A pergunta de 2014
Por Paulo Moreira Leite
Por Paulo Moreira Leite
Os números do Ibope divulgados ontem mostram que Dilma Rousseff e Aécio
Neves permanecem no mesmo patamar anterior a Copa, em 7 de junho: 38% e
22% das intenções de voto, respectivamente.
Quem caiu foi Eduardo Campos, rebaixado de 13% para 8%.
A maioria dos analistas apressou-se em dizer que estes números mostram
que a Copa das Copas não trouxe benefícios para Dilma. É uma tentativa
de transformar uma derrota em vitória.
Explico. O que a oposição pretendia – e as bolas de Cristal da mídia
sobre a Copa refletiam isso – era para arrancar eleitores do governo.
Apostando numa profecia que se revelou um fiasco histórico, achava
inevitável que Dilma saísse da Copa menor do que entrou.
Mas Dilma permanece do mesmo tamanho e os adversários não cresceram. O
terceiro colocado até diminuiu. Quem você acha que ganhou?
Quem tem tamanho para jogar na defesa, sabendo que irá ganhar se impedir
ataques adversários. Este é o retrato político que o Ibope desenhou.
Não é uma surpresa.
O sociólogo Antônio Lavareda, insuspeito de simpatias petistas, criou o
Índice Band, que trabalha com votos válidos, universo que exclui nulos e
brancos, de quem já resolveu em quem irá votar em 5 de outubro. O
resultado é o seguinte:
50% para Dilma
27% para Aécio
11% para Eduardo Campos
4% para o pastor Everaldo
E só.
Isso quer dizer que se as eleições fossem hoje, Dilma levava no primeiro
turno por 50% a 42% sobre o conjunto dos adversários -- muito além de
qualquer margem de erro.
Você pode argumentar que os “votos válidos” irão aumentar até o dia da
eleição – e isso é verdade. Pode até calcular que nos próximos
levantamentos, os adversários de Dilma irão ganhar num ritmo maior do
que o dela – é possível, até porque ela já atingiu um bom tamanho,
conquistou a metade dos votos de quem já sabe em que vai votar.
Mas o retrato do momento, a eleição real, está aqui. Lavareda construiu
o Índice Band fazendo uma média dos números dos principais institutos
de pesquisa. É um índice válido, cada vez mais usado, por exemplo, em
eleições norte-americanas. Tem um grau de confiança maior, mas não é
infalível, evidentemente. Sua vantagem é que ajuda a evitar que
institutos que têm um viés – político, regional, ou qualquer outro –
possam contaminar o resultado final. A desvantagem é que, trabalhando
com vários números, de datas diferentes, pode se mostrar mais lento para
apontar tendências e mudanças de ultima hora.
O dado importante é que apesar de toda torcida Aécio Neves e Eduardo Campos tem caminhado bem devagar.
Compare com 2010. Em fevereiro daquele ano, quando já não podia ser
chamada de poste, Dilma perdia de 28% a 35% para José Serra.
Mas em 23 de junho de 2010, a data em que o último Ibope foi fechado,
Dilma já estava na dianteira, cravou 40% a 35% -- e não parou mais.
Em julho de 2014, com um mês a menos até a votação, Dilma lidera as
pesquisas e nenhum candidato representa como uma ameaça próxima. Aécio
segue firme em segundo e Eduardo Campos ainda não chegou ao patamar que
Marina Silva exibia em 2010, no mesmo período. Já em abril ela havia
atingido 9 pontos.
Essa situação traduz um aspecto importante. A campanha de 2014 está
longe de expressar um movimento irresistível contra o governo. Dilma
entrou como favorita e segue nesta situação. Em 2010, mesmo em
desvantagem numérica para Serra, nenhum observador atento deixaria de
apontar a candidata do PT como provável vitoriosa.
Ainda assim, é razoável avaliar que o condomínio Lula-Dilma enfrenta, em 2014, a mais difícil disputa eleitoral em doze anos.
A eleição ocorre em ambiente político muito diferente.
Nem a primeira vitória de Lula, em 2002, quando o mercado financeiro
ameaçou jogar o país no precipício como forma de terrorismo eleitoral,
ocorreu num ambiente tão hostil e difícil.
