Carlos Castilho, Observatório da Imprensa
Este comportamento repetitivo e oportunista é que está minando a credibilidade da imprensa justo
no momento em que ela mais precisa do apoio do público para superar os
problemas financeiros gerados pela transição do modelo de negócios para a
era digital."
'A imprensa parece ter-se dado conta da inevitabilidade da reeleição da
presidente Dilma Rousseff e começou a mudar o tratamento dado à
candidata do Partido dos Trabalhadores. Como aconteceu várias vezes no
passado, principalmente na eleição e reeleição do ex-presidente Lula, a
imprensa primeiro ecoou todos os temores e prognósticos pessimistas de políticos contrários ao PT, mas, depois da eleição do ex-líder metalúrgico, as manchetes mudaram radicalmente de tom.
É uma estratégia usual de primeiro tentar evitar a vitória de
concepções ideológicas contrárias aos interesses do cartel de empresas
jornalísticas, mas quando isso não dá certo a rotina é mudar de estratégia porque,
afinal de contas, o governo ainda é um dos principais anunciantes e
contar com a publicidade oficial pode significar um sopro de vida para
muitos jornais e emissoras de rádio ou TV, principalmente nos tempos
bicudos que a imprensa vive atualmente.
A mudança de estratégia da imprensa é o resultado do jogo por
influência política e seu inevitável corolário financeiro. Neste jogo a manipulação de percepções é a principal arma.
Antes da Copa do Mundo, a imprensa se esmerou em criar no público
brasileiro a ideia de que o torneio ia ser um fracasso porque o governo
como um todo era ineficiente e corrupto.
É importante ter sempre em vista que o que a imprensa diz não é a
expressão pura e acabada da verdade, mas sim a percepção daquilo que ela
acha ser a verdade. A ciência já se cansou de provar que não existem verdades absolutas e sim percepções, ou formas de ver a verdade segundo a história, contexto, cultura e interesses da cada pessoa ou organização.
A estratégia de inculcar no leitor, ouvinte, telespectador e internauta a ideia de que a Copa não ia dar certo por culpa do governo, sempre foi intrinsecamente equivocada.
Quem parasse um minuto para pensar, perceberia que a FIFA, que investiu
bilhões de dólares no negócio do Mundial, não iria aceitar passivamente
que o evento virasse um fiasco só porque os partidos de oposição no
Brasil queriam faturar eleitoralmente uma humilhação do partido no
poder.
Por erro de avaliação política, a imprensa comprou uma estratégia
errada por puro interesse político-financeiro. Ela percebeu que havia dado um tiro no pé depois
que a vaia ensaiada contra a presidente no jogo de abertura da Copa
gerou mais críticas do que aplausos na opinião pública. Foi quando
começou a ficar claro que os torcedores nacionais e estrangeiros
transformaram o negócio da Copa numa grande festa. As esperadas
manifestações de protesto foram relegadas ao esquecimento e ao ridículo
justamente porque também estavam enquadradas na estratégia do quanto
pior melhor.
O tratamento dado pela imprensa aos resultados da pesquisa do Datafolha
divulgada na quarta-feira (2/7) já incorporou a fase “assopra”, depois
das ”mordidas” do noticiário no governo Dilma. O apoio popular à Copa
subiu, mesmo depois de todas as denúncias de superfaturamento e
descontrole financeiro nas obras. A rejeição às vaias à presidente
atingiu 76% dos eleitores consultados pelo Datafolha e os colunistas
políticos globais passaram a afirmar candidamente que a “Copa ajudou
Dilma”.
A imprensa tem todo o direito de mudar de estratégia em relação
ao governo. Não há nada de errado nisso. O questionamento ético está no
fato de ela adotar num novo posicionamento sem dizer claramente ao
público por que mudou de posição. Afinal, muitos leitores, ouvintes,
telespectadores e internautas ainda consideram a imprensa como uma
referência em questões políticas, econômicas, sociais e culturais. Não
justificar uma mudança de postura, procurar disfarçá-la ou ocultá-la
para evitar explicações, é o mesmo que enganar quem ainda acredita na imprensa.
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