Leandro Fortes
Faz enorme sucesso na Praça Vilaboim, em Higienópolis, e nos editoriais dos velhos jornalões de papel.
No mundo real, soa como uma piada antiga, roteiro de uma chanchada ultrapassada.
O artigo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre a herança do
governo Lula à presidenta Dilma Rousseff não é só uma pérola do
ressentimento, embora seja possível reduzi-lo quase a isso. Na verdade,
antes fosse somente isso. O texto, amargo e transbordado de inveja,
revela no todo um traço comum à oposição no Brasil, desde a posse do
ex-metalúrgico, em 2003, e a eleição de sua sucessora, em 2010: o
absoluto descolamento da realidade.
Há muitas nuances nesse fenômeno, mas a causa central se encontra no
círculo fechado no qual políticos e intelectuais oposicionistas,
sobretudo do PSDB, buscam informações e trocam impressões sobre a
política e a vida em geral. Esse círculo, formado pelos setores mais
conservadores da mídia e seus batalhões de colunistas há muito se
mostrou incapaz de retratar a diversidade social brasileira, por
incapaz de enxergá-la, compreendê-la e, por isso mesmo, reproduzi-la.
FHC é um produto direto dessa relação. Desde sua primeira candidatura,
em 1994, pongado no sucesso do Plano Real, acostumou-se ao palanque
seguro montado pelo baronato da imprensa brasileira, que o apoiou como
um bloco inexpugnável, num movimento mais fechado até do que o apoio
dado, 30 anos antes, aos militares que desfecharam o golpe de Estado de
31 de marco de1964. Os donos da mídia, claro, não se perfilaram
incondicionalmente. Assim o fizeram em troca de favores e negócios, em
um alinhamento ideológico de defesa do grande capital e das diretrizes
de então, pautadas pelo chamado Consenso de Washington, carro-chefe da
locomotiva neoliberal que iria atropelar o Brasil e a América Latina,
transformando essa parte do mundo em um laboratório de produção de
miséria humana, corrupção e ataque ambiental predatório.
O ex-presidente aproveitou dois momentos de fragilidade política, um do
PT, outro do PSDB, para exercer sua conhecida veia oportunista que tanto
o levou à Presidência, em 1994, como quase transformou o barco tucano
em Titanic, em 1992, quando se tornou comandante do grupo que pretendia
se agregar ao governo Fernando Collor às vésperas do impeachment. Não
fosse pela sabedoria e visão política de Mário Covas, FHC