A observação crítica da imprensa brasileira ajuda a compreender certos meandros da política nacional que a narrativa jornalística não consegue descrever ou não tenciona explicitar. É como olhar um quadro impressionista: de longe, ou de média distância, as cores vibrantes revelam o universo intenso que o pintor pretendeu mostrar; de perto, o que se vê são apenas pintas coloridas.
Na arte, deixa-se o espaço entre pontos e pinceladas para o admirador
preencher com sua imaginação. No jornalismo impressionista, tenta-se
retratar a realidade com impressões subjetivas.
O que na arte é qualidade, no jornalismo resulta em pobreza de
linguagem e de raciocínio, eliminação de sutilezas e redução da
diversidade possível na interpretação dos eventos. O que na arte é
indução ao imaginário do apreciador, na imprensa é ação manipuladora,
tentativa de condicionar sua compreensão.
Assim como na arte, também no jornalismo a eficiência da mensagem vai
depender de como o autor seleciona e organiza os signos com os quais
pretende contar uma história. No quadro impressionista, os pontos de
cores vibrantes querem emocionar. No jornalismo impressionista, as
expressões vibrantes querem convencer.
Curiosamente, quando os principais jornais brasileiros passaram por
mudanças, na segunda metade dos anos 1980, o ponto de partida foi o
“Projeto Folha”, pelo qual a renovada diretoria do diário
paulista pretendeu romper com o jornalismo intenso que havia marcado o
curto período de reação contra o decadente regime militar.
Empurrados pelos repórteres — e à revelia de alguns editores — os
jornais haviam embarcado na campanha das “Diretas” e abriam espaço para a
recuperação de valores democráticos, como a defesa dos direitos
humanos. Os reformadores da Folha chamavam esse voluntarismo de “jornalismo impressionista”.
A partir de 1985, quando as forças conservadoras se reorganizavam para
evitar que uma nova Constituição avançasse com uma agenda progressista,
os jornais trataram de conter o protagonismo dos repórteres,
reestruturando as redações para fortalecer os editores e centralizar o
fluxo de decisões. Esse movimento condicionou a Constituinte de 1988 e
criou o sistema partidário que hoje é condenado pela sociedade.
Uma nova manobra
Olhemos, então, o quadro que a imprensa nos apresenta neste período
pós-eleitoral e, no detalhe, o que se lê e se vê nas edições de
quarta-feira (5/11).
Depois de estimular o radicalismo que brotou dos ressentidos com a
derrota nas urnas, dando voz inclusive a pedidos de impeachment da
presidente reeleita e amplificando a gritaria das viúvas da ditadura, os
diários de circulação nacional passam a impressão de que são os
derrotados que abrandam o ambiente político, apesar do ânimo beligerante
dos atores que o noticiário havia selecionado nos dias anteriores.
Então, quem é que surge nas primeiras páginas como o portador do
discurso da temperança e da responsabilidade política? O senador Aécio
Neves, candidato derrotado à Presidência da República. Depois de se
valer dos pitbulls que vocalizam na mídia tradicional e nas redes
sociais o discurso antidemocrático, ele é apresentado pela imprensa como
o líder democrata, desautorizando publicamente aqueles que pregam a
ruptura. Seu interesse — legítimo — é liderar o campo de centro-esquerda
que se opõe ao atual governo.
Enquanto isso, como se apresenta o Partido dos Trabalhadores? Com um
discurso anacrônico, porque perdeu o tempo de agir, aparece na mídia com
um chamamento à militância para a luta contra os radicais apoiadores
de Aécio Neves. Os jornais, evidentemente, destacam a manifestação
oficial do partido que apoia o Executivo federal, naquilo que tem de
mais ruidoso: o desastrado título dado ao documento: “Militância, às
armas!” O Estado de S. Paulo, por exemplo, posicionou a
reportagem sobre o tema embaixo de um artigo que explora a aparente
contradição entre o discurso conciliador da presidente reeleita e a
disposição aguerrida de seu partido.
De perto, os pontos coloridos do noticiário mostram que o Partido dos
Trabalhadores não tem uma estratégia de comunicação adequada para
interagir com os meios digitais: quando chega com a resposta, o assunto
já mudou. De média distância, o quadro impressionista pintado pela
imprensa quer dizer ao público que o candidato derrotado defende o
respeito à decisão democrática das urnas, enquanto seus oponentes
alimentam a briga de rua. De longe, vista no contexto pós-eleitoral, a
cena pode ser interpretada como manobra para condicionar a reforma
política e impedir plebiscitos e referendos.
Luciano Martins Costa
No OI
Do Blog CONTEXTO LIVRE.
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