Para entender a importância desta conexão, três livros são obrigatórios: “O Lado Sujo do Futebol”, “A Privataria Tucana” e “Operação Banqueiro”.
Os bastidores e as relações que abriram as portas da Comary para a CBF TV
Equipe da CBF TV na Granja Comary |
A primeira providência depois de tragédias é abrir a caixa-preta.
No desastre da seleção brasileira, um dos mistérios a serem revelados
tem nome, sobrenome e CNPJ. Possui o dom da onipresença e era o único
corpo estranho que cruzava os limites da intimidade do grupo de
jogadores, com acesso aos momentos de lazer, refeições, quartos e a
momentos sagrados do vestiário. Não bastasse a permanente falta de
privacidade nos treinamentos, do lado de dentro da Granja Comary, a
preparação do Brasil também tinha seu Big Brother. Acertou quem pensou
em CBF TV, a nova menina dos olhos da cúpula da Confederação Brasileira
de Futebol (CBF).
No entanto, a CBF TV não tem CNPJ. Conhecer o Cadastro Nacional de
Pessoa Jurídica por trás da CBF TV é puxar o fio de um novelo. Puxar uma
teia de relações, histórias de padroado, nepotismo, constituições
societárias que conduzem a enredos nebulosos, financiamento de campanhas
políticas e um mundo de sombras, chegando até aos mais profundos
subterrâneos do processo de privatizações que o Brasil viveu. Tudo isso
desfilando pelos corredores da concentração. Durante um Mundial de
futebol. É nesse ambiente que se deu a preparação de uma equipe com a
responsabilidade de disputar uma Copa do Mundo em casa.
Todos os caminhos percorridos para se entender por que uma TV interna
conquistou tamanha importância na entidade levam ao mesmo título, o
terceirizado que encarna a CBF TV: Mowa Sports. Por trás do singelo nome
que provavelmente homenageia a pacata vila na Índia, estão sobrenomes
ligados ao poder da confederação e vasos comunicantes com sociedades
que encarnam enredos de turbulência e um rastro de pegadas nas páginas
judiciais. Tudo muito distante da crença de que “o Brasil que dá certo
está resumido na sigla CBF”.
CBF TV: caminho livre na casa da seleção, em Teresópolis |
Quatro acionistas compõem oficialmente a constituição societária da
Mowa Sports: Gregório Marin Júnior (maior acionista), Alfredo Monteiro
Correia, Flávio de Souza e Guilherme Salvador Santa Rosa. Além dos
sócios citados, a empresa tem um corpo de executivos que mais uma vez
remete à Índia, com suas castas, hereditariedades e endogamias: Marcus
Vinícius Del Nero, filho do atual todo-poderoso da CBF, Marco Polo Del
Nero, é o diretor de arte.
A capacidade de absorver os que têm laços com os corredores da CBF
abrigou também Rafael Carrion Fernandes. Depois de anos na assessoria de
imprensa da CBF, o genro de Wagner Abrahão é agora executivo da Mowa. A
saída de Ricardo Teixeira, o parelha fiel de Abrahão, não diminuiu a
força deste último na CBF. O
dono do Grupo Águia (um dos dois, junto com o grupo Traffic, detentor
do direito de comercializar no Brasil os pacotes de hospitalidade da
Match), de estreitas relações com a CBF, tem o genro na Mowa mesmo na era José Maria Marin.
Já seria uma boa história, suficiente para tentar se entender por que
uma seleção, com o hercúleo desafio de defender seu prestígio em casa,
contra todos os fantasmas de clima de frouxidão na concentração,
descendentes da Casa do Joá, de 1950, e de Weggis, em 2006, tem alguns
terceirizados em suas dependências mais íntimas a serviço da menina dos
olhos, a CBF TV.
Com duas dúzias de pessoas, um elenco maior do que o próprio time da
seleção brasileira, a Mowa Sports, representando a CBF TV, adentrava os
ambientes de uma concentração. Enquanto o time tinha poucos e sofríveis
treinamentos, a “Orquestra Mowa” tocava afinada nas dependências
restritas aos atletas da Granja Comary. Uma orquestra de terceirizados
da CBF maior do que grande parte das equipes de televisão do mundo
inteiro ali presentes. Adentrando recantos da concentração onde nas
demais seleções reinava a privacidade.