Em 2002, um executivo do Goldman Sachs, um dos principais bancos de
investimento do mundo, chegou a criar o Lulômetro, instrumento que
servia para elevar o pânico junto aos eleitores de classe média. George
Soros, um dos maiores especuladores do planeta, chegou a dar declarações
de espírito colonial intimando o eleitorado brasileiro a votar em José
Serra.
Naquela eleição, no entanto, aceitava-se a vitória de Lula como simples
evento democrático: é natural que, vez por outra, ocorra uma alternância
no poder. Mas era uma visão formal. Não se imaginava que o governo
vitorioso em 2002 fosse implementar um conjunto de mudanças em maior
profundidade, que permitiram mais duas vitórias consecutivas e a
possiblidade de entrar com uma candidatura favorita 12 anos depois.
Em 2014, o Lulômetro deixou de ser trabalho de uma instituição. A
unidade entre a oposição e o grande poder econômico tornou-se explícita e
abrangente, o que explica movimentos da Bolsa, que levantam e derrubam -
artificialmente - os índices sempre que aparece uma novidade favorável a
oposição. Se estivéssemos num ambiente político mais sério, plural, com
debates consistentes, essas altas e baixas da Bolsa deveriam prejudicar
a oposição. Pois seriam vistos como aquilo que são: prova de que ela
faz a alegria dos especuladores, investidores que não geram um posto de
trabalho, nem pavimentam o futuro do país, mas promovem um cassino onde a
sociedade sempre perde e seus proprietários sempre ganham, como
explicou o Premio Nobel Joseph Stiglitz ao falar do colapso de 2008.
São operações de valor 100% especulativo, já que não há a mais remota
razão plausível para se imaginar que a vida dos brasileiros – nem das
empresas com papéis na Bolsa, a começar pela Petrobrás, bússola dos
investimentos no país -- pode ficar melhor em caso de uma vitória dos
adversários. Essa turma é contra a Petrobrás antes dela ter sido criada.
Seus avôs e bisavôs políticos trabalharam pelo suicídio de Vargas, seu
fundador, antes que ela começasse a explorar petróleo para valer no
país.
O lugar de Dilma se explica por um motivo fácil de entender. No
retrospecto, em doze anos a vida da maioria da população tornou-se
reconhecidamente melhor. Na perspectiva dos próximos quatro anos, não se
vê uma proposta dos adversários capaz de proteger as conquistas
obtidas, muito menos ampliar o que já foi feito. Depois de fazer uma
única afirmação consistente sobre o rumo de seu eventual governo – a
aplicar “medidas impopulares” – Aécio Neves preferiu manter-se em
conveniente silêncio a respeito de seus planos para o país.
Mas é este o ponto central da eleição, como explica o professor Fabiano Santos, em coluna recente no Valor Econômico:
“Há algo de novo no ar,” diz ele, comparando 2014 com os pleitos
anteriores. “Não se percebia, no contexto do segundo mandato de Lula, o
quanto havia de potencialmente conflitivo naquele modelo de crescimento,
baseado em políticas de inclusão social. A economia crescia, todos
ganhavam. O contexto mudou. Agora, perdas terão de ser impostas no curto
prazo para que ganhos sejam retomados em bases mais seguras e
promissoras no futuro. Quem pagará a conta?” pergunta Fabiano Santos.
Esta é a pergunta. Mesmo com a inflação em torno de 6%, e um crescimento
fraco, ainda que real, o governo tem conseguido manter a opção que lhe
permitiu chegar até aqui – e é isso que explica os números de Dilma.
Como explicou Ricardo Berzoini em entrevista para Carolina Oms, da revista Dinheiro:
“O governo busca o centro da meta, mas há duas maneiras de se tratar
a meta da inflação. Uma é tratar como objetivo único da economia. Outra
é tratar a meta combinada com outros objetivos como emprego, renda dos
trabalhadores, crescimento econômico, investimento público e privado. Se
o governo pudesse trazer a inflação para 4,5% ao ano, traria, mas temos
uma série de pressões inflacionárias. Se você usar a política monetária
de maneira demasiada, vai provocar uma recessão. É importante ter um
olho na inflação e outro na geração de emprego e renda. A inflação
incomoda os trabalhadores. Mas, para o trabalhador, pior do que inflação
é desemprego alto e arrocho salarial.”
O debate é este.
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