Caso não tenha mudado de novo seu programa lançado na sexta-feira _no sábado recuou em passagens
sobre direitos LGBT_, a candidata Marina Silva (PSB) propõe mesmo frear
com pé de chumbo a política nacional de investimento no pré-sal.
O programa praticamente ignora essa mina de ouro. Talvez temerosos de
declarar com todas as letras a proposta de liquidar a orientação
governamental em vigor, os correligionários de Marina escreveram assim,
ao apresentar a plataforma: “3) realinhamento da política energética
para focar nas fontes renováveis e sustentáveis, tanto no setor elétrico
como na política de combustíveis, com especial ênfase nas fontes
renováveis modernas (solar, eólica, de biomassa, geotermal, das marés,
dos biocombustíveis de segunda geração); 4) redução do consumo de
combustíveis fósseis''.
Nas “Diretrizes de nossa política nacional de energia'', enumerando os
eixos de ação, não aparecem as palavras “petróleo'' e “pré-sal''. Apenas
uma referência indireta, mas nem tanto: “Reduzir o consumo absoluto de
combustíveis fósseis''.
Deixo para quem sabe mais as observações sobre a impossibilidade, ao
menos durante décadas, de o Brasil dispensar a energia poluente do
petróleo; a evidência de que, se a Petrobras não explorar a camada do
pré-sal, outros o farão, sobretudo empresas privadas chinesas,
norte-americanas e europeias; os recursos a serem arrecadados com o
pré-sal seriam destinados a educação e saúde, portanto a questão não se
resume a energia e combustíveis; abrir mão do pré-sal equivale ao
sujeito tirar a sorte grande na loteria, mas jogar no lixo o bilhete
premiado; sem o pré-sal, Estados como o Rio de Janeiro sofrerão danos
devastadores.
Trato de um aspecto mais pontual: se Marina Silva vencer a eleição e
aplicar sua proposta de secundarizar a exploração do pré-sal, o Extremo
Sul do Brasil regredirá décadas, com aumento do desemprego, depressão
econômica e expansão da pobreza.
Refiro-me à região gaúcha do Polo Naval de Rio Grande e São José do
Norte. Especialmente, à cidade mais populosa daquelas bandas, Pelotas. O
polo criado no governo Lula (a paternidade, no caso, é o de menos)
recuperou o território que de uns tempos para cá passou a ser chamado de
“Metade Sul'' do Estado do Érico Verissimo,do Lupicínio Rodrigues e do
Vitor Ramil.
No século 19, Pelotas talvez tenha sido a cidade mais rica da região Sul
do país. A exploração do charque em larga escala gerou fábulas de dinheiro.
A economia se baseava em relações escravagistas, com multidões de
africanos aprisionados desembarcando dos navios no litoral de Rio
Grande. Em mil oitocentos e pouco, para cada branco de Pelotas havia um
africano. Até hoje Pelotas e Rio Grande são famosas pelo melhor Carnaval
do Estado, reflexo da ampla população e cultura negras nos dois
municípios. A fortuna dos barões de Pelotas esteve na origem da fama gay
local: os pais abonados enviavam os herdeiros para estudar na França e
em Portugal, os rapazes voltavam educados e viraram alvo de comentários
dos homens rudes e preconceituosos do seu tempo.
Isso, a farra da dinheirama, acabou no século 20. A economia desse
Extremo Sul permaneceu agrária, com os velhos senhores feudais e novos
burgueses do campo mantendo uma concentração obscena da, agora menor,
riqueza. Enquanto a Serra gaúcha se industrializou e prosperou, Pelotas
(que já foi a segunda cidade com mais habitantes no Estado, depois de
Porto Alegre) e Rio Grande empobreceram.
Com uma excelente escola técnica federal, uma universidade federal
respeitável e outra católica também, nos anos 1970 e 1980 Pelotas passou
a formar mão-de-obra qualificada para “exportar'': não havia bons
empregos por lá.
Os índices sociais despencaram a níveis de regiões paupérrimas do
Nordeste, e a decadência da economia fez estragos em todos os segmentos
da vida cotidiana.
A despeito da desigualdade social atávica que persiste, o cenário
melhorou com o Polo Naval de Rio Grande. Dezenas de milhares de vagas,
boa parte para peões qualificados, foram abertas nos estaleiros e em
função deles. Plataformas de petróleo já saíram prontinhas dali, e há
expectativa de que para o pré-sal sejam feitas muitas outras. Em Pelotas
não há estaleiro, mas muitos trabalhadores moram lá (a uma hora de
ônibus), para fugir dos preços exorbitantes dos imóveis em Rio Grande.
O polo tem muitos problemas, e um deles é a ressaca provocada a cada
término de plataforma. Os contratos dos trabalhadores são encerrados,
até os empregados retomarem seus postos com novas encomendas. O dinheiro
que a economia movimenta resultou em aumentos de preços que castigam os
mais pobres. Mas é em função do polo que há não somente mais empregos,
como ocupações mais bem remuneradas.
Escolas na região passaram a formar técnicos para o polo, empresas foram
abertas e se desenvolveram para fornecer de alimentação a equipamentos.
O Polo Naval foi decisivo para a retomada do desenvolvimento regional da
Metade Sul. Uma política que leve ao seu fim seria socialmente
catastrófica. Com menos investimento no pré-sal e baque na produção de
petróleo, os estaleiros fechariam ou reduziriam seus portes.
Os candidatos a governador e senador no Rio Grande do Sul, alguns
manjados balaqueiros (marrentos ou contadores de vantagem, em linguagem
gaudéria), terão de se pronunciar sobre as propostas dos candidatos a
presidente em relação a petróleo, Polo Naval de Rio Grande e pré-sal.
Quem calar consentirá.
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