Libra cria novo eixo de forças no petróleo
Associada a duas gigantes privadas e duas estatais, Petrobras cria
oportunidade para intensa troca de tecnologias em torno da exploração do
campo de Libra; vitória do consórcio formado pela estatal brasileira
(40%), a holandesa Shell (20%), a francesa Total (20%) e as chinesas
CNOOC (10%) e CNC (10%) derrota arautos da fracassomania; especulações
contra o modelo de exploração da maior jazida de petróleo do País
gastaram muita tinta e papel da mídia tradicional, mas eis que, na
batida do martelo, a verdade apareceu; exploração do pré-sal, agora,
passa a mudar o mapa de poder entre as gigantes desse setor cercado por
intrigas e interesses.
Brasil 247
– Quem apostou contra, perdeu. E perdeu feio. Logo após o resultado do
leilão do campo de Libra, realizado na tarde desta segunda-feira 21, no
Rio de Janeiro, os manifestantes que pressionavam na entrada do hotel
Windsor Barra começaram a se dispersar, as ações da Petrobras confirmam
uma alta de quase 6% na bolsa de valores, os cofres da União foram
abertos para a entrada de um bônus de R$ 15 bilhões e, especialmente,
uma nova aliança estratégica no universo do petróleo acabara de surgir.
Agora, goste-se ou não, nada será como antes.
Com as privadas Shell, holandesa, e Total, francesa, as chinesas CNOOC e
CNC e a brasileira Petrobras lado a lado no mesmo consórcio vencedor, o
mundo recebeu um sinal de que a correlação de forças na multibilionária
plataforma de intrigas e interesses em torno do petróleo havia acabado
de mudar. Juntas, elas possuem nada menos que 30 bilhões de barris em
reservas comprovadas. Isso as colocaria, com folga, se fossem uma só
empresa, no primeiro lugar do ranking mundial do setor.
Com o resultado do leilão de Libra, de saída perderam as grandes
companhias americanas, que ficaram de fora da maior faixa de exploração
do pré-sal. Logo após a descoberta da espionagem oficial dos EUA sobre a
Petrobras e o governo brasileiro, a Exxon, maior petrolífera do mundo, e
a Chevron, terceira no ranking, anunciaram que estavam voltando para
casa. O mesmo caminho tomou a inglesa BP, que aparece na quarta posição
entre as dominantes no setor.
ESPAÇO PARA ESPECULAÇÃO - Sem três das quatro gigantes, ganharam espaço
na mídia tracional brasileira as primeiras especulações sobre o fracasso
do leilão. Nas últimas semanas, com o crescimento dessa corrente que
combina altas doses de sinistrose com fracassomania, o governo
brasileiro pareceu isolado em avaliações otimistas sobre o resultado
imediato e os reflexos futuros do leilão de Libra.
No dia anterior ao leilão, o ministro Guido Mantega, da Fazenda,
apareceu em entrevista no jornal O Estado de S. Paulo dizendo que o País
esperava por cerca de US$ 180 bilhões em investimentos em torno da
exploração de libra, nos próximos 30 anos. E depois de conhecido o
resultado, a diretora-geral da ANP, Magda Chambriad, anunciou que R$ 300
bilhões em royalties deverão ser pagos nas próximas três décadas. O
dinheiro terá, por força de lei, de ser destinado para os setores da
Educação (75%) e da Saúde (25%).
Estes prognósticos, de antes e depois do leilão, hoje são absolutamente
críveis. Afinal, nenhum consórcio pagaria à União R$ 15 bilhões para ter
direito a explorar uma área na qual não crê encontrar o que espera. E o
que se espera são até 12 bilhões de barris até 2043. Deles, extraídos
os custos operacionais, a União terá direito a 40,1% do valor de venda.
Antes, no entanto, o maior volume de informações na mídia tradicional sobre o assunto tirava o leitor do rumo certo:
"O fato de as empresas multinacionais privadas não participarem do
leilão de Libra indica que, em vez do risco de mercado, há um risco de
governo, pois vai ocorrer muita intervenção do governo brasileiro, disse
ao jornal O Globo, cheio de razão, o ex-presidente da ANP David
Zylbersztajn, também ex-genro do ex-presidente Fernando Henrique
Cardoso.
