A Folha de S. Paulo acaba de descobrir que o racionamento de
água que ocorre em São Paulo é racionamento mesmo, e não efeito
colateral de obras de manutenção da rede. Essa constatação faz a
manchete do jornal nesta sexta-feira (1/8): “Ação de SP na crise da água
equivale a racionamento”.
No texto que se segue, o leitor fica sabendo que o racionamento que
sofre na prática há um mês também é racionamento na teoria. O diário
paulista só percebeu que o racionamento de fato é também um racionamento
em termos técnicos quando alguns bares da Vila Madalena, região da
boemia frequentada por jornalistas, tiveram que fechar por falta de
água.
A nova interpretação da Folha para a crise de abastecimento
chama atenção porque acontece ao mesmo tempo em que o jornal anuncia uma
campanha para esclarecer aos leitores seu posicionamento diante de
alguns temas tidos como importantes: casamento gay, pena de morte, cotas
raciais, política econômica, aborto e legalização de drogas. A direção
do jornal quer mostrar que, embora tenha posições claras sobre os
assuntos, abre espaço para opiniões divergentes.
Essa mudança responde em parte a especulações feitas por protagonistas das redes sociais sobre a persistência da Folha de S. Paulo
em pressionar o senador Aécio Neves (PSDB), candidato a presidente da
República, a dar uma explicação para o caso do aeroporto privado feito
em Minas Gerais com dinheiro público quando ele era governador do
Estado.
Foi a Folha que revelou essa história, obrigando os outros
jornais a seguirem a pauta, e o veículo que mais mantém o assunto em
evidência. Com a insistência do jornal paulista, Aécio Neves finalmente
admitiu que usou o aeroporto “algumas vezes” e, nesta quarta-feira,
acusa a Agência Nacional de Aviação Civil de atrasar a homologação do
campo de pouso, o que pode ter feito com que ele, “inadvertidamente”,
usasse as instalações irregulares.
No mesmo dia, em editorial, a Folha exige mais explicações,
acusa o ex-governador de haver privilegiado a cidade onde sua família
possui terras, observa que a obra “no mínimo, é conveniente para ele e
seus parentes” e conclui que a questão “não está mais que esclarecida”,
como quis Aécio.
O Brasil da imprensa vai mal
Alguns leitores escrevem comentários dizendo que o jornal paulista se
descola de seus concorrentes, que poupam quanto podem o candidato
tucano. No entanto, é mais fácil explicar a aparente guinada da Folha
em dois aspectos: o jornal sempre foi muito próximo do ex-governador
José Serra, que, embora correligionário, não tem qualquer entusiasmo
pela candidatura de Aécio Neves; a Folha, como os outros diários
de circulação nacional, segue demonstrando seu partidarismo em favor
do PSDB em outros aspectos, principalmente no que se refere aos
problemas de São Paulo.
Se não fosse pela simples observação crítica que o leitor mais atento
costuma fazer, o partidarismo dos principais diários do País vem sendo
registrado por um grupo de pesquisadores da UERJ – Universidade do
Estado do Rio de Janeiro. Suas análises da valência das informações
destacadas pela imprensa mostram uma dicotomia presente nas escolhas
editoriais, que reforçam aspectos negativos ou positivos dos
acontecimentos conforme os protagonistas.
O Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) da UERJ demonstra, com seu “manchetômetro” (ver aqui),
como os jornais blindaram Fernando Henrique Cardoso e expuseram Lula
da Silva no passado recente, como tratam desigualmente o governo
federal e o governo paulista, como as notícias sobre Aécio Neves são
mais equilibradas do que o material referente à presidente Dilma
Rousseff, bombardeada na proporção de 182 informes negativos para
apenas 15 positivos, por exemplo, e como esse bombardeio se intensifica
no período eleitoral.
Além disso, o noticiário econômico apresenta um resultado consolidado
de mais de 90% de notícias negativas, numa linguagem dicotômica e com
poucas nuances, “interpretando os fatos e dados econômicos como sinais
de uma crise, ou em andamento, ou prestes a acontecer”.
Os gráficos da cobertura agregada dos três jornais, por exemplo,
mostram que a economia teve em julho 97,6% de notícias negativas contra
apenas 2,4% de notícias positivas.
Se o Brasil fosse o que mostra a imprensa, estaríamos todos mortos de fome.
Essa é uma das evidências de que a imprensa hegemônica rompeu com o jornalismo.
Luciano Martins Costa
No OI
Nenhum comentário:
Postar um comentário