Surgem nomes fortes para Ministério,
o PT recupera a identidade e Lula pode ajudar a manter a ordem num
partido que terá de escolher um candidato para 2018
Nascido a partir de uma vitória por 3,2% dos votos, o segundo governo
Dilma não terá um grama a menos de legitimidade do que qualquer outro.
Mas seu perfil retrata uma vitória que, sempre ao alcance da mão ao
longo da campanha, foi conseguida por caminhos ásperos e curvas
inesperadas, processo que irá se refletir em suas prioridades de governo
e na formação da equipe de ministros e auxiliares mais próximos.
Em função da campanha e do papel que cada um desempenhou dentro dela,
parece claro que, no segundo governo Dilma, o Planalto terá uma
configuração diferente da atual. Nela se destacam Aloizio Mercadante,
Jacques Wagner e Miguel Rossetto, assim mesmo, em ordem alfabética, a
quem se destinam três pastas próximas a presidente, que até a noite de
ontem não pareciam definidas, numa situação onde os nomes e vocações de
cada um ganharam prioridade sobre os cargos. O certo é que a presidenta
quer os três por perto e fala-se deles, na Brasília de Dilma, com uma
reverência que há muito tempo não se via.
O fato decisivo é que a partir de 2015 o Brasil estará sob o governo de
uma presidente cada vez mais ciosa de suas prerrogativas e direitos de
reeleita. O ritual da vitória, na noite de domingo, espelha isso. Pelo
programa original, seria uma celebração entre Dilma e aqueles ministros e
assessores próximos que formaram o núcleo duro da campanha. Lula
estaria ausente e só deveria ir a Brasília no dia seguinte,
segunda-feira, para dar os cumprimentos e abraçar a presidente.
A decisão que levou Lula a antecipar a viagem só chegou ao conhecimento
de auxiliares próximos dos dois no próprio domingo, nos preparativos
para o encontro no hotel
Golden Tulipe. Caso o ritual original tivesse sido mantido, a foto da
festa — e aquela memória que ajuda a compreender o significado de todas
as coisas importantes — seria outra.
Aplicando uma observação clássica de Leon de Tolstoi, a família petista
também poderia estar feliz — mas seria feliz de outra maneira.
No primeiro mandato, o “volta Lula” chegou a ser uma sombra entre a
presidente e o ex. O apoio da ministra da Cultura Marta Suplicy à ideia
gerou um conflito insolúvel com a presidente que, mesmo podendo engordar
seus votos junto ao arredio eleitorado paulista durante a campanha
presidencial, recusou-se a fazer qualquer gesto para pedir sua ajuda. A
relação entre ambas atingiu um tamanho grau de amargura e irritação que
colegas de Marta no Ministério duvidam que ela tenha disposição para
permanecer no posto até janeiro.
A partir de 2015 o “volta Lula” deixa de ser um problema, até pelo
impedimento legal de Dilma candidatar-se a um terceiro mandato
consecutivo. A pergunta é saber se Lula irá tentar o retorno, em 2018,
quando estará com 73 anos de idade. Embora o presidente do PT, Rui
Falcão, já tenha anunciado essa hipótese, mais de uma vez, provocando
reações irritadas durante a campanha porque isso poderia tirar o foco em
Dilma quando ela mais precisava reunir energias para o segundo turno, a
maioria dos petistas tem dificuldade de levar este segundo ”volta Lula“
a ferro e fogo. O próprio Rui Falcão é menos enfático, em conversas
informais. Como tantos dirigentes, ele partilha uma visão utilitária do
Lula-2018.
A tese é que, num governo sem uma candidatura natural a sucessão,
ministros e governadores interessados na cadeira de Dilma poderiam ficar
motivados a usar suas posições no Ministério e/ou em seus Estados para
ganhar musculatura, gerando crises e conflitos mortais para a condução
de qualquer governo, ainda que submetido a autoridade de uma presidente
ciosa como poucas da hierarquia e disciplina. Ao colocar Lula no
primeiro lugar da fila, o que se garante é a disciplina dos eventuais
pretendentes. Nenhum pré-pré-candidato se atreverá a disputar sua sorte
com o líder maior do partido e de toda essa história que levou à
conquista inédita de quatro mandatos consecutivos — até porque irá
precisar do apoio sempre indispensável de Lula para ter qualquer chance
numa eleição presidencial que, a julgar pelos números de domingo, e
também pelo desgaste inevitável das longas permanencias no poder, a cada
campanha pode se tornar um pouco mais difícil.
Quem esteve no Golden Tulip, na noite de domingo, assistiu a reaparição
de uma força política que esteve colocada numa posição perto da
irrelevância nos debates reais do governo, nos últimos anos — o Partido
dos Trabalhadores. Até a arquitetura do evento reservava um lugar
especial aos militantes do partido, reconhecidos, após o segundo turno,
como uma peça fundamental para enfrentar o imenso arsenal de forças
colocado a disposição de Aécio Neves. Cidadãos com bandeiras vermelhas
são uma parte previsível no cenário de cerimônias petistas desde o
Colégio Sion, onde o PT foi fundado. Mas aquilo que se viu na noite da
vitória de 2014 lembrava outros tempos do PT, quando a militância tinha
um papel real na dinâmica do partido.