Mas é com o cruzamento dos dados dos sócios da Mowa Sports que a teia
se amplia e conduz a trama para bem longe do futebol. E pode-se
percorrer os caminhos para entender a influência e a força da empresa
portadora da chave que abre as portas dos recantos mais íntimos da
seleção brasileira.
Gregório Marin Júnior tem participação em diversas outras empresas.
Algumas delas em comum com outros sócios da Mowa. Mas é em uma delas que
a participação do majoritário da Mowa chama atenção e fornece pistas
para que se alguns caminhos fiquem mais iluminados.
Ao lado do pai, Gregório Marin Preciado e da mãe, Vivência Talan Marin,
Gregório Marin Júnior foi acionista da Gremafer Comercial e
Importadora Ltda, atualmente sob bloqueio judicial. Vivência é
prima-irmã, por parte de mãe, do ex-governador José Serra (Gregório
Marin Preciado e José Serra tinham em sociedade um terreno no Morumbi,
de 828 metros quadrados). Em 1993, a Gremafer contraiu empréstimo de
valor equivalente a US$ 2,5 milhões junto ao Banco do Brasil, em uma
agência de São Bernardo do Campo. O empréstimo socorria também a Aceto
Vidros e Cristais, de Gregório Marin Preciado.
Já no ano seguinte, a Gremafer, de Gregório Marin Júnior e de seu pai,
Gregório Marin Preciado, não consegue honrar o empréstimo do Banco do
Brasil.
Imóveis são dados como garantia. Mesmo em dívida, as empresas dos
Gregórios pai e filho doaram R$ 87.442,82 para a campanha de José Serra
ao senado, em 1994. No fim de 1994, ano em que Fernando Henrique
Cardoso vence o pleito presidencial, pedem dois meses para a
renegociação. Eleito senador, Serra vai para o Ministério do
Planejamento e Ricardo Sérgio de Oliveira, que tinha sido o arrecadador
das campanhas de Serra e FHC, vai para a diretoria internacional do
Banco do Brasil. Antes disso, o BB decide arrestar imóveis dos
devedores. No intervalo entre a decisão do BB e do bater de martelo da
justiça, o terreno é vendido por José Serra e Gregório Marin Preciado.
Cópia do documento que mostra a sociedade da Gremafer |
Uma série de ações de rolagem, novos prazos, reduções e novos créditos
se seguem em relação ao empréstimo inicial. Todos os movimentos, aqui
precariamente resumidos, estão descritos detalhadamente em ação
cautelar de improbidade dos Procuradores da República, Alexandre
Camanho de Assis e Luiz Francisco Fernandes de Souza, em 17 de setembro
de 2002.
Os vínculos entre Preciado e Ricardo Sérgio de Oliveira reaparecem ao
público na CPMI do Banestado, onde documento do 16° Ofício de Notas de
SP mostra pagamento mensal de R$ 87.700,00 para o procurador de Ricardo
Sérgio. A CPMI mostra depósitos de Preciado para Ricardo Sérgio em
empresas offshores, valendo-se de doleiro de Barcelona. Vinculada a
Ricardo Sérgio, a Franton Interprises recebe mais de US$ 1,2 milhão em
depósitos, grande parte oriunda de Gregório Marin Preciado, como consta
no relatório da CPMI.
As linhas em comum da Mowa Sports e da Gremafer se cruzam antes mesmo
da admissão de Gregório Marin Júnior no quadro societário da Mowa
Sports. Já em 16 de fevereiro de 2007, Ismael Pereira de Moraes é
admitido entre os acionistas da Mowa Sports com participação de R$
67.000,00. Ismael Pereira de Moraes foi contador da Gremafer durante 30
anos. Já entra na Mowa como o maior acionista, e o capital do outro
sócio, Alfredo Monteiro, é redistribuído, ficando menor do que o de
Ismael Pereira de Moraes. O mesmo Ismael Pereira de Moraes que também
havia constado como um dos sócios da Gremafer. Em 28 de janeiro de 2010,
Ismael retira-se do quadro da Mowa com seus R$ 67.000,00. A saída de
Ismael, contador de Gregório Marin Preciado, ocorre na mesma data da
entrada de Gregório Marin Júnior, com R$ 67.000,00, assumindo também a
condição de maior acionista.
Cópia do documento mostra entradas de Ismael P. de Moraes e Gregório Marin Junior como sócios |
Gregório Marin Preciado, parceiro do maior acionista da Mowa Sports,
seu filho Gregório Marin Júnior, na Gremafer, foi um dos protagonistas
de todo o processo de privatização nos anos 1990. Muito além do vínculo
familiar com José Serra. Um protagonista que se movia nas sombras e
cujo papel até agora segue sem maiores holofotes, apesar de sua
importância. Espanhol de nascimento e naturalizado brasileiro, Gregório
Marin Preciado chegou Ao Brasil em 22 de abril de 1952, pelo porto de
Santos. A dureza dos primeiros dias na Vila Formosa e no Brás ficaria
para trás anos depois, como se viu acima. E mais ainda quando os
espanhóis começam a ter papeis importantes nas privatizações. Sem cargo
formal, representou a Iberdrola, que arrematou empresas nos setores de
energia, através de um consórcio, onde estava também Ricardo Sérgio de
Oliveira.
No livro “Operação Banqueiro”, de Rubens Valente, Preciado é citado por
Carla Cico, braço direito de Daniel Dantas, como elo importante da
“Conexão Espanhola”, que teria agido nos bastidores e junto a
funcionários do governo em favor da telefonia espanhola no processo. A
ampla documentação obtida pelo livro mostra Gregório Marin Preciado, em
uma das linhas de investigação privada comandada pela Kroll Associates,
como relacionado com o processo de privatização da telefonia.
Lançada em 2003 como marca comercial da Telefônica, da Espanha, a Vivo
se tornaria em 2005 patrocinadora da seleção brasileira. Em 2007 e
2010, ocorrem as alterações de sócios, titulares e diretores, que levam
para a Mowa nomes em comum (Ismael Pereira e depois Gregório Marin
Júnior) com a empresa de Gregório Marin Preciado. Em 2010, já com
numerosa equipe, segue produzindo conteúdo na seleção para a Vivo. E
agora em 2014, a Mowa, que também tem como cliente a Vivo e mais três
patrocinadores em comum com a CBF, além da equipe na concentração da
seleção, passou a produzir conteúdo para a CBF TV.
Alfredo Correia, um dos sócios da Mowa, questionado pela reportagem,
negou que Gregório Marin Preciado tenha tido alguma participação na
intermediação de contratos entre Mowa, patrocinador e CBF. Na nova sede
da entidade, a CBF TV terá um suntuoso estúdio.
Questionada pela reportagem, a Mowa afirma que a relação é anterior.
“Somos fornecedores da Vivo há mais de 12 anos. Em 2005 vislumbramos o
uso de plataformas móveis/digitais em esporte e criamos a primeira ação
de equipe jornalística móbile, quando criamos o Repórter Vivo, que
segue ativo até hoje”.
Numa demonstração explícita da velha máxima de que o capital não tem
pátria (tampouco ideologia), a Mowa, mesmo tendo seu sócio majoritário
com laços profundos com o tucanato na política nacional, prestou serviço
para o Palácio do Planalto já no mandato da presidenta Dilma Rousseff.
Sem licitação, em contrato assinado com a Presidência da República em
25 de junho de 2012, Gregório Marin Júnior representou a Mowa para
fornecer “serviço de envio de SMS”. A reportagem enviou questões sobre
as razões da escolha sem licitação para a Secretaria Geral da
Presidência, que não respondeu.
Cópia de parte do contrato entre a Presidência da República e a Mowa |
Indagada sobre algum tipo de parentesco entre Gregório Marin Júnior,
sócio majoritário da Mowa, e o presidente da CBF, José Maria Marin, a
Mowa negou e disse ser apenas uma coincidência de nomes.
A CBF não respondeu a reportagem.
Lúcio de Castro, do Rio de Janeiro (RJ), especial para o ESPN
PS do Viomundo: José Serra e
Marco Polo Del Nero são conselheiros do Palmeiras. Del Nero, atual
vice-presidente da CBF, assume a presidência da entidade em 2015. A CBF
é quem banca financeiramente a CBF TV.
No Viomundo
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