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Convém prestar atenção no que dizem os pensadores que integram o
círculo mais influente de Marina Silva, a não-candidata que modificou o
quadro da disputa quando aderiu ao PSB de Eduardo Campos
Num momento em que a oposição faz o possível para transformar a economia
no ponto central da campanha presidencial, convém prestar atenção no
que dizem os pensadores que integram o círculo mais influente de Marina
Silva, a não-candidata que modificou o quadro da disputa quando aderiu
ao PSB de Eduardo Campos.
Há opiniões surpreendentes e até constrangedoras pelo conteúdo antipopular e pelo caráter elitista.
Apontado como o mais influente conselheiro econômico de Marina Silva,
autorizado inclusive a dar entrevistas nessa condição, Eduardo Gianetti
da Fonseca elaborou uma formula muito peculiar para executar o programa
de desenvolvimento com sustentabilidade, talvez a meta mais associada a
líder da Rede. Lembrando que o gado brasileiro responde por emissão de
gases que geram grande quantidade de C02, Gianetti afirma que, para
evitar novos desastres ambientais, preocupação central de Marina Silva, “o preço da carne vai ter de ser muito caro, o leite terá de ficar mais caro.”
Essas e outras ideias de Gianetti se encontram no livro “O que os economistas pensam sobre sustentabilidade”
do jornalista Ricardo Arnt. Um dos mais preparados jornalistas
brasileiros que se dedicam ao assunto, diretor da revista Planeta,
Ricardo Arnt procura nesta obra descobrir como quinze economistas tentam
combinar a necessidade de manter e até ampliar o crescimento da
economia com a preservação ambiental. O livro foi publicado em 2010 e
não pode ser visto, obviamente, como a divulgação de receitas de governo
para 2014. Não são palavras de assessores de campanha. Se o assunto é
explosivamente político, o teor é acadêmico.
Mas é claro que as entrevistas contêm valores, princípios e referências
de longa duração, de grande utilidade no momento atual. Entre os
entrevistados, há economistas do PT, como Aloizio Mercadante, e também
identificados com o governo Lula-Dilma, como Luciano Coutinho. Delfim
Netto também foi ouvido. Arnt ouviu vários gurus de Marina Silva e eles
chamam muita atenção, por motivos compreensíveis, em função da agenda
ambiental em sua identidade.
Pela função que lhe foi atribuída na campanha, o lugar de Gianetti é especial.
Falando de um país no qual a maioria da população começou, apenas nos
últimos anos, a experimentar uma melhoria em no padrão de consumo, o que
inclui uma melhoria na qualidade da alimentação, Gianetti fala sem
rodeios. “Comer um bife é uma extravagância do ponto de vista
ambiental.” (página 72).
Outra “extravagância” que o incomoda envolve as viagens de avião.
Referindo-se a um benefício que só muito recentemente perdeu caráter
luxuoso, para se transformar num progresso acessível a muitos
brasileiros, provocando uma irritação nem sempre justificada em cidadãos
que passaram a enfrentar filas nos aeroportos, Gianetti fala: “Pegar um
avião para atravessar o Atlântico é uma extravagância sem tamanho, do
ponto de vista ambiental. Você emite mais dióxido de carbono do que um
indiano durante uma vida.”(página 71).
É curioso ouvir de um dos profetas da globalização a todo preço uma queixa contra as "extravagâncias" das viagens aéreas.
Na prática, podemos até discutir o conteúdo “ambiental” do bife e de uma
viagem paga em muitas prestações por nossa classe média. Podemos ainda
tentar encontrar soluções que preservem a vida no planeta de riscos
desnecessários e mesmo evitar medidas suicidas a longo prazo.
O surpreendente é que, convidado a encontrar uma solução para evitar tal
“extravagância” Gianetti traga de volta medidas clássicas da história
brasileira, aquelas que preservam o consumo dos cidadãos do alto da
pirâmide e penalizam o pessoal da parte debaixo. Diz que a “mudança
decisiva” consiste em elevar o preço de “tudo que tem impacto
ambiental.”
Mostrando uma visão de cima para baixo da economia, longe de qualquer
interferência dos interesses do povo, ele deixa claro que os preços
podem impor uma realidade que a maioria das pessoas não aceitaria de
livre e espontânea vontade. “ Eu não acredito que essa mudança virá
porque as pessoas se tornaram conscientes e querem ajudar as gerações
futuras. (...) Virá por uma mudança de preços relativos: terá de ficar
muito caro fazer certas coisas.”
Ameaçando até ecologistas com menos dinheiro no banco, ele afirma:
“essas pessoas que viajam alegremente, cruzando o Atlântico, e que se
consideram ambientalistas, quando chegar a hora de pagar a conta da
extravagância que estão fazendo, vão chiar. “
Numa postura de quem acha que o arrocho no consumo virá de qualquer
maneira, como uma fatalidade a que estamos todos condenados, ele faz uma
ressalva. “O caminho que estou propondo é sofrido mas preserva a
liberdade.” Em seguida, como se merecesse apoio por ser favorável à
solução menos ruim, o economista afirma: “Se vier de outra maneira, vai
ser impositivo. Será como foi nos países socialistas durante décadas.
Fecha-se a possibilidade.” A formula, então, é conhecida. Ou se faz
sacrifício. Ou é ditadura.
Dentro do raciocínio, faz lógica. Por trás dessa visão de
desenvolvimento e sustentabilidade, encontra-se um ponto de vista
externo ao Brasil e aos brasileiros. É uma noção que vem de fora e
envolve nosso lugar na história da humanidade.
É fácil entender qual é: os países pobres, com seus bilhões de
habitantes, consumistas insaciáveis (Gianetti chega a falar em “corrida
armamentista do consumo”) se tornaram uma ameaça a estabilidade e ao
futuro do planeta. Diz Gianetti:
“Criamos no mundo moderno um sistema que é quase uma regra de
convivência: você busca situações e posses que deem a você algum tipo de
admiração, de respeito, daqueles que estão a seu redor. Contrapartida
disso, quando se espalha e se massifica em escala planetária, na China,
na Índia, no Brasil, é a destruição irreparável da natureza.”
Você reparou: quando chineses, indianos e brasileiros entram no mercado
de consumo, ocorre o apocalipse: “a destruição irreparável da natureza.”
Será mesmo da natureza que o assessor de Marina Silva está falando?
É claro que não. Estamos falando da vida daqueles milhões de cidadãos do
mundo, inclusive brasileiros, que só agora conquistaram algum direito a
melhoria, a um certo bem-estar. Nada revolucionário. Mas um progresso
que não cabia no horizonte de seus pais nem de seus avós.
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