Documentos obtidos por IstoÉ mostram que o polêmico presidente da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara escondeu da Justiça Eleitoral ser
dono de empresas, entre elas um consórcio de imóveis que ele próprio
induzia fiéis a comprar em seu programa gospel.
ENROLADO
O presidente da Comissão de Direitos Humanos, Marco Feliciano,
terá de se explicar por ter sonegado informações ao tribunal
"Realize, em nome de Jesus, o sonho da casa própria. Com apenas R$ 300
por mês você adquire um consórcio que dará uma carta de crédito de R$
30 mil.” Era com essa frase que o deputado-pastor Marco Feliciano
(PSC-SP) encerrava, até bem pouco tempo atrás, seu programa de
pregações na tevê. Na tela, o sermão teatral era substituído pelo apelo
comercial, enquanto números de telefones em seis capitais, inclusive
Brasília, surgiam no canto da tevê com o logotipo da empresa GMF
Consórcios. Quando foi questionado por estar se utilizando da fé alheia
para acumular lucros, Feliciano saiu com a desculpa de que fazia
apenas a propaganda de um patrocinador de seu programa televisivo.
Agora se sabe que ele não falou a verdade. A GMF pertence ao próprio
pastor. Foi criada em 2007 com mais três pastores. A atividade econômica
era “comércio de programas de computador e serviços de internet”, mas
mudou para “administração e representação comercial de consórcios de
bens e direitos”. No contrato social, obtido por ISTOÉ, os sócios foram
substituídos por Edileusa Feliciano, sua mulher.
Poderia ser uma questão meramente ética ou ideológica. Uma discussão
sobre a mercantilização da fé, de um pastor que se notabiliza por
arrancar senhas de cartões de crédito e somas em dinheiro de milhares de
fiéis. Afinal, o que esperar de um líder religioso que prega a
intolerância sexual e o preconceito racial? Nada disso o impediu de
assumir, após uma costura partidária atrapalhada, a presidência da
Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
Trata-se da maior aberração política dos tempos recentes. E Feliciano
ainda cometeu desvios graves de conduta, incompatíveis com o exercício
do mandato parlamentar. Na declaração de bens que apresentou à Justiça
Eleitoral em 2010, por exemplo, ele omitiu ser proprietário da GMF
Consórcios. Outra empresa também ficou fora da declaração de renda de
Feliciano: a Cinese – Centro de Inteligência Espiritual, um curso
preparatório para concursos cujas atividades foram encerradas no fim de
2009 e deveriam constar na declaração de Imposto de Renda do ano
seguinte. Entre os R$ 634,8 mil em bens declarados oficialmente pelo
pastor-deputado constam apenas as empresas Kakeka Comércio de Brinquedos
e Vestuário, Marco Feliciano Empreendimentos Culturais e Eventos, e
Tempo de Avivamento Empreendimentos, além de cinco veículos e oito
imóveis. Informações registradas em base de dados de crédito, porém,
indicam ao menos outros seis endereços em seu nome. Os imóveis ficam
localizados nas cidades paulistas de Orlândia, Ribeirão Preto e São
Paulo.
Os negócios tocados por Marco Feliciano e sua mulher, Edileusa, obedecem
a um “modus operandi”. Primeiro, as empresas são criadas em nome de
pastores que trabalham para a dupla. Em seguida, eles repassam suas
cotas para Feliciano. Alguns desses ex-sócios hoje têm seus salários
pagos com verba da Câmara. É o caso do pastor André Luis de Oliveira,
que recebe até R$ 7 mil do gabinete de Feliciano, mas nem sequer bate
ponto lá. Oliveira, na verdade, comanda o templo da Assembleia de Deus
Catedral do Avivamento em São Joaquim da Barra (SP). O pastor foi um dos
fundadores da GMF Consórcios, ao lado de Joelson Heber Tenório, outro
assessor fantasma cujos vencimentos somam R$ 6 mil. Tenório dirige a
filial da igreja de Feliciano em Ribeirão Preto. O mesmo acontece com
Rafael Octavio, pastor da igreja em Franca, funcionário do gabinete com
salário de até R$ 7 mil e ex-sócio na Grata Music, empresa registrada
em nome da mulher de Feliciano. Além de agraciar com dinheiro público
pastores amigos, eles ainda eram sócios de Feliciano quando este já era
deputado, o que pode complicar ainda mais a sua situação.
Na semana passada, o presidente da Comissão de Direitos Humanos esteve
sob fogo cruzado. Foi divulgado também que Feliciano usou a verba de
gabinete para pagar advogados de suas empresas. Rafael Novaes defende a
empresa Marco Feliciano Empreendimentos Culturais na ação em que é
acusada de não cumprir contratos e embolsar o dinheiro de um evento ao
qual o pastor não compareceu. O advogado Matheus Bauer também está na
folha de pagamento da Câmara, apesar de não trabalhar no gabinete e
compor a equipe do escritório Favaro e Oliveira. O escritório recebeu
mais de R$ 30 mil da verba indenizatória.
As suspeitas de sonegação de informações sobre patrimônio e de desvios
de recursos públicos podem transformar Feliciano em réu na Comissão de
Ética da Câmara. Dependerá da disposição de seus colegas de Parlamento,
que até agora fizeram vista grossa aos protestos contra a permanência
do pastor na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias.
Mas, diante das novas denúncias, já há uma movimentação nos bastidores
da Casa para não só apeá-lo do cargo como questioná-lo por quebra de
decoro na Comissão de Ética. Com posições que agridem garantias e
direitos assegurados pela Constituição, Feliciano passou a última
semana se defendendo das críticas de organizações civis. O PSC chegou a
se reunir para discutir a indicação de outro nome para a comissão, mas
no fim optou pelo enfrentamento. A bancada preferiu culpar as legendas
que preteriram a comissão, num recado direto ao PT, que por uma década
dominou o colegiado.
Ao assumir os trabalhos da comissão na quarta-feira 13, Feliciano
retirou da pauta todos os temas considerados relevantes, como a
discussão sobre união estável entre pessoas do mesmo sexo. Em mais um
capítulo da batalha, 11 parlamentares recorreram ao Supremo Tribunal
Federal para tentar inviabilizar a gestão de Feliciano. “Apelamos para o
Judiciário para impedir que a comissão se transforme em um centro
fundamentalista e retrógrado”, afirma Domingos Dutra (PT-MA), antecessor
do pastor no cargo.
No IstoÉ
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