quarta-feira, 31 de março de 2010

ANOS DE CHUMBO - Chomsky e o golpe de 64

quarta-feira, 31 de março de 2010

Chomsky diz que o barbarismo do nosso tempo começou com o golpe de 1964 no Brasil

Ao receber o prêmio Erich Fromm 2010, no último dia 23 de março, em Stuttgart, na Alemanha, Noam Chomsky procedeu à leitura de seu discurso “The evil scourge of terrorism”: Reality, construction, remedy” (O perverso flagelo do terrorismo: Realidade, construção e remédio).

Em vigorosa explanação, ele detalha o mecanismo do terrorismo atual, a partir e após o governo Reagan, vasculhando também nos governos Eisenhower e Kennedy.

Os golpes, invasões, as mazelas da CIa e inteligência militar usadas contra Cuba, Nicarágua, El Salvador, Líbia, Irã, Afeganistão,Teologia da Libertação, Argentina, Chile, Brasil, são expostos como partes da estratégia e campanha dos governos norte americanos de deter a conscientização dos povos para a libertação do seu domínio. Campanha esta que teria terminado somente alguns dias depois da queda do muro de Berlim, em 1989, com o assassinato de jesuítas em El Salvador.

Aqui tradução livre de alguns trechos que nos tocam diretamente:

“À parte Cuba, a praga do estado de terror no hemisfério ocidental foi iniciada com o golpe basileiro em 1964, instalando a primeira de uma série de Estados neo-nazi de Segurança Nacional e inciando uma praga de repressão sem precedente no hemisfério, sempre fortemente apoiados por Washington, fonte de uma particularmente forma de estado-dirigente de terrorismo insternacional. A campanha foi em substancial medida, uma guerra contra a Igreja. Foi mais do que simbólico que culminou no assassinato de seis intelectuais dirigentes latino americanos, padres jesuítas, em Novembro de 1989, poucos dias depois da gueda do muro de Berlim. Eles foram mortos por uma elite do batalhão salvadorenho, recentemente retreinados na Escola de Forças Especiais John F.Kennedy, na Carolina do Nort. Como foi aprendida no último Novembro, mas aparentemente não despertou interesse, a ordem para o assassinato foi assinada pelo chefe do staff e seus associados, todos eles tão estritamente conectados com o Pentágono e a Embaixada dos Estados Unidos, que se tornou muito difícil imaginar que Washington estava alheio aos planos de seu batalhão modelo. A força de elite já tinha deixado um rastro de sangue das vítimas usuais através de hedionda década de 1980 em El Salvador, que se iniciou com o assassinato do Arcebispo Romero, “a voz dos sem voz”, pelas mesmas mãos.

O assassínio dos padres jesuítas foi um duro golpe para a teologia da libertação, o notável reviver do Cristianismo iniciado pelo Papa João XXIII, no Vaticano II, que ele iniciou em 1962, no evento que “introduziu uma nova era na história da Igreja Católica”, nas palavras do renomado teólogo e historiador do cristianismo Hans King. Inspirado pelo Vaticano II, os Bispos da América Latina adotaram “a opção preferencial pelos pobres”, reavivando o pacifismo radical dos Evangelhos que tinham sido eliminados quando o Imperador Constantino estabeleceu o cristianismo como a religião do Império Romano – “a revolução” que converteu “a igreja perseguida” para uma “igreja perseguida”, nas palavras do Rei. No pós-Vaticano II, atentos para reviver o Cristianismo do período pré-Constantino, padres, freiras e leigos levaram a mensagem dos Evangelhos para os pobres e os perseguidos, trouxeram-nos juntos em “bases comunitárias” e os encorajaram a levar seus destinos com suas próprias mãos e trabalharem juntos para acabar a miséria da sobrevivência em brutais domínios de poder dos Estados Unidos.

A reação para essa grave heresia, não estava longe de vir. A primeira desculpa foi o golpe militar no Brasil em 1964, derrubando um governo algo democrático social e instituindo um regime de tortura e violência. A campanha terminou com o assassínio dos jesuítas intelectuais 20 anos atrás. Tem havido muito debate sobre quem merece crédito pela queda do muro de Berlim, mas não há nenhum sobre a responsabilidade pela brutal demolição da tentativa para reviver a igreja dos Evangelhos. A Escola de Washington das Américas, famosa por seu treinamento de matadores latino americanos, orgulhosamente anunciou uma vez, entre os seus itens listados, que a teologia da libertação foi derrotada com a assistência da armada dos Estados Unidos — dado uma mão, sem dúvida ao Vaticano, usando os mais gentis meios de expulsão e supressão.

Como recordam, o último novembro foi dedicado à celebração do 20º aniversário da liberação do leste da Europa da tirania russa, uma vitória das forças do “amor, tolerância,não violência, o espírito humano e perdão”, como Vaclav Havel declarou.Menos atenção – de fato, virtualmente zero – foi devotada para o brutal assassinato de seus contrapartes salvadorenhos, poucos dias depois que o muro de Berlim caiu. E eu duvido que alguém poderia mesmo achar uma alusão para o que aquele brutal assassinato significou: o fim de uma década de terror vicioso na América Central e o triunfo final do “retorno ao barbarismo do nosso tempo”, que se iniciou com o golpe brasileiro de 1964, deixando muitos mártires religiosos em sua vigília e terminando a heresia iniciada no Vaticano II – não exatamente uma era de “amor, tolerância, não violencia, o espírito humanitários e perdão.”

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