senhora que estava ao lado pergunta se ela pode
processar a revista por uso indevido de imagem. “Sim”, responde Emma. Um
outro espectador bem humorado diz ter sentido falta de um poster
central na revista. “Poster o caralho, já falei para parar com a
idolatria. Não vim aqui para mostrar a bunda, vim mostrar o que tenho no
cérebro.”
Emma diz ter sido procurada no acampamento por uma repórter da Veja e
também pelo Globo. Dá a entender que recusou ambos os convites por não
concordar com a grande mídia. Afirmou ter dito à repórter da Veja que
não conversaria com ela pois o editor manipularia tudo conforme seu
interesse. Contudo, enquanto lia a reportagem, por diversas vezes
declarou: “Eu não disse isso, desse jeito.”
Além dos equívocos denunciados por Emma, a matéria afirma que os blacks
blocs são um grupo pequeno e não chegariam a duzentos miilitantes.
Apenas na frente da Assembleia Legislativa de São Paulo, na semana
passada, havia um grupo de aproximadamente cem indivíduos. Comunidades
black blocs no Facebook são encontradas em São Paulo, Caxias do Sul,
Minas, Ceará, Niterói, Rio de Janeiro. Só a do Rio possui mais de 23
mil “curtidores”.
Também não é verdade quando a revista afirma que black blocs haviam
queimado uma catraca durante uma manifestação (o ato é simbólico e
religiosamente proporcionado pelo MPL, não teve nada a ver com black
blocs) ou quando alega que nenhum McDonald’s ou Starbucks escapem
ilesos de protestos em que haja pelo menos um mascarado (na noite de
sexta-feira, novamente na Assembleia, nenhuma guerra de spray ou gás
ocorreu mesmo na presença de 60 ou 70 black blocs).
Criticando professores universitários admiradores do movimento, a Veja
incita a polícia a enquadrar os “arruaceiros” pelo crime de formação de
quadrilha, algo ainda não feito, obviamente, por não ser possível
juridicamente (como foi dito por um membro dos Advogados Ativistas aqui
no Diário).
Na Carta ao Leitor da mesma edição, lê-se que “VEJA sempre se pautou
pela busca da informação correta em nome do interesse público.” Ao
encerrar sua participação no Twitcasting, Emma diz para a Editora
Abril: “A população está vendo o que vocês estão fazendo.”
Mauro Donato
No DCM
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