terça-feira, 28 de outubro de 2014

Novidades sobre o segundo governo Dilma


Surgem nomes fortes para Ministério, o PT recupera a identidade e Lula pode ajudar a manter a ordem num partido que terá de escolher um candidato para 2018

Nascido a partir de uma vitória por 3,2% dos votos, o segundo governo Dilma não terá um grama a menos de legitimidade do que qualquer outro. Mas seu perfil retrata uma vitória que, sempre ao alcance da mão ao longo da campanha, foi conseguida por caminhos ásperos e curvas inesperadas, processo que irá se refletir em suas prioridades de governo e na formação da equipe de ministros e auxiliares mais próximos.

Em função da campanha e do papel que cada um desempenhou dentro dela, parece claro que, no segundo governo Dilma, o Planalto terá uma configuração diferente da atual. Nela se destacam Aloizio Mercadante, Jacques Wagner e Miguel Rossetto, assim mesmo, em ordem alfabética, a quem se destinam três pastas próximas a presidente, que até a noite de ontem não pareciam definidas, numa situação onde os nomes e vocações de cada um ganharam prioridade sobre os cargos. O certo é que a presidenta quer os três por perto e fala-se deles, na Brasília de Dilma, com uma reverência que há muito tempo não se via.

O fato decisivo é que a partir de 2015 o Brasil estará sob o governo de uma presidente cada vez mais ciosa de suas prerrogativas e direitos de reeleita. O ritual da vitória, na noite de domingo, espelha isso. Pelo programa original, seria uma celebração entre Dilma e aqueles ministros e assessores próximos que formaram o núcleo duro da campanha. Lula estaria ausente e só deveria ir a Brasília no dia seguinte, segunda-feira, para dar os cumprimentos e abraçar a presidente.

A decisão que levou Lula a antecipar a viagem só chegou ao conhecimento de auxiliares próximos dos dois no próprio domingo, nos preparativos para o encontro no hotel Golden Tulipe. Caso o ritual original tivesse sido mantido, a foto da festa — e aquela memória que ajuda a compreender o significado de todas as coisas importantes — seria outra.

Aplicando uma observação clássica de Leon de Tolstoi, a família petista também poderia estar feliz — mas seria feliz de outra maneira.

No primeiro mandato, o “volta Lula” chegou a ser uma sombra entre a presidente e o ex. O apoio da ministra da Cultura Marta Suplicy à ideia gerou um conflito insolúvel com a presidente que, mesmo podendo engordar seus votos junto ao arredio eleitorado paulista durante a campanha presidencial, recusou-se a fazer qualquer gesto para pedir sua ajuda. A relação entre ambas atingiu um tamanho grau de amargura e irritação que colegas de Marta no Ministério duvidam que ela tenha disposição para permanecer no posto até janeiro.

A partir de 2015 o “volta Lula” deixa de ser um problema, até pelo impedimento legal de Dilma candidatar-se a um terceiro mandato consecutivo. A pergunta é saber se Lula irá tentar o retorno, em 2018, quando estará com 73 anos de idade. Embora o presidente do PT, Rui Falcão, já tenha anunciado essa hipótese, mais de uma vez, provocando reações irritadas durante a campanha porque isso poderia tirar o foco em Dilma quando ela mais precisava reunir energias para o segundo turno, a maioria dos petistas tem dificuldade de levar este segundo ”volta Lula“ a ferro e fogo. O próprio Rui Falcão é menos enfático, em conversas informais. Como tantos dirigentes, ele partilha uma visão utilitária do Lula-2018.

A tese é que, num governo sem uma candidatura natural a sucessão, ministros e governadores interessados na cadeira de Dilma poderiam ficar motivados a usar suas posições no Ministério e/ou em seus Estados para ganhar musculatura, gerando crises e conflitos mortais para a condução de qualquer governo, ainda que submetido a autoridade de uma presidente ciosa como poucas da hierarquia e disciplina. Ao colocar Lula no primeiro lugar da fila, o que se garante é a disciplina dos eventuais pretendentes. Nenhum pré-pré-candidato se atreverá a disputar sua sorte com o líder maior do partido e de toda essa história que levou à conquista inédita de quatro mandatos consecutivos — até porque irá precisar do apoio sempre indispensável de Lula para ter qualquer chance numa eleição presidencial que, a julgar pelos números de domingo, e também pelo desgaste inevitável das longas permanencias no poder, a cada campanha pode se tornar um pouco mais difícil.

