Ele sabia |
Quando Fábio Barbosa foi contratado para ser presidente executivo da
Abril, ele tinha a fama de ser um dos executivos mais arejados e mais
modernos do Brasil.
Era particularmente aplaudido pelas suas palavras e ações, à frente dos bancos que comandara, no terreno da sustentabilidade.
Pela imagem de executivo diferenciado, ele foi convidado a ser membro
do Conselho de Administração da Petrobras não na gestão do PSDB — mas
na do PT.
Não à toa, muita gente imaginou que Fábio Barbosa poderia exercer uma
influência transformadora sobre a Abril e, particularmente, sobre a
Veja, já àquela altura metida numa louca cavalgada pseudojornalística.
É verdade que dentro da própria Abril as expectativas eram menos
elevadas. Almocei, na ocasião, com um amigo meu dos dias em que
integrávamos o Comitê Executivo da Abril, no começo dos anos 2000.
“O que vocês esperam do Fábio Barbosa?”, perguntei.
“Ele é especialista em planejamento fiscal. A gente espera que ele faça isso para nós, agora que estamos dando muito lucro.”
Rimos. Era 2010, e a Abril tivera o maior lucro de sua história.
“Planejamento fiscal”, como sabemos todos, é uma expressão bonita para
dizer evasão de impostos. Ou, para usar a palavra justa, sonegação.
Grandes empresas multinacionais, em seu planejamento fiscal, transferem
seu faturamento para lugares em que a carga de impostos é virtualmente
nula.
Sonegam legalmente por esse expediente — uma esperteza que diversos
governos estão tentando eliminar com grande empenho nestes nossos
tempos.
Para o mundo exterior, o papel esperado de Fábio Barbosa na Abril ia
muito além, naturalmente, de buscar frestas na legislação que
permitissem à empresa pagar menos impostos.
Passado algum tempo, nada aconteceu do muro para fora. A Veja continuava a mesma.
Mas havia uma explicação razoável para eximir Barbosa de responsabilidade: Roberto Civita estava vivo e atuante.
RC, como o chamávamos, sempre dedicou a maior parte de seu tempo na Abril à Veja — o grande amor de sua vida.
Todo o resto do que foi o império Abril era pouco, ou quase nada, para RC diante da Veja.
Ele tinha uma reunião nas noites das quintas-feiras com o diretor da
revista, na qual as coisas essenciais de política e economia na edição
em curso eram acertadas.
Na gestão de JR Guzzo, durante parte da qual trabalhei na Veja, lembro
do telefone vermelho que se destacava na mesa do diretor de redação.
Era, como tantas outras coisas na vida de RC, um simbolismo americano.
Aquele aparelho servia exclusivamente para ligações de RC para Guzzo.
Só tocava em momentos especiais, como o telefone vermelho que na Casa
Branca da Guerra Fria era reservado a contatos com o comando supremo da
União Soviética.
Tudo isso posto, era compreensível que, sob RC, Fábio Barbosa nada fizesse para tirar a Veja da delinquência editorial.
Mas as circunstâncias mudaram com a morte de Roberto Civita.
Seus filhos, Gianca e Titi, substituíram o pai. Nem um e nem o outro
jamais tiveram pretensões jornalísticas, e então era o momento certo
para algum tipo de mudança.
Aqui, confesso, tive alguma expectativa. Gianca — sob cuja chefia
trabalhei um curto período — é uma pessoa que ouve o que os outros têm a
dizer, e se rende a argumentos convincentes.
Cheguei a escrever que algo poderia ocorrer de novo na linha da Veja,
pós-RC. Uma semana depois, estava claro que as coisas continuaram
iguais.
Mudar uma revista não é difícil, ao contrário do que muitas pessoas possam imaginar.
Mudei muitas ao longo de minha carreira.
Você tem que saber o que quer e o que não quer, e conversar sobre isso com o diretor de redação e seus principais editores.
Depois, na edição seguinte, você lê e vê se as novas diretrizes foram ao menos parcialmente cumpridas.
Se sim, ótimo. Mais conversas vão acelerar as mudanças desejadas.
Se não, fica claro que você, para mudar a revista, tem que mudar seu
diretor. Para o resto da redação, a mensagem é imediatamente percebida:
não queremos mais a mesma coisa.
Morto Roberto Civita, e aberta portanto a chance de transformações fundamentais, nada aconteceu.
Imaginei, num primeiro instante, que de alguma forma Fábio Barbosa
estivesse alijado de decisões editoriais, como sempre aconteceu com
presidentes executivos na Abril sob RC.
Lembro que Maurizio Mauro, presidente executivo vindo da Booz Allen, se martirizava por não ter ação nenhuma na área editorial. Ele não sabia sequer qual a capa da Veja que chegaria no sábado às bancas.
Viveria Barbosa no mesmo regime?
Soube que não — depois da morte de Roberto Civita.
Amigos meus da Exame, onde vivi meus melhores anos na Abril, me
contaram que Fábio Barbosa participava de reuniões editoriais regulares
nas quais se discutia o conteúdo da revista.
Na Veja, o mesmo ocorria.
Num recente boletim executivo da Abril, isso se tornou público. Fábio
Barbosa era tratado ali, oficialmente, como coordenador editorial da
Veja e da Exame.
Chequei com colegas meus dos dias de Comitê Executivo.
“Ele adora dar a amigos empresários detalhes das coisas que a Veja vai dar na próxima edição”, me contou um daqueles colegas.
Me veio à mente Roberto Civita: seus olhos brilhavam quando ele
antecipava, a uns poucos eleitos, os “furos” da Veja que chacoalhariam a
República.
Logo, Fábio Barbosa é tão responsável pelo que a Veja faz quanto os
dois filhos de Roberto Civita e o diretor de redação, Eurípides
Alcântara.
A capa criminosa das vésperas das eleições não teria saído sem a anuência desse quarteto do qual Barbosa faz parte.
A Veja era Roberto Civita.
Morto Roberto Civita, a Veja é Gianca,Titi, Fábio Barbosa e Eurípides Alcântara.
Qualquer tentativa de Fábio Barbosa, agora que a casa caiu, de se
eximir de responsabilidade será apenas falácia, cinismo e mentira — tudo
aquilo, aliás, que vem pautando o comportamento da Veja.
Paulo Nogueira
No DCM
Nenhum comentário:
Postar um comentário