Do
Viomundo - 13 de novembro de 2011 às 11:49
Frei Betto, Adital, sugerido por
Fernando Rossas
Lula
é, hoje, a voz do Brasil. De modo especial, a voz dos que não têm
voz. Nenhum brasileiro tem, no exterior, tanta audiência. Os chefes de
Estado prestam atenção no que ele diz, inclusive Dilma Rousseff.
Universidades
dos cinco continentes o homenageiam com o diploma de doutor “honoris
causa”. Empresários, dentro e fora do Brasil, querem conhecer seu
ponto de vista sobre a conjuntura. Organismos internacionais se
interessam pelo modo como o seu governo combateu a fome e reduziu a
desigualdade social no Brasil.
A vida é imprevisível. Frágil
como uma folha seca. E o futuro a Deus pertence. Súbito, Lula vê-se
afetado por um câncer na laringe. Até parece que a natureza decidiu
atingi-lo em seu calcanhar de Aquiles. Como ocorreu ao pianista João
Carlos Martins, cujos dedos das mãos, afetados por uma sucessão de
problemas de saúde, quase o obrigaram a se afastar da música. Hoje,
ele é reconhecidamente um exímio regente.
O câncer parece
perseguir os chefes de Estado: Lugo, Chávez, José Alencar… Lula é
feito da mesma matéria-prima de Alencar. Os dois foram dotados de um
imbatível otimismo frente à vida, sustentado por consistente fé
cristã. Como Alencar, Lula se sabe predestinado – não no sentido
messiânico que o termo possa sugerir, e sim como resultado de uma
convergência de fatores que o levaram à vida pública e, graças à
sensibilidade social trazida de berço, se empenha em minorar a
desigualdade social e promover uma ampla política de inclusão dos
empobrecidos.
Todo o poder de comunicação de Lula se centra na
voz. Ele nasceu brindado pelo dom da oratória. Lembro do início de
nossa amizade, nas grandes assembleias metalúrgicas do ABC, no estádio
da Vila Euclides, nos primeiros anos da década de 1980. Lula, antes
de sair de casa, elencava num pedaço de papel os temas a serem
abordados em seu discurso de encerramento da concentração operária.
Era sempre o último a falar. Seu discurso marcava a culminância da
assembleia.
Ocupado o palanque, iniciava-se a sucessão de
pronunciamentos: diretores do sindicato dos metalúrgicos, líderes
operários, advogados trabalhistas, políticos… À medida que o ato
avançava, os pontos elencados por Lula brotavam da boca dos oradores
que o precediam. Eu me sentia aflito por ele, preocupado se, ali no
palanque, ele teria ideia de outros temas que ninguém tivesse
abordado.
Terminada a lista de oradores, a palavra de coroamento
da manifestação cabia a Lula. Todos prestavam silenciosa atenção,
como se cada uma de suas frases devesse ser absorvida pela multidão.
Então, Lula surpreendia. Não por arrancar da cartola retórica, como um
mágico, temas inéditos. A pauta era a mesma. A novidade consistia no
modo como a abordava.
Não falava com a cabeça, e sim com o
coração. Não proferia teorias nem se perdia na ênfase de frases
demagógicas. Discursava a partir de experiências oriundas de sua
trajetória pessoal, criava parábolas, contava “causos”. Exortava,
advertia, expressava metáforas bem humoradas, destilava ironias em
torno da ditadura, caricaturava ministros e empresários, cobrava de
cada grevista empenho na mobilização, atiçava os brios éticos da massa
trabalhadora. Seu pronunciamento soava mais moral do que político.
Sua voz inflamava a assembleia.
Agora, a voz padece. Descansa.
Exige cuidados. Lula, como ocorre às águias ao atingirem 40 anos de
idade, se recolhe à montanha para adquirir novo vigor. E, em breve,
retomar seu voo por uma política, no Brasil e no mundo, centrada no
fim da miséria e da pobreza – onde a sua vida teve início.
*Frei Betto é
escritor, autor, em parceria com Marcelo Gleiser e Waldemar Falcão,
de “Conversa sobre a fé e a ciência” (Agir), entre outros livros. http://www.freibetto.org/ – twitter:@freibetto
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