Aécio deveria mostrar outras
filiações, as históricas. Uma que importa saber, por exemplo, é quem é
Brics e quem é Wall Street na disputa de outubro.
Aquela coisa de ‘elevar’ o leitor ao nível do tanquinho de areia do
ensino infantil. Aécio é filho de; pai de; tio de; neto de ... (a foto
de Tancredo na parede só falta sorrir, como nos desenhos animados).
A vida é bela; a família mais bela de todas garante que o candidato tucano é um cara bacana...
A ideia, dizem os assessores, é combater o estereotipo do playboy desregrado, que pelo visto calou fundo nas pesquisas.
Aécio deveria mostrar outras filiações, as históricas, aquelas que
decorrem de opções feitas na vida pública, não as herdadas na corrente
sanguínea.
As eleições brasileiras de outubro — é forçoso reiterar, como tem feito
Carta Maior — não podem ser desperdiçadas em um fabulação publicitária
feita de personagens simpáticos e imagens cativantes.
As eleições de outubro dialogam com um poder nada simpático.
Apesar da presença invisível nos palanques, como tem sido dito neste
espaço, ele detém a singular capacidade de asfixiar o debate nacional,
ademais de condicionar a agenda dos partidos e governantes, antes e à
revelia do escrutínio das urnas.
A fonte desse poder invisível remete à hegemonia das finanças globalizadas em nosso tempo.
Sua supremacia reduz de forma importante o repertório das iniciativas políticas nacionais.
Não é uma jabuticaba brasileira.
O que vale para o Brasil não é diferente do que ocorre na Argentina, mas também na França, ou na Nigéria.
O ingrediente decisivo da luta pelo desenvolvimento, a soberania
reordenada pelo voto democrático, e o poder indutor do Estado, operam
hoje por instrumentos sob forte turbulência e restrição.
Não há novidade nisso, claro.
Nas transições de ciclo de desenvolvimento, porém, quando decisões
estratégicas devem ser tomadas para desobstruir o passo seguinte da
história, tais restrições assumem contornos de uma asfixia quase
imobilizante.
É o caso da encruzilhada brasileira atual.
Mudanças de fundo são requeridas para inaugurar um ciclo de investimentos.
Sem avanços na infraestrutura e na produtividade, estreita-se a margem
de manobra para consolidar um novo estirão na redistribuição da renda,
na redução da desigualdade e na universalização de serviços de
qualidade.
As opções são duas.
Entregar a rapadura de vez aos mercados, deixar que eles resolvam os
impasses na base do arrocho; ou tentar erguer linhas de passagem de um
novo ciclo convergente da riqueza.
A segunda escolha requer a força e o consentimento de uma ordenação pactuada da sociedade e da economia.
Estamos, portanto, diante de uma encruzilhada da democracia.
A ruptura dessa asfixia no ambiente global acaba de registrar um capítulo importante nesta 3ª feira (15-07) .
Um novo banco de desenvolvimento e um fundo de reservas alternativos ao
Banco Mundial e ao FMI foram criados na reunião de Cúpula dos líderes
dos Brics, realizada em Fortaleza, no Ceará.
A mídia conservadora fez pouco diante desse ensaio de Bretton Woods
cearense e preferiu afogar a atenção dos seus leitores naquilo que é
secundário.
A saber: o valor dos fundos iniciais e a ocupação de cargos no novo
banco ,em que o Brasil terá a estratégica diretoria encarregada de
planos de investimento e expansão.
A Índia inaugurará a presidência rotativa e a China sediará a instituição em Xangai.
O desdém em relação aos valores iniciais envolvidos (US$ 100 bi de
fundo de reservas e um funding de US$ 50 bilhões, no caso do banco de
desenvolvimento) precifica a ignorância ou a má fé, ou as duas coisas
juntas, na abordagem obtusa da emissão conservadora.
O que está em jogo no xadrez do século XXI é a construção de novas
estruturas de poder global que rompam com os frangalhos resultantes do
colapso de Bretton Woods.
Hoje, o FMI e o Banco Mundial restam como um zumbi da arquitetura
disciplinadora do capitalismo imaginada para a ordem internacional em
1944.
Inteiramente prestativos aos desígnios dos mercados desregulados — que
nasceram para disciplinar — funcionam, a exemplo das agencias de risco,
como alavancas pró-cíclicas do vale tudo especulativo.
Na fase de valorização irracional dos ativos e de fastígio do
crédito, certificam a higidez das estripulias de Wall Street — como
nas vésperas do colapso de 2008; em seguida, acentuam a espiral
contracionista, chancelando políticas de arrocho quando as bolhas
especulativas explodem.
A reunião dos Brics no Brasil moveu as placas tectônicas dessa ruína cristalizada no xadrez mundial.
Os valores envolvidos ganham dimensões superlativas quando associados à contrapartida política do que está em jogo.
Objetivamente, e de forma consistente, a decisão dos Brics afronta a subordinação passiva das nações à desordem neoliberal.
Países que reúnem um PIB da ordem de US$ 16 trilhões, superior ao da
Zona do Euro, e uma população conjunta de 3 bilhões de pessoas,
informaram ao mundo que vão construir instituições que colidem com a
lógica de Wall Street e de seus braços institucionais.
Convenhamos, não é uma notícia agradável para quem defende que o
Brasil, por exemplo, dissolva a sua soberania, seu poder de consumo, o
pré-sal e a sua industrialização — para citar alguns de uma longa série
de itens — no detergente global dos mercados desregulados.
Carta Maior considera que a iniciativa histórica dos Brics amplia o
espaço político para um debate qualificado de sua contrapartida no plano
regional e nacional.
Não por acaso os líderes dos Brics se reuniram com os da Unasul, em Brasília, nesta 4ª feira.
A filiação que importa saber e que Aécio não registrou em sua fábula
familiar, portanto, é quem é Brics, quem é Unasul e quem é Wall Street
na política nacional?
Claramente, a disputa presidencial de outubro opõe dois projetos de
futuro que guardam correspondência com a clivagem evidenciada nas
decisões da cúpula reunida em Fortaleza.
Traduzir esse debate em textos que abordem a dimensão internacional e
nacional da nova ordem em construção é o objetivo do seminário virtual,
‘O Poder da Internacional Financeira’, que Carta Maior está promovendo
em sua página.
Para ele estão sendo convidados intelectuais de todo o Brasil e do exterior (leia também ‘O candidato oculto’).
Saul Leblon
No Carta Maior
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