Bancado com dinheiro público |
Uma das coisas essenciais que você aprende como executivo é a chamada “base zero” para elaborar orçamentos.
Na inércia, nas empresas, cada departamento vai simplesmente
acrescentando no planejamento de seus gastos 5% ou 10%, a cada ano.
A base zero evita isso. Você mergulha em cada investimento e verifica
se ele ainda faz sentido. Às vezes, em vez de mantê-lo ou aumentá-lo,
você percebe que o melhor mesmo é eliminá-lo.
A quem interessar: foi uma das coisas que aprendi em meus anos de
editor da Exame e, depois, de diretor superintendente de uma unidade de
negócios da Abril.
Minha introdução se destina a falar da regulação da mídia — um assunto que vai provocar fortes emoções nos próximos meses.
Um passo vital — e este independe de qualquer outra coisa que não seja a
vontade do governo — é fazer um orçamento a partir da base zero nos
gastos com publicidade do governo federal.
Por exemplo: faz sentido colocar 600 milhões de reais por ano na Globo?
Citei a Globo porque, de longe, é ela quem mais recebe dinheiro
federal na forma de anúncios.
Do ponto de vista técnico, o carro-chefe da Globo é a televisão aberta —
uma mídia que vai se tornando mais e mais obsoleta à medida que avança
a Era Digital.
Veja as audiências da Globo. Nos últimos meses, ou até anos, é comum
você ver que foi batido o recorde de pior Ibope de virtualmente toda a grade da Globo.
Jornal Nacional? Antes, 60% ou coisa parecida. Agora, um esforço para ficar na casa dos 20%.
Novelas? Para quem chegou a ter 100% em capítulos finais, é uma
tragédia regredir, hoje, a 30%, e isto na novela principal, a das 9.
Faustão, Fantástico? Em breve, estarão com um dígito de audiência, pelo trote atual.
Não vou entrar aqui na questão da qualidade. Se um gênio assumisse o
Jornal Nacional, o conteúdo melhoraria, mas a audiência não: é a Era
Digital em ação.
Pois bem.
Tudo aquilo considerado, 600 milhões por ano fazem sentido tecnicamente?
É claro que não.
Quanto faz sentido: metade? Um terço? Não sei: é aí que entra o estudo com base zero.
É curioso notar que um efeito colateral desse dinheiro colossal que
entra todos os anos na Globo — seu Anualão — é o pelotão de jornalistas
como Jabor, Merval, Sardenberg, Waack, Noblat e tantos outros dedicados
à manutenção dos privilégios de seus patrões e, claro, deles próprios.
Não é exagero dizer que eles são financiados pelo dinheiro do contribuinte.
Digamos que para 2015 fosse mantida metade do Anualão da Globo.
Haveria, aí, 300 milhões de reais ou para ajudar a equilibrar as contas
públicas ou, no melhor cenário, para ampliar programas sociais.
Cito a Globo apenas pelo tamanho de seu caso.
Alguns meses atrás, a sociedade subitamente se perguntou se era certo o
governo federal colocar 150 milhões por ano no SBT, em publicidade,
para que, no final, aparecesse em seu principal telejornal com enorme
destaque uma comentarista que apoiava justiceiros, Raquel Sheherazade.
Esqueçamos, no caso do SBT, Sheherazade e tantos outros comentaristas
de emissoras afiliadas iguais a ela, como Paulo Martins, do SBT de
Curitiba.
“O PT é um tumor maligno”, escreveu ele em sua conta no Twitter perto
das eleições. “Essa eleição é o ponto limite para o Brasil desse mal
com tratamento convencional. Depois dessa, é muita dor ou morte.”
Em português: ele estava pregando um golpe na democracia em caso de
fracasso no “tratamento convencional” — a vontade da maioria expressa
nas urnas.
Também ele — aliás numa concessão pública — é bancado pelo dinheiro público. A sociedade aprovaria esse emprego de dinheiro?
É irônico, mas o que a mídia tem que enfrentar é um choque de
capitalismo: andar pelas próprias pernas, sem o Estado-babá. (Até hoje
vigora uma reserva de mercado na imprensa, por absurdo que pareça em
pleno 2014.)
Os bilhões que ano após ano o sucessivos governos — na Era FHC as somas
eram ainda maiores — colocam nas grandes corporações de mídia têm
ainda uma consequência pouco discutida.
Dependentes do governo — nenhuma sobreviveria se as verbas fossem
extirpadas —, elas entram em pânico a cada eleição presidencial. E fazem
o que todos sabemos que fazem, pela manutenção de seus privilégios.
Aécio, agora, era a garantia de vida boa para todas elas. O modus
operandi de Aécio é conhecido: como governador de Minas, ele triplicou
os gastos com publicidade.
Ele não teve o pudor de deixar de colocar dinheiro público nem nas rádios de sua própria família.
Na Minas de Aécio, a imprensa amiga foi bem recompensada com anúncios, incluída a Globo local.
E aqui um acréscimo importante: fora o dinheiro federal, as grandes
corporações de mídia são abençoadas também com anúncios de governos
estaduais e municipais.
Em São Paulo, os governos do PSDB têm contribuído na medida de suas possibilidades com empresas como Abril, Estado e Folha.
E não só com publicidade. Todo ano, o governo paulista renova um grande
lote de assinaturas da Veja para distribuir as revistas em escolas
públicas.
Felizmente para a cabeça dos jovens, as revistas sequer são tiradas do plástico que as embala.
Que jovem lê revista, hoje? Mesmo assim, as assinaturas são sempre renovadas.
Mas um passo por vez.
Fazer um orçamento de marketing com base zero nos gastos com
publicidade seria uma das atividades mais nobres nestes meses finais de
2014 para a equipe do governo.
Paulo Nogueira
No DCM
Ainda do Blog CONTEXTO LIVRE.
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