Magistrados analisam as provas durante o julgamento |
Fatos e mitos sobre a teoria do domínio do fato
A teoria não condena quem, sem ela, seria absolvido. Não dispensa a
prova da culpa nem autoriza que se condene com base em presunção
Desde o julgamento do mensalão, não há quem não tenha ouvido falar na
teoria do domínio do fato. Muito do que se diz, contudo, não é
verdadeiro.
Nem os seus adeptos, como alguns ministros do Supremo Tribunal Federal,
nem os que a criticam, como mais recentemente o jurista Ives Gandra da
Silva Martins, parecem dominar o domínio do fato.
Talvez porque falte o óbvio: ler a fonte, em especial os escritos do
maior arquiteto da teoria, o professor alemão Claus Roxin. Mesmo os
técnicos tropeçam em mal-entendidos, de modo que o público merece alguns
esclarecimentos.
Primeiro, um fato. Simplificando (vide nosso estudo "O que é e o que não
é a teoria do domínio do fato", RT 933, 2013, p. 61-92), a teoria do
domínio do fato define quem é o autor de um crime, em contraposição ao
mero partícipe. O autor responde por fato próprio, sua responsabilidade é
originária. Já o partícipe responde por concorrer em fato alheio --sua
responsabilidade é, nesse sentido, derivada ou acessória.
O Código Penal brasileiro (art. 29 caput), embora possa ser
compatibilizado com a teoria do domínio do fato, inclina-se para uma
teoria que nem sequer distingue autor de partícipe: todos que concorrem
para o crime são, simplesmente, autores.
A teoria tradicional diz que fatos alheios também são próprios; emprestar a arma é matar.
Para o domínio do fato, porém, o autor, além de concorrer para o fato,
tem de dominá-lo; quem concorre, sem dominar, nunca é autor. Matar é
atirar; emprestar a arma é participar no ato alheio de matar.
Na prática: a teoria do domínio do fato não condena quem, sem ela, seria
absolvido; ela não facilita, e sim dificulta condenações. Sempre que
for possível condenar alguém com a teoria do domínio do fato, será
possível condenar sem ela.
Passemos aos mitos. A teoria não serve para responsabilizar um sujeito
apenas pela posição que ele ocupa. No direito penal, só se responde por
ação ou por omissão, nunca por mera posição.
O dono da padaria, só pelo fato de sê-lo, não responde pelo estupro
cometido pelo funcionário; ele não domina esse fato --noutras palavras,
ele não estupra, só por ser dono da padaria.
Parece, contudo, que, em alguns dos votos de ministros do STF, o termo
"domínio do fato" foi usado no sentido de uma responsabilidade pela
posição. Isso é errôneo: o chefe deve ser punido, não pela posição de
chefe, mas pela ação de comandar ou pela omissão de impedir; e essa
punição pode ocorrer tanto por fato próprio, isto é, como autor, quanto
por contribuição em fato alheio, como partícipe.
A teoria do domínio do fato não é teoria processual: ela nem dispensa a
prova da culpa, nem autoriza que se condene com base em presunção --ao
contrário do que se lê no voto da ministra Rosa Weber, que fala em uma
"presunção relativa de autoria dos dirigentes", e na entrevista de Ives
Gandra.
Sem provas, ou em dúvida, absolve-se o acusado, com ou sem teoria do domínio do fato.
A teoria tampouco tem como protótipos situações de exceção, como uma
ordem de Hitler. Isso é apenas uma parte da teoria, talvez a mais
famosa, certamente a mais controvertida, mas não a mais importante.
Um derradeiro fato. A teoria do domínio do fato não pode ter sido a
responsável pela condenação deste ou daquele réu. Se foi aplicada
corretamente, ela terá punido menos, e não mais do que com base na
leitura tradicional de nosso Código Penal. Se foi aplicada
incorretamente, as condenações não se fundaram nela, mas em teses que
lhe usurparam o nome.
Não se deve temer a teoria, corretamente compreendida e aplicada, e sim
aquilo que, na melhor das hipóteses, é diletantismo e, na pior,
verdadeiro embuste.
LUIS GRECO, 35, e ALAOR LEITE, 26, doutor e doutorando, respectivamente, em direito pela Universidade de Munique (Alemanha), sob orientação de Claus Roxin, traduziram várias de suas obras para o português
2 comentários:
O que é teoria do dominio esta linguagemdo dominio não consegui entender ? desculpando me da minha falta de conhecimento das tecnicas do direito .
Será que os senhores Gilmar e Barbosa entregues aos braços de MORFEU assim estavam nas aulas sobre a teoria do domínio do fato?!
Se sou flagrado dormindo no local e durante o trabalho sou posto demitido! Parece que ministro do supremo pode...
Mais uma vez MILLÔR: "ou nos locupletemos todos ou se instaure a moralidade". Também quero poder dormir no trabalho!!!
Postar um comentário