Por José Carlos de Assis*
Vocês perderam a eleição. Protagonizaram
a campanha mais sórdida jamais realizada por órgãos de imprensa em toda
a história da República, e assim mesmo perderam. Tentaram envenenar a
opinião pública brasileira contra uma candidatura, distorceram fatos,
inventaram outros, e orquestraram no mesmo diapasão uma opinião seletiva
sobre inquéritos policiais em andamento, atropelando todos os
protocolos de comportamento ético de uma imprensa que, mesmo não sendo
nunca imparcial na opinião, deveria ao menos tentar sê-lo no noticiário.
Entretanto, não escrevo para celebrar a
sua derrota. Muitos já o tem feito. Ao contrário, tomo a liberdade de
lhes escrever pelo cuidado que tenho com o seu destino. Gosto da alta
qualidade material dos produtos que oferecem à sociedade. As novelas da
Globo são sem paralelo no mundo. Os casos de ficção e mesmo as
reportagens especiais são de categoria internacional. O mesmo se aplica
às revistas não ideológicas da Abril. Contudo, tudo isso está sendo
colocado em risco pelo jornalismo sórdido que vocês praticam.
Tenho idade para ter visto muitos
impérios jornalísticos brasileiros que se destruíram, ou que foram
destruídos pela concorrência. O seu pode ser o próximo. Vocês, nessa
campanha presidencial, ao escolheram um lado com o sectarismo
principista de um Estado Islâmico, foram além da crítica ao governo para
atacar as próprias bases do Estado democrático. Vocês foram ao extremo
de subverter o processo judicial envolvendo o poder da República que
deveria ser o mais respeitado, a Justiça, em maquinações eleitoreiras
rasteiras e macabras. Não fosse a internet, depurando o noticiário, e
vocês teriam ganho.
Sei que o caminho suicida que escolheram
era uma aposta na candidatura que lhes parecia a mais adequada para
tirá-los das dificuldades empresariais e afastar o risco de uma
regulamentação mais democrática da mídia. No primeiro caso, o fato de
ambas as organizações serem os beneficiários das duas maiores contas de
publicidade do governo parece não lhes ser satisfatório. Ou querem mais
ou tem medo de perder o que tem. No segundo caso, o risco é um marco
regulatório que quebre o monopólio de algumas mídias.
Sim, porque os verdadeiros democratas
brasileiros não querem muito mais do que aquilo que os norte-americanos
têm. Não me consta que a NBC, a ABC ou a CNN sejam proprietárias de
jornais e revistas nos Estados Unidos. Por outro lado, não me consta que
o New York Times ou o Wall Street Journal sejam donos de televisões e
rádios. Quebrar o monopólio jornalístico da Globo no Brasil não seria
diferente do que Cristina Kirchner fez com o Clarín na Argentina, e
isso, é preciso reconhecer, simplesmente segue o padrão americano e não
tem nada a ver com violação da liberdade de imprensa.
Esta é uma questão política da mais alta
relevância, e se alguém, de um ponto de vista imparcial, analisa a
campanha presidencial que acaba de ser encerrada encontra amplas
justificativas para querer a busca de um marco regulatório adequado.
Entretanto, isso é também uma questão econômica, tendo em vista a
concorrência no mundo da mídia. A articulação de jornal, televisão e
rádio traz óbvias vantagens comerciais monopolísticas para seu dono,
além de um inequívoco poder político que pode ser manipulado contra
concorrentes, mas também contra a democracia.
Trabalhei sete anos no Jornal do Brasil
até pouco antes do início de sua decadência. O JB, quando lá entrei no
começo dos anos 70, era dono absoluto do mercado de pequenos anúncios.
Quando muitos, e esse era o caso, era a melhor fonte de receita do
jornal porque o anúncio era pago adiantado na boca do caixa. Pois bem, a
certa altura O Globo decidiu entrar pra valer no mercado de pequenos
anúncios. Se fosse jornal contra jornal, tudo bem. Mas o Globo lançou
todo o peso da televisão para anunciar seus classificados. Aos poucos,
liquidou com o negócio do JB, que não tinha televisão para defender-se.
Esse pequeno incidente revela o
verdadeiro poder dos monopólios midiáticos. Quando se trata de política,
esse poder é multiplicado. Basta lembrar das consultas obrigatórias que
os presidentes faziam a Roberto Marinho sobre iniciativas importantes
no tempo em que ele estava em pleno vigor físico. Os herdeiros estão
longe da habilidade política do pai, e estão entrando num terreno
perigoso de oposição sistemática ao governo. Isso acontece sobretudo na
Veja e, principalmente, no Jornal da Globo.
Quando William Waack, Carlos Alberto
Sardenberg e Arnaldo Jabor extrapolam sua função de apresentadores e
comentaristas para assumirem o papel de doutrinadores raivosos contra a
política externa ou interna do governo, manipulando descaradamente o
noticiário, é, em sua essência, uma violação das regras de concessão
pública de televisão e põem em risco uma organização que, fora da
política, é líder absoluta da produção audiovisual na América Latina.
Acho que interessa a todos os brasileiros que essa liderança seja
conservada e ampliada. Espera-se que o jornalismo da Globo e de Veja não
ponham tudo a perder, não junto ao governo, mas junto a
telespectadores, leitores e anunciantes, sendo varrido da cena pelo
noticiário plural da internet.
*José Carlos de Assis é economista, doutor pela Coppe/UFRJ, professor de Economia Internacional da UEPB.
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