quarta-feira, 29 de outubro de 2014

“Democratização de meios de comunicação se impõe”


Para Wanderley Guilherme dos Santos, enquanto sociedade se tornou plural, mídia se concentrou, tornando-se obstáculo a formação de consensos necessários ao país
Costumo entrevistar Wanderley Guilherme dos Santos, desde a década de 1980, quando o país vivia sob o governo de José Sarney. Wanderley é um dos principais pensadores do país de hoje e já perdi a conta de quantas conversas tivemos, desde então. Foram três entrevistas apenas na campanha presidencial de 2014. A primeira, no início, permitiu ao professor mostrar o que estava em jogo na eleição. Na seguinte, logo após o segundo turno, Wanderley fez uma avaliação do primeiro mandato Dilma e apresentou bons argumentos a favor da reeleição. A terceira entrevista foi feita ontem, por escrito, logo após a quarta vitória do PT em eleições presidenciais.

Wanderley acredita que a democratização dos meios de comunicação é um debate que vai se impor a partir de 2015. Sua visão vai além da abordagem política mais conhecida, que condena o pensamento único que dirige os principais jornais revistas e emissoras de TV porque não reflete a pluralidade em vigor na sociedade brasileira. Sem deixar de criticar essa situação, Wanderley aprofunda o debate. Mostra que a concentração da mídia produz prejuízos bem maiores. Representa um obstáculo poderoso ao amadurecimento político do país. Em vez de estimular a formação de consensos em diversas áreas, que poderiam auxiliar no progresso social e na tomada de decisões de interesse geral, os meios de comunicação estimulam a formação de linhas de conflito inegociáveis entre grupos e setores sociais. Ajudam a definir posturas sectárias e criam um radicalismo artificial, sem base na vida real.

Impossível discordar — quando se recorda o jogo dos meios de comunicação na campanha presidencial.

A entrevista:

— Após a quarta vitória consecutiva do PT numa eleição presidencial, um fato inédito em nossa história, qual deveria ser a prioridade do governo Dilma a partir de agora?

As prioridades do governo devem incluir avanços na preocupação social, com a consolidação das leis sociais, por exemplo, e uma revisão da estrutura tributária tornando-a menos regressiva. Não acredito na visão de que projetos mais ousados — como um imposto sobre grandes fortunas — não seriam recomendáveis face ao resultado das eleições. Creio que podem muito bem servir de reanimação ao eleitorado progressista, reduzindo a abstenção e os votos nulos e brancos em próximas eleições.

— O que também poderia ser feito?

Uma revisão profunda da máquina burocrática é absolutamente indispensável, tanto pela investigação do que existe de desperdício pela via da corrupção quanto pela via da ineficiência, uma das raízes, aliás, dos convites à corrupção. Simultaneamente, será obrigatório o desenho de medidas que protejam a economia brasileira da grave crise internacional, o que implica em coordenar esforços públicos e privados. O diálogo com os representantes dos setores do sistema econômico é inevitável. E no mesmo espírito de formação de consensos operacionais, impõe-se uma discussão para viabilizar a democratização dos meios de comunicação.

— Por que não é possível adiar a democratização dos meios de comunicação?

Enquanto a sociedade se torna mais pluralista, como as eleições demonstram, os meios de comunicação se concentram e se mostram obstáculos à formação de consensos operacionais, tentando introduzir linhas de conflito inegociáveis entre grupos e segmentos sociais e econômicos. Não é possível governar democraticamente uma sociedade com uma imprensa amordaçada por interesses oligárquicos como é o caso brasileiro. É crucial produzir a liberdade de imprensa do mundo moderno, até hoje ausente do país que se moderniza em outras dimensões.

— A oposição diz que o país saiu “dividido” das eleições.

O Brasil saiu dividido depois das eleições entre vitoriosos e perdedores, como é costume em democracias. A geografia heterogênea das votações dificulta afirmar a existência de outros eixos de divisão. Com certeza, segmentos de eleitores beneficiados por políticas de governo tendem a votar em seus candidatos. Os governos do Partido dos Trabalhadores têm dado prioridade à descentralização econômica e à distribuição de renda. É natural que seja alta a probabilidade de que tenha obtido mais votos em áreas territoriais e econômicas beneficiadas pela orientação do governo.

— Os sindicalistas perderam um numero expressivo de cadeiras no Congresso. Como explicar isso?

Os sindicalistas perderam cadeiras no Congresso, o PSDB, conservador, aumentou sua bancada na Câmara dos Deputados e o DEM, ultra-direita quase desapareceu. Não há um só princípio ideológico orientando sistematicamente todos os eleitores. Muitos mudam de opinião de uma eleição para outra e essa é uma das razões que fazem da democracia um sistema de negociações entre múltiplos interesses e vitórias não antecipadas. O eleitor brasileiro distingue os diferentes níveis de eleição – presidencial, senatorial, governo estadual, prefeitos, deputados federais, estaduais e vereadores – e com isso o mosaico das casas de representação e os variados níveis de votação majoritária é muito complexo. Não existe no Brasil a arregimentação quase que militar que ocorre na mobilização partidária de sociedades menos democráticas. Em outras palavras: não há superposição de eixos de conflito na sociedade brasileira, com força suficiente para fender a população em dois grupos antagônicos e irreconciliáveis. Daí que os vencedores em eleições presidenciais tenham que se haver com governos estaduais e municipais, além das câmaras representativas, de inclinações diferentes da sua. É o caso, mais uma vez, das eleições de 2014. Há governadores, senadores e bancadas de deputadas com compromissos partidários os mais diversos. Isso é, ao mesmo tempo, efeito e custo democráticos, pois a representação de múltiplos interesses impede a tentativa de qualquer uniformização anti-democrática da sociedade, e ao mesmo tempo impõe custos em tempo de negociação e formação de consensos operacionais.



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