Criminalistas criticam “juízes justiceiros”
Por Elton Bezerra
A Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas emitiu na última
sexta-feira (27/9) uma carta aberta em que critica a figura de “juízes
justiceiros”, o “autoritarismo judiciário” e a supressão de instâncias e
recursos processuais.
“Não se admite no nosso sistema democrático a figura de ‘Juízes
Justiceiros’ que, despindo-se da imparcialidade e abdicando da
equidistância das partes, se transformam em algozes dos acusados e,
abertamente, prestigiam a hipertrofia dos expedientes acusatórios, em
detrimento da paridade de armas essencial a dialética forense e que
legitima a persecução penal”, diz o documento.
Para a entidade, a tendência de restringir o alcance do Habeas Corpus é
uma postura “retrógrada e condenável” do Judiciário. “Essa percepção
autoritária e anti-democrática substitui, nos dias de hoje e no cenário
político e institucional, o autoritarismo outrora exercitado por tiranos
e autocratas de plantão, cuja existência já mais não cabe nas
sociedades democráticas dos tempos atuais.”
O Comitê Gestor da entidade é composto pelos advogados Elias Mattar
Assad (Presidente), Amadeu de Almeida Weinmann (RS), Emanuel Messias
Oliveira Cacho (SE), Ivan Pareta (RS), José Roberto Batochio (SP), Luiz
Flávio Borges D’Urso (SP), Osvaldo de Jesus Serrão de Aquino (PA), Paulo
Ramalho (RJ) e Técio Lins e Silva (RJ).
Veja a carta abaixo:
Carta dos Advogados Criminalistas à Nação Brasileira.
(VI Encontro Brasileiro dos Advogados Criminalistas)
Os advogados criminalistas brasileiros, reunidos em 26/27 de Setembro de
2013 na cidade de Curitiba, no seu VI Encontro Nacional, após haverem
muito refletido e realizado intensos debates sobre as liberdades
individuais, as garantias constitucionais da pessoa humana e a
persecução penal no Estado Democrático de Direito, resolveram declarar a
Nação que:
1 — A Constituição da República Federativa do Brasil, concebida em
ambiência plenamente democrática e promulgada por fonte legítima,
estratifica a soberana vontade do povo brasileiro e não deve ser
interpretada de modo a negar seus postulados permanentes nem seus
princípios fundamentais a pretexto de se atenderem anseios ou
reivindicações da ocasião. Tem ela a vocação da permanência e sua
alteração só pode ocorrer por meio de devido processo legal legislativo,
através das emendas constitucionais;
2 — As garantias de índole processual penal positivadas em preceitos e
em princípios da Carta Magna são intocáveis, posto que resultado de
longa e dolorosa elaboração política e institucional, não se mostrando
aceitável — antes é intolerável — sua negação ou modificação por via da
interpretação pretoriana intencionalmente equivocada;
3 — Não se admite no nosso sistema democrático a figura de "Juízes
Justiceiros" que, despindo-se da imparcialidade e abdicando da
equidistância das partes, se transformam em algozes dos acusados e,
abertamente, prestigiam a hipertrofia dos expedientes acusatórios, em
detrimento da paridade de armas essencial a dialética forense e que
legitima a persecução penal;
4 — As deficiências do Poder Judiciária Brasileiro, máxime sua
proverbial morosidade, não são originadas da atividade desenvolvida pela
defesa técnica dos réus, nem pelas oportunidades de impugnação e manejo
de recursos que a lei lhes assegura. Antes, a lentidão se dava às
deficiências estruturais desse Poder, seu peculiar regime de trabalho e à
tenaz resistência que demonstra em ampliar seus tribunais. A criação de
novos órgãos jurisdicionais sempre enfrentou oposição aguerrida da
própria magistratura ao argumento de que "não se deve vulgarizar os
cargos e funções judicantes", como se a justiça existisse para os juízes
e não para o povo. Em um país com duzentos milhões de jurisdicionados,
as cortes de justiça e os juízes singulares são hoje insuficientes para
atender a contida demanda de justiça;
5 — Repudiam, com toda a veemência, o autoritarismo judiciário que, em
postura retrógrada e condenável, quer limitar o alcance e o espectro do
mais democrático, eficaz e ágil instrumento de defesa da liberdade
humana contra os abusos e contra a ilegalidade, que é o Habeas Corpus.
Essa percepção autoritária e anti-democrática substitui, nos dias de
hoje e no cenário político e institucional, o autoritarismo outrora
exercitado por tiranos e autocratas de plantão, cuja existência já mais
não cabe nas sociedades democráticas dos tempos atuais.
6 — Denunciam, pois, essa nova fonte de arbítrio — que não tem origem
política — mas é institucional, qual seja a burocracia estável do estado
brasileiro, especialmente o estado-juiz, que não hesita sacrificar
milenares conquistas libertárias e garantias fundamentais das pessoas no
altar da "conveniência dos serviços" ou da "necessidade da
racionalidade funcional".
7 — Rechaçam, com toda a eloquência, a supressão de instâncias e de
recursos processuais, que foram concebidos como garantia inalienável dos
cidadãos, ao fundamento de que é preciso imprimir velocidade aos
julgamentos ou instituir decisões de uma instância só;
Como foi ontem, é hoje e será sempre, os advogados criminalistas do
Brasil reafirmam seu inquebrantável compromisso com a liberdade humana e
sua permanente hostilidade a qualquer forma de tirania, autoritarismo
ou desrespeito aos direitos da pessoa, especialmente daquela que se vê
acusada da prática de um delito perante um juízo ou tribunal.
Curitiba, em setembro, 27 de 2013.
Elton Bezerra é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 1º de outubro de 2013
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