sábado, 12 de julho de 2014

Batman no circo

Por Laura Capriglione 

Tem um quê de palhaçada as últimas atitudes do ainda presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa. Em 1º de julho, anunciado por ele mesmo como seu último dia na condição de membro do STF, disse que saía com “a alma leve”. Deu uma entrevista coletiva pontuada por agudos estranhos, silêncios constrangedores e obviedades ululantes, como: “É importante que o brasileiro, ééé, se conscientize da importância, da fundamentalidade, da centralidade da obrigação de todos cumprirem as normas, cumprirem a lei, cumprirem a Constituição...” E disse mais: que saía com “aquilo que é fundamental (...): o cumprimento do dever.”
Mas ele não cumpriu o dever. Alçado ao mais alto posto da Justiça brasileira, Barbosa renunciou 11 anos antes do prazo --pela Constituição, o cargo de ministro do STF é vitalício e só se encerra com a aposentadoria compulsória, aos 70 anos. Barbosa tem 59 anos.
Para piorar, ele ocupava a presidência do STF, cargo desempenhado em sistema de rodízio pelos membros da corte, o que o transformava também em presidente do Conselho Nacional de Justiça. Em novembro, o mandato como presidente se expiraria, mas Barbosa não se deu ao trabalho de programar sua saída para depois disso. Assim, ele se transformou no primeiro e único caso de um presidente do STF a renunciar no exercício do cargo.
Colega de Joaquim Barbosa, o ministro Marco Aurélio Mello desabafou com jornalistas: “Ele poderia realmente demonstrar um apego maior ao oficio judicante permanecendo mais tempo no tribunal (...). Eu acho que quebra a ordem natural das coisas. Eu não me lembro de um outro presidente ter renunciado à própria presidência."
Pois bem: nesta segunda-feira (7/7), Barbosa anunciou que quer ficar mais um pouco antes de formalizar o pedido de aposentadoria. Agora, diz que ficará até agosto. Pausa para as gargalhadas. Será que virá outra entrevista de despedida?
O mais incrível, porém, é que Joaquim Barbosa deu para fazer consultoria informal para Felipão. Em seu perfil no Twitter, “@joaquimboficial”, com 17.700 seguidores, deu a sugestão de escalação para o jogo contra a Alemanha: “LGustavo, Fernandinho, Paulinho, Ramires ou William; Hulk, Fred. Bernard como arma p segundo tempo” (a assessoria de imprensa de Barbosa confirmou que o perfil é dele mesmo).
No dia 4 de julho, data do jogo contra a Colômbia, o presidente do STF já escrevera: “Substituição perigosa! Se houver prorrogação, Henrique será a opção de ataque? Técnicos brasileiros substituem mal e tardiamente. Sempre!” Em outro momento da partida, reclamou: “Por que não fazer mudanças, colocar jogadores com frescor em campo? Com tantos jogadores bons no banco!!!”
É claro que Barbosa pode se dar ao luxo de brincar no Twitter. Mas essas brincadeiras soam como escárnio quando se sabe que a Justiça brasileira segue lerda e injusta: leniente com os ricos e poderosos e vingativa com os pobres e oprimidos. Ainda se prende a mulher que rouba um xampu.
Os palpites de Joaquim Barbosa soam como zombaria, quando se sabe que, nos presídios, internos jogam bola com as cabeças de inimigos. Que as cadeias transformaram-se em escolas e escritórios do crime (veja-se que uma das funções do Conselho Nacional de Justiça é exatamente aprimorar o Sistema Carcerário e a Execução Penal no país).
Pausa para mais risadaria (mas de desespero).
Recentemente, divulgou-se o resultado do Censo da Magistratura, realizado pelo IBGE. Lá apareceu a cor da Justiça brasileira. Apenas 1,4% dos juízes do país são pretos.
Pois bem, um gaiato achou de perguntar ao agora auxiliar técnico do Felipão, ainda presidente do STF, sua opinião sobre a adoção de cotas para preenchimento de cargos de juiz. “Não sei, não sei, não sei e estou de saída. ‘Es ist mir ganz egal’ [em alemão; ‘para mim, tanto faz’]. Não estou nem aí”, disse, fazendo gesto de indiferença com as mãos, segundo reportagem publicada no portal G1. “Não estou nem aí”, repita-se.
Repare-se que nem se pronunciou aqui a palavra M..., que levou Joaquim Barbosa a ser comparado a um batman de asa quebrada. Para mim, muito mais grave é o conjunto da obra --incríveis, sucessivas e escancaradas manifestações de que não está nem aí para a Justiça, para a felicidade de seu povo, e para o país. E ainda pede bis!

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