A militância — palavra que na campanha incluiu petistas e muitos
não-petistas, sindicalistas, ativistas de movimentos sociais e cidadãos
que acharam que tinham o dever de resistir ao esforço do PSDB para
retornar ao comando do Estado e foram a rua impedir que isso acontecesse
— deu à campanha um tom bem mais à esquerda do que o governo Dilma em
seu cotidiano.
Foram estes militantes que fizeram um ato inesquecível de 100 000
pessoas no Recife, ajudando Dilma a levar mais de 70% dos votos de
Pernambuco, onde Marina Silva foi vitoriosa no primeiro turno e a
família de Eduardo Campos apareceu na TV para pedir votos a Aécio. Essa
força garantiu uma boa vitoria no Rio de Janeiro e uma vantagem decisiva
em Minas. Num pleito onde cada voto era uma preciosidade, o ativismo
ajudou a amenizar a derrota brutal de São Paulo. Atraiu a juventude da
periferia que foi aplaudir Dilma em Itaquera, dias antes do pleito — e
também participou do ato na PUC, e de diversas manifestações com
batuque, palavras de ordem e cerveja na Praça Roosevelt, inclusive na
véspera da votação.
Essa situação Ipode-se ver naquela noite sofrida em que se
contabilizaram os votos. Com ajuda de um teleprompter, Dilma leu aquele
que deve ter sido o mais bem acabado discurso em mais de 50 anos de vida
pública — inclusive o tempo em que pertencia a Var Palmares — perante
uma platéia numerosa, apertada, comprimida, mas feliz, atenta a cada
palavra e cada silêncio do pronunciamento da presidente. No momento em
que a presidente-candidata fez uma pausa antes de enumerar as
prioridades do segundo mandato, um militante sentado nas primeiras
fileiras de cadeira, molhado pela chuva que caía sobre Brasília naquela
hora, camisa vermelha, tronco enrolado numa bandeira do Brasil, soltou
um berro: “Reforma Politica!”, antecipando, exatamente, aquilo que a
presidente iria dizer.
A plateia também encheu o peito e ergueu os punhos para cobrar a
regulamentação dos meios de comunicação. Se essa reivindicação adquiriu
importancia cada vez maior nos últimos anos, ganhou urgência redobrada
depois que dois dias antes da votação Veja deu curso a um golpe
midiático que nada tinha a ver com jornalismo e não passava de uma
operação política destinada a prejudicar Dilma e ajudar a vitória de
Aécio Neves de qualquer maneira, acendendo uma nova onda anti-PT que a
presidente fora capaz de estancar nos últimos debates.
Na festa da vitória, os militantes olhavam desconfiados para quem, em
outros pontos da plateia, não acompanhava o coro de palavras-de-ordem
como “o povo não é bobo, abaixo a rede Globo.”
Na nova conjuntura política, iniciada com a confirmação da vitória de
Dilma, a oposição procura incluir novos pontos em debate. Interessada em
fazer o governo retornar a uma posição defensiva, sobre uma pressão
semelhante a do período anterior, quando se enxergava o fim do governo
Dilma e do PT como uma possibilidade concreta e próxima, tenta-se
construir a visão de um país “dividido”, no qual a presidente teria
autoridade apenas sobre uma parcela de cidadãos — aqueles que lhe deram
seu voto — mas não sobre o conjunto da nação, que foi as urnas no
domingo. Caso essa visão visse a prevalecer na vida prática, Dilma teria
de ignorar os compromissos de campanha e submeter sua autoridade — nova
em folha — às conveniências e opções de seus adversários, como se
petistas e tucanos tivessem resolvido formar um governo de coalizão após
uma das disputas eleitorais mais quentes de nossa história recente.
Este argumento parece sob medida para inviabilizar pela raiz certas
iniciativas da presidente, como o plebiscito para reforma política,
caminho indispensável para abrir caminho para qualquer mudança que irá
atingir os interesses econômicos que alugam o poder de Estado a seus
interesses — e pagam políticos aliados para fazer o serviço. O
plebiscito já começa a ser definidas como “bolivarianismo”, noção típica
de quem não desistiu de pensar o Brasil como uma versão só um pouco
mais sofisticada do que a Venezuela e os governos do PT como caricaturas
de Hugo Chávez.
A vitória por uma diferença magra chegou a assustar o PT. Personagens
graúdos até imaginaram o pior. Mas depois do domingo, aquela força
social que parecia sem orientação e sem grande motivação durante muitos
anos havia recuperado a própria identidade e tinha muita clareza sobre
aonde quer chegar — e essa é uma das boas novidades da vitória.
Também do Blog CONTEXTO LIVRE.
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