Pelo visto, a nova política não foi capaz de criar um novo slogan.
Até hoje não se sabe quem inventou a frase “Não vamos desistir do
Brasil.” Ela foi pronunciada por Eduardo Campos em seus comícios e agora
foi incorporada à campanha, como o principal slogan da “nova politica”
de Marina Silva.
Nova?
Há 11 anos, a mesma ideia com outras palavras, esteve no centro de uma
campanha do governo Lula: “Eu sou brasileiro e não desisto nunca.”.
Na frase de 2003, o sujeito é “o brasileiro.” Ele não desiste. Está resolvido.
Na versão de 2014, alguém precisa, apelar para que o povo não desista. A
ideia é muito parecida, mas aparece uma novidade: é preciso arrumar um
lugar para um líder, ou melhor, uma candidatura. É quem puxa o coro que
vai reafirmar um traço ameaçado do caráter nacional.
Em 2003, a campanha “sou brasileiro e não desisto nunca foi uma ideia de Luiz Gushiken,” o primeiro titular da Secom.
A autoria da frase chegou a ser atribuída aos craques da Copa de 2002,
que a teriam para virar o placar de um jogo em que o Brasil ficara em
desvantagem. E também a Lula. Na minha lembrança, algo parecido fazia
parte dos versos de um musical estrelado por Bibi Ferreira…
Não sou fanático dos direitos autorais da propaganda política. Os
grandes textos e expressões deste universo são obras anônimas da luta
popular. Não ganharam importância porque foram criadas por um autor
supostamente genial, mas porque expressavam a vontade da população em
determinado momento.
“Mataram um estudante, podia ser seu filho” ajudou a levantar a classe média contra a ditadura, em 1968.
“Greve geral, derruba o general,” foi uma grande palavra de ordem num 1
de maio da Vila Euclides, dominando pelos metalúrgicos do ABC.
Quando Lindomar Castilho matou Eliane de Grammont, o movimento de mulheres reagiu: “Bolero de machão se canta na prisão.”.
A verdade é que há 12 anos, o Brasil vivia num ambiente de pessimismo real.
Não era a euforia do Real. Era o seu fracasso. O país mal havia
esquecido a emigração em massa de brasileiros ao exterior. Depois de
1998, o país quebrou e o governo Fernando Henrique Cardoso foi obrigado a
bater às portas do FMI para pedir um empréstimo. Mas a credibilidade do
governo era tão frágil que foi preciso obter aval dos candidatos de
oposição para o dinheiro
sair. Havia outro problema, porém. Fazendo corpo mole para liberar os
recursos, que dependiam de sua assinatura, o secretário do Tesouro dos
EUA, Paul O’Neill, fez chegar aos jornais o receio de que o dinheiro
pudesse “acabar numa conta na Suíça.” (Sabe o que se investigava nos
EUA, na época? Alstom, Siemens e outras e outras empresas envolvidas no
pagamento de propinas pelo mundo afora — até no metrô paulista, como
fomos informados duas décadas mais tarde.).
Na campanha de 2002, como se fossem potentados coloniais, banqueiros
como George Soros davam ultimatos ao país. Os juros chegaram a 24,90% no
final daquele ano. Mas a crise era tão grave que depois da posse de
Lula foram elevados para 26,27%, numa medida de emergência para conter a
herança inflacionária, que enfim foi debelada no final do ano.
Falando no lançamento da campanha de 2003, Lula disse: “Eu acho que tem
valores que temos de resgatar: valores religiosos, familiares, do
círculo de amizade.” O presidente acrescentou: “tanta gente de fora
acredita tanto no brasileiro e nós, às vezes, não acreditamos”.
Em 2014, fala-se em perda de controle da inflação quando ela se encontra
em tendência de queda, fechou em torno de zero a quatro meses — e na
média de quatro anos, encontra-se num patamar mais baixo do que FHC e
mesmo Lula. O crescimento econômico é fraco, mas, mesmo em condições
difíceis, tem sido possível evitar o desemprego e o arrocho nos
salários.
O slogan da campanha de Marina procura se transformar numa profecia que
se auto realiza. É o pessimismo induzido. Busca criar um ambiente de
medo, incerteza, dizendo que tem gente capaz de “desistir” — mas ela não
vai deixar.
Entendeu?
Paulo Moreira Leite é diretor do 247 em Brasília. É também
autor do livro "A Outra História do Mensalão". Foi correspondente em
Paris e Washington e ocupou postos de direção na VEJA, IstoÉ e Época.
Também escreveu "A Mulher que Era o General da Casa".
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