Há tempo largo a mídia
cuida de excitar os herdeiros da Casa-Grande ao sabor de pavores
arcaicos agitados por instrumentos cada vez mais sofisticados, enquanto
serve à plateia, senzala inclusive instalada no balcão, a péssima
educação do Big Brother e Companhia. Nem todos os herdeiros se
reconhecem como tais, amiúde por simples ignorância, todos porém,
conscientes e nem tanto, mostram se afoitos, sem a percepção do seu
papel, em ocasiões como esta vivida pelo presidente mais popular do
Brasil, o ex-metalúrgico Lula doente. E o estímulo parte,
transparentemente, das senhas, consignas, clichês veiculados por
editorialões, colunonas, artigões, comentariões.
Celebrada
colunista da Folha de S.Paulo escreve que Lula agora parece “pinto no
lixo”, cuida de sublinhar que “quimioterapia é dureza” e que vantagens
para o enfermo existem, por exemplo, “parar de tomar os seus goles”.
Outra colunista do mesmo jornal, dada a cobrir tertúlias variadas dos
herdeiros da Casa-Grande, pergunta de sobrolho erguido quem paga o
tratamento de Lula. Em conversa na Rádio CBN, mais uma colunista afirma a
culpa de Lula, “abuso da fala, tabagismo, alcoolismo”. A cobra do
Paraíso Terrestre desceu da árvore do Bem e do Mal e espalhou seu veneno
pelos séculos dos séculos.
Às
costas destas miúdas aleivosias, todas as tentativas pregressas de
denegrir um presidente que se elegeu e reelegeu nos braços do povo
identificado como o igual capaz de empenhar-se pela inclusão de camadas
crescentes da população na área do consumo e de praticar pela primeira
vez na história do País uma política externa independente. Trata-se de
fatos conhecidos até pelo mundo mineral e no entanto contestados oito
anos a fio pela mídia nativa. E agora assistimos ao destampatório da
velhacaria proporcionado pelo anonimato dos navegantes da internet, a
repetirem, já no auge do ódio de classe, as tradicionais acusações e
insinuações midiáticas.
Há uma
conexão evidente entre as malignidades extraordinárias assacadas das
moitas da internet e os comportamentos useiros do jornalismo do Brasil,
único país apresentado como democrático e civilizado onde, não me canso
de repetir, os profissionais chamam o patrão de colega.
Por
direito divino, está claro. E neste domínio da covardia e da raiva
burguesotas a saraivada de insultos no calão dos botecos do arrabalde
mistura-se ao desfraldado regozijo pela doença do grande desafeto. Há
mesmo quem candidate Lula às chamas do inferno, em companhia dos
inevitáveis Fidel e Chávez, como se estes fossem os amigões que Lula
convidaria para uma derradeira aventura.
Os
herdeiros da Casa-Grande até mesmo agora se negam a enxergar o
ex-presidente como o cidadão e o indivíduo que sempre foi, ou são
incapazes de uma análise isenta, sobra, de todo modo, uma personagem
inventada, figura talhada para a ficção do absurdo. De certa maneira, a
escolha da versão chega a ser mais grave do que a própria, sistemática
falta de reconhecimento dos méritos de um presidente da República
decisivo como Lula foi. Um divisor de águas, acima até das intenções e
dos feitos, pela simples presença, com sua imagem, em toda a
complexidade, a representar o Brasil em tão perfeita coincidência.
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