Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Algumas das mais prestigiadas cabeças da imprensa têm se empenhado, nos
últimos dias, a uma articulada operação com o objetivo de desmoralizar o
coletivo de produções culturais chamado Fora do Eixo e, como resultado
indireto, demonizar o fenômeno de midiativismo conhecido como Mídia
Ninja.
Não se pode dizer que esse movimento seja organizado, da mesma forma
como se planeja uma pauta de jornal, mas são fortes as evidências de uma
estratégia comum em suas iniciativas. Há uma urgência na ação de
desconstrução da mídia alternativa que nasce em projetos culturais à
margem da indústria de comunicação e entretenimento – e os agentes dessa
estratégia têm motivos fortes para isso.
Interessante observar que essa operação-desmanche reúne desde os mais
ferozes e ruidosos porta-vozes do reacionarismo político até pensadores
identificados com correntes vanguardistas, o que compõe um mosaico de
discursos que vão dos costumeiros rosnados de blogueiros raivosos até
lucubrações mais ou menos sofisticadas de intelectuais sobre o ambiente
comunicacional contemporâneo.
Entre as mais ferozes dessas manifestações, certamente ganha destaque a
“reportagem” publicada pelaFolha de S. Paulo no domingo (18/8), sob o
título “Fora do Eixo deixou rastro de calotes na origem em Cuiabá” (ver aqui).
O texto se refere a despesas, no total de R$ 60 mil, feitas pelos
organizadores de um festival de música alternativa realizado em 2006 na
capital de Mato Grosso, onde ocorreram os primeiros eventos do Fora do
Eixo.
A reportagem é montada com depoimentos de comerciantes, que dizem estar
tentando cobrar a dívida há três anos, e termina com o chamado “outro
lado”: uma curta explicação da responsável pelas finanças do Fora do
Eixo, reconhecendo o débito e afirmando que todos os credores serão
pagos.
Ora, se a dívida é reconhecida e tem sido negociada, qual a justificativa para tamanho barulho?
Se usasse o mesmo critério para todos os casos semelhantes, o jornal
deveria dar manchetes com a controvérsia sobre uma suposta dívida do
grupo Globo junto à Receita Federal, e que é acompanhada de um escândalo
sobre o sumiço do processo.
Com a mesma disposição, seria de se esperar que a imprensa acompanhasse o
drama de centenas de jornalistas e outros profissionais que lutam há
mais de década por seus direitos trabalhistas, apropriados por
empresários do ramo das comunicações. Verdadeiros estelionatos foram
cometidos contra esses trabalhadores, há evidências de chicanas na
Justiça do Trabalho e denúncias até mesmo de desvio do patrimônio de
fundos de pensão, sem que a imprensa se interesse por essa pauta.
Uma parceria impensável
O alvo central dos ataques é o principal articulador do Fora do Eixo,
Pablo Capilé, que já foi chamado de “imperador de um submundo”, como se
os coletivos de ação cultural fossem um universo clandestino e fora da
lei. O bombardeio inclui denúncias de “trabalho escravo”, “exploração
sexual”, “formação de seita” e outras alegações que não sobrevivem a uma
análise superficial, como as referências deletérias aos editais onde
algumas dessas iniciativas buscam recursos.
Ora, não consta que os ativistas que agora vão a público acusar Capilé
tenham ficado algemados ao pé da mesa nas Casas Fora do Eixo, ou que
alguém tenha sido abduzido para se integrar aos coletivos.
Os editais são resultado de uma inovação produzida pelo ex-ministro da
Cultura Gilberto Gil, que permitiu democratizar parte dos recursos
oficiais de incentivo à produção de música, dança e artes visuais, com
menos burocracia do que a exigida pela Lei Rouanet.
Aliás, há outra pauta mais interessante, que a imprensa ignora, sobre as
fraudes no uso de recursos por grandes produtoras, como a prática de
fazer seguidas captações financeiras com empresas de fachada. A cantora
Claudia Leitte, por exemplo, é acusada de haver obtido perto de R$ 6
milhões em apoio oficial usando esse artifício.
Pode-se alinhar muitos exemplos da falta de proporcionalidade que a
imprensa tem aplicado a erros ou desvios eventualmente cometidos por
algumas das milhares de iniciativas do Fora do Eixo. Mas o mais
interessante é a personalização das acusações, centradas na figura de
Capilé – e que, por essa razão, apontam como alvo final a Mídia Ninja.
O processo de demonização desse fenômeno de comunicação produz até mesmo
uma impensável convergência entre as revistas Veja e Carta Capital.
Carta Capital (ver aqui)
contribui para deformar a imagem do Fora do Eixo e da Mídia Ninja ao
afirmarque ex-integrantes do coletivo cultural têm medo de se manifestar
contra o grupo, como se se tratasse de uma perigosa organização
criminosa. A deixa é aproveitada pelo colunista mais virulento de Veja
para uma de suas diatribes.
Quando os dois extremos do espectro ideológico se tocam, forma-se o
círculo perfeito do conservadorismo que rejeita toda mudança.
Postado há 46 minutes ago por Blog Justiceira de Esquerda
Do Blog Justiceira de Esquerda.
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