Quem esteve no Golden Tulip, na noite de domingo, assistiu a reaparição de uma força política que esteve colocada numa posição perto da irrelevância nos debates reais do governo, nos últimos anos — o Partido dos Trabalhadores. Até a arquitetura do evento reservava um lugar especial aos militantes do partido, reconhecidos, após o segundo turno, como uma peça fundamental para enfrentar o imenso arsenal de forças colocado a disposição de Aécio Neves. Cidadãos com bandeiras vermelhas são uma parte previsível no cenário de cerimônias petistas desde o Colégio Sion, onde o PT foi fundado. Mas aquilo que se viu na noite da vitória de 2014 lembrava outros tempos do PT, quando a militância tinha um papel real na dinâmica do partido.

A militância — palavra que na campanha incluiu petistas e muitos não-petistas, sindicalistas, ativistas de movimentos sociais e cidadãos que acharam que tinham o dever de resistir ao esforço do PSDB para retornar ao comando do Estado e foram a rua impedir que isso acontecesse — deu à campanha um tom bem mais à esquerda do que o governo Dilma em seu cotidiano.

Foram estes militantes que fizeram um ato inesquecível de 100 000 pessoas no Recife, ajudando Dilma a levar mais de 70% dos votos de Pernambuco, onde Marina Silva foi vitoriosa no primeiro turno e a família de Eduardo Campos apareceu na TV para pedir votos a Aécio. Essa força garantiu uma boa vitoria no Rio de Janeiro e uma vantagem decisiva em Minas. Num pleito onde cada voto era uma preciosidade, o ativismo ajudou a amenizar a derrota brutal de São Paulo. Atraiu a juventude da periferia que foi aplaudir Dilma em Itaquera, dias antes do pleito — e também participou do ato na PUC, e de diversas manifestações com batuque, palavras de ordem e cerveja na Praça Roosevelt, inclusive na véspera da votação.

Essa situação Ipode-se ver naquela noite sofrida em que se contabilizaram os votos. Com ajuda de um teleprompter, Dilma leu aquele que deve ter sido o mais bem acabado discurso em mais de 50 anos de vida pública — inclusive o tempo em que pertencia a Var Palmares — perante uma platéia numerosa, apertada, comprimida, mas feliz, atenta a cada palavra e cada silêncio do pronunciamento da presidente. No momento em que a presidente-candidata fez uma pausa antes de enumerar as prioridades do segundo mandato, um militante sentado nas primeiras fileiras de cadeira, molhado pela chuva que caía sobre Brasília naquela hora, camisa vermelha, tronco enrolado numa bandeira do Brasil, soltou um berro: “Reforma Politica!”, antecipando, exatamente, aquilo que a presidente iria dizer.

A plateia também encheu o peito e ergueu os punhos para cobrar a regulamentação dos meios de comunicação. Se essa reivindicação adquiriu importancia cada vez maior nos últimos anos, ganhou urgência redobrada depois que dois dias antes da votação Veja deu curso a um golpe midiático que nada tinha a ver com jornalismo e não passava de uma operação política destinada a prejudicar Dilma e ajudar a vitória de Aécio Neves de qualquer maneira, acendendo uma nova onda anti-PT que a presidente fora capaz de estancar nos últimos debates.

Na festa da vitória, os militantes olhavam desconfiados para quem, em outros pontos da plateia, não acompanhava o coro de palavras-de-ordem como “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo.”

Na nova conjuntura política, iniciada com a confirmação da vitória de Dilma, a oposição procura incluir novos pontos em debate. Interessada em fazer o governo retornar a uma posição defensiva, sobre uma pressão semelhante a do período anterior, quando se enxergava o fim do governo Dilma e do PT como uma possibilidade concreta e próxima, tenta-se construir a visão de um país “dividido”, no qual a presidente teria autoridade apenas sobre uma parcela de cidadãos — aqueles que lhe deram seu voto — mas não sobre o conjunto da nação, que foi as urnas no domingo. Caso essa visão visse a prevalecer na vida prática, Dilma teria de ignorar os compromissos de campanha e submeter sua autoridade — nova em folha — às conveniências e opções de seus adversários, como se petistas e tucanos tivessem resolvido formar um governo de coalizão após uma das disputas eleitorais mais quentes de nossa história recente.

Este argumento parece sob medida para inviabilizar pela raiz certas iniciativas da presidente, como o plebiscito para reforma política, caminho indispensável para abrir caminho para qualquer mudança que irá atingir os interesses econômicos que alugam o poder de Estado a seus interesses — e pagam políticos aliados para fazer o serviço. O plebiscito já começa a ser definidas como “bolivarianismo”, noção típica de quem não desistiu de pensar o Brasil como uma versão só um pouco mais sofisticada do que a Venezuela e os governos do PT como caricaturas de Hugo Chávez.

A vitória por uma diferença magra chegou a assustar o PT. Personagens graúdos até imaginaram o pior. Mas depois do domingo, aquela força social que parecia sem orientação e sem grande motivação durante muitos anos havia recuperado a própria identidade e tinha muita clareza sobre aonde quer chegar — e essa é uma das boas novidades da vitória.
 


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