O pessimismo, como se poderia esperar, ganhou o endosso dos
especialistas de última hora no complexo setor de petróleo. E cresceu
quando se veiculou que haveria apenas um lance entre os consórcios
concorrentes. "E seja o que Deus, os vencedores e a improvisação
brasileira quiserem", registrou a colunista Eliane Cantanhêde, do jornal
Folha de S. Paulo.
No final do ano passado, Eliane se notabilizou por ser a principal
veiculadora de avaliações que o Brasil, dissesse o governo o que
dissesse, estava na iminência de um apagão energético. Como se sabe,
nenhuma luz se apagou apesar das dezenas de artigos dela com a mesma
previsão obscura. Desta feita, Eliane foi mais uma a bater a tecla,
apontada por Zylberstajn, de que apenas estatais participariam do
certame.
Na manhã esta segunda 21, os que jogavam na derrota do modelo desenhado
pela Agência Nacional do Petróleo para o leilão ganharam mais uma
esperança. A espanhola Repsol anunciou sua saída da disputa. O recuo
coincidiu com o avanço dos manifestantes que, entre as areias, os
coqueiros e a exuberância solar da Barra da Tijuca, no Rio, acossavam a
muralha de soldados do exército que protegia o hotel Windsor Barra. Ali,
autoridades brasileiras e representantes das concorrentes se aprontavam
para conhecer, finalmente, depois de meses, a verdade por detrás da
especulação.
E a verdade, para horror dos catastrofistas de todos os naipes, apareceu
rapidamente, cerca de 30 minutos após o início do leilão. Enquanto,
digamos, formadores de opinião como Eliane cravavam, na véspera, que "as
futuras gerações" iriam experimentar as consequências de um certame mal
feito e publicações como o jornal Valor Econômico já anunciavam que a
Petrobras, com certeza, iria recuar no ranking dos exportadores de
petróleo, a vida mostrou que todo aquele gasto de papel e tinta não
imprimira muito mais que bobagens.
SHELL E TOTAL CALARAM FRACASSOMANÍACOS - A presença da Shell, segunda
maior petrolífera do mundo, e da igualmente privada Total, da França,
sétima no ranking, ambas com somados 40% de presença no consórcio
vencedor deixou falando sozinhos todos os que jogavam na tese do perigo
estatal. E, pior, no perigo estatal e vermelho. Afinal, dizia-se entre
fontes da mídia tradicional que as estatais chinesas CNOOC e CNC iriam
fazer um arreglo tal com a Petrobras que, na prática, a companhia
brasileira apenas faria aumentar seu isolamento e seus gastos, uma vez
que precisaria manter uma grande presença no consórcio para fazê-lo
ficar de pé, superior a 50%. O discurso de manutenção da estatização do
setor já estava quase saindo das gavetas empoeiradas da velha imprensa.
Mas que nada. Na batida do martelo, o que se viu foi a Petrobras
participar com 40% do bolo, enquanto as duas chinesas ficaram com 20% e
os demais 40% foram divididos igualmente entre Shell e Total. Essa
fórmula deixa clara, de per si, uma combinação equilibrada entre
gigantes privadas e estatais. Mas não apenas isso. Igualmente sobressai
um novo eixo de entendimento na maior fronteira do petróleo brasileiro.
Em lugar da Chevron responsável pelo vazamento de milhões de litros de
óleo cru no litoral fluminense, como ocorreu há dois anos, tem-se agora a
Shell que tem décadas de presença física no país. Debaixo da pecha de
se beneficiar da espionagem americana, a Exxon deu lugar à Total, vinda
de uma França com crescentes interesses de costurar acordos estratégicos
com o Brasil. E, sim, as chinesas com seu fôlego quase infinito para
investimentos, uma vez que podem acessar ao maior caixa do planeta,
administrado pelo governo comunista de Pequim, ocuparam menos espaço do
que muitos divulgavam.
A partir de agora, essas empresas – e mais a Petrobras – terão de
dividir informações, seus técnicos passarão a se conhecer e muita
tecnologia começará, na prática, a ser trocada. Para vencer as profundas
barreiras de água e rocha até chegar ao pré-sal, de onde poderão
retirar entre 8 e 12 bilhões de barris de petróleo nos próximos 30 anos,
as cinco novas irmãs terão de trabalhar duro em torno dos mesmo
objetivos. Antes que se aposte em crises de relacionamento, vale lembrar
que também há as cartas da parceria e do entendimento para serem
jogadas. E foram estas cartas as baixadas no leilão de Libra.
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