Aloysio Biondi, um dos mais importantes jornalistas econômicos do Brasil, com os filhos Pedro e Antonio
por Luiz Carlos Azenha
O Brasil precisa de mais Estado e menos mercado — ou de mais mercado e menos Estado? Para Antonio Biondi, jornalista, filho de Aloysio Biondi, esta é a decisão que os eleitores brasileiros tomarão ao escolher o próximo ocupante do Palácio do Planalto.
Para ele, foi o Estado um pouco mais atuante, desde a eleição de Lula, em 2002, que tornou possível as melhorias sociais que o Brasil experimentou nos últimos 12 anos.
Conversamos com Antonio por conta do relançamento, previsto para o próximo dia 15 de setembro, na sede do Sindicato dos Engenheiros de São Paulo, de uma obra seminal para quem pretende conhecer a história recente da economia brasileira: O Brasil Privatizado, que vendeu cerca de 140 mil exemplares depois de chegar às livrarias, há 15 anos.
A apresentação do livro é de Jânio de Freitas, que estará presente ao lado do economista Marcio Pochmann, presidente da Fundação Perseu Abramo.
“Como uma associação de interesses inconfessáveis desfechou o maior assalto da história ao patrimônio nacional”, é o subtítulo que resume o livro.
Para Antonio Biondi, um dos filhos do autor Aloysio, já falecido, a nova edição da obra é fundamental num momento em que uma jovem geração de eleitores — parte da qual foi às ruas pedir mudanças no Brasil, em 2013 — ajudará a decidir os rumos do país “com uma posição muito mais crítica ao atual governo do que em relação às alternativas que se colocam”.
Ele está falando, obviamente, do tucano Aécio Neves, herdeiro de Fernando Henrique Cardoso — a quem Aécio elogia, mas sem mostrar na propaganda eleitoral — e de Marina Silva, que foi do PV, fracassou ao tentar criar seu próprio partido e herdou a vaga de candidata depois da trágica morte de Eduardo Campos, do PSB. Agora socialista, Marina apresentou um programa econômico ainda mais conservador que o de Aécio, com proposta de autonomia institucional do Banco Central e um freio na exploração do pré-sal, entendido como opção de quem vê a era do petróleo — e a destruição ambiental causada por ele — a caminho do fim.
O jornalista vê com preocupação esta sinalização da candidata do PSB, uma vez que os investimentos na exploração do pré-sal já foram feitos e seria temerário reduzir o ritmo de produção quando o Brasil ainda é importador de petróleo, podendo se tornar a médio prazo um grande exportador.
Antonio acredita que existe uma contradição clara entre as propostas de Marina e os desejos dos manifestantes que foram às ruas, em 2013, muitos dos quais pretendem votar nela. É que eles pediram saúde, educação e outros benefícios sociais públicos, que na opinião do jornalista exigiriam um Estado mais atuante. Justamente na contramão de um Banco Central autônomo, que dará mais poder aos banqueiros na definição da taxa de juros e nos rumos da macroeconomia, favorecendo o mercado.
Em outras palavras, afirma o filho de Biondi, se a intenção de Marina é baixar a inflação, o BC adotará medidas que podem ser incompatíveis com suas propostas eleitorais — juros mais altos em geral resultam em desemprego ou arrocho salarial.
Antonio prevê, portanto, choques institucionais entre um governo que tentará colocar em prática seus projetos e um BC autônomo focado exclusivamente no controle da inflação.
Além disso, ele opina que o câmbio livre numa conjuntura destas será um paraíso para os especuladores.
Boa parte de nossa conversa, aliás, foi sobre especuladores.
“O mercado quer inventar motivos para ganhar dinheiro em cima do que ele puder”, afirma, para justificar as recentes variações nos valores de empresas estatais atribuídas exclusivamente ao resultado de pesquisas eleitorais.
Exemplo concreto? A incrível valorização das ações da Petrobras, que em cerca de 52 semanas saltaram de R$ 11,81 até chegar a R$ 23,35 na última sexta-feira. Para Antonio, resultado de forte ação de especuladores.
Para reforçar seu arumento, deixa no ar uma pergunta: qual foi o sentido das ações da Petrobras continuarem subindo mesmo depois que a candidata Marina disse que o pré-sal não será prioritário num eventual governo dela?
Perguntei ao filho de Aloysio Biondi se ele acredita que, eleitos Marina ou Aécio, as privatizações serão retomadas. Os riscos maiores de isso acontecer, diz, são em empresas periféricas, ligadas às estatais restantes, como a seguradora e a empresa de cartões de crédito do Banco do Brasil, a Cielo.
Uma espécie de fatiamento, como se tentou fazer com a Petrobras, que o governo de Fernando Henrique Cardoso tentou mudar de nome para Petrobrax antes de vender.
Antonio Biondi lembra que estão de volta, nesta campanha presidencial, economistas ligados ao pensamento mais ortodoxo, como Armínio Fraga, André Lara Rezende e Eduardo Gianetti da Fonseca — assessores de Aécio e Marina.
Lara Rezende, aliás, hoje ligado à candidata do PSB, foi o formulador do desastroso confisco da poupança instituído em 1990 pelo governo de Fernando Collor, ao qual foi atribuído a redução da popularidade que eventualmente provocou a renúncia do hoje senador.
Os três citados economistas citados acima — Armínio, Lara Rezende e Gianetti — defendem menos Estado e mais mercado.
Porém, o que O Brasil Privatizado demonstra, em números, é que esta foi uma fórmula desastrosa: resultou numa imensa perda de patrimônio público, sem que houvesse as melhorias prometidas à época em qualidade de vida da população.
Empresas construídas com dinheiro dos contribuintes foram praticamente doadas.
O caso mais escabroso foi a da mineradora Vale do Rio Doce: “Vendida por 3 bilhões em 1997, ela teve uma receita de R$ 104,25 bilhões em 2013 (alta de 11,5% em relação a 2012)”, informa Antonio.
Sobre o setor de telecomunicações, o jornalista diz que seu pai “sempre alertou sobre o perigo que a privatização de empresas como a Telesp, Telerj e Telebras representariam para o país, especialmente na questão da remessa de lucros e da sua importância estratégica. Pois bem, hoje essas empresas obtém polpudos empréstimos do BNDES, e remetem bilhões de dólares para suas matrizes no exterior, fragilizando ainda mais nossa balança comercial, conta corrente e balanço de pagamentos. As empresas privatizadas integram alguns dos maiores conglomerados de telecomunicações do mundo, gerando lucros e receitas crescentes para empresários como Carlos Slim, um dos homens mais ricos do planeta — dono da América Móvil (controladora da Claro) e com participações na Embratel e na NET”.
Antonio Biondi fala de outras promessas não cumpridas pelos tucanos de FHC: “A perspectiva de concorrência no setor se mostrou outra falácia, com uma crescente concentração nas principais empresas — que se revezam nas perspectivas de fusões e aquisições. Se ontem a Telefônica queria comprar a TIM, hoje a Vivo já incorporou a Telefônica, e quer comprar a GVT. Aliás, havia até uma proposta de ‘empresas-espelho’, que desapareceram tal qual miragem. Ou alguém sabe por onde anda a Intelig e o código 23?!”.
O jornalista lamenta o desmanche quase completo da Telebras: “Por fim, diante da falta de interesse de essas empresas fazerem investimentos estratégicos para o Brasil (como uma rede de fibras óticas que atenda às instituições públicas, ou uma banda larga que chegue aos rincões do país), foi necessário ao governo federal reativar a Telebras. Que, diga-se de passagem, nunca foi liquidada nem pelos tucanos, pois seus funcionários seguiram prestando serviços indispensáveis para a Anatel e para o Ministério das Comunicações. E que também não cumpriu com tudo que se espera e se prometeu em relação a ela. A Telebras ainda não chegou onde pode e onde queremos, pois isso contraria muitos interesses. Um doce para quem adivinhar de onde partem as pressões e onde elas chegam”.
O filho de Aloysio Biondi faz um alerta sobre o maior ativo dos brasileiros, a Petrobras, fustigada hoje pelos conservadores nos jornais, na Bolsa e no Congresso: “O Biondi dizia, mais ou menos com essas palavras, que se dependesse dos liberais, a Petrobras ainda estaria pesquisando petróleo com lampião e vara de bambu. E estaria longe, muito longe de encontrar e explorar o petróleo da camada Pré-Sal. Creio que essa ironia sirva também para quem diz que o Brasil nunca teria chegado a essa miríade de celulares utilizados pelo povo brasileiro, caso não tivesse privatizado o sistema Telebras. Eu uso o exemplo da Petrobras — e minha convicção na capacidade do país e do seu povo — para dizer que poderíamos e podemos chegar onde quisermos, seja em relação aos celulares, seja em relação à geração de energia e à exploração do petróleo. Agora, se eles não acreditam na nossa capacidade, já é uma questão que cabe somente a eles responder”.
O “eles”, aqui, inclui Aécio Neves e Marina Silva: “Aliás, para quem afirma que pretende suspender, mesmo que temporária e preventivamente, os investimentos no Pré-Sal, cabe a recordação de que os maiores desastres ambientais recentes da Petrobras se deram justamente por falta de investimentos, e não o contrário”.
Cliquem abaixo para ouvir o áudio completo da entrevista, que traz um dado estarrecedor. Ao concluir sua obra, Aloysio Biondi calculou quanto o Tesouro brasileiro ganhou efetivamente com as privatizações, descontando os investimentos públicos feitos para “preparar” as empresas antes da venda (foram R$ 21 bilhões em dois anos e meio zó na Telebras). Biondi concluiu que os leilões da Vale, das empresas de telefonia e de outros setores deram prejuízo ao Brasil de R$ 2,4 bilhões, sem computar a perda da capacidade de desenvolver tecnologia nacional em setores estratégicos.
Mas o patrimônio público brasileiro, que virou fumaça, engordou e continua engordando os bolsos e cofres de muitas pessoas e empresas, cerca de duas décadas depois da onda de privatizações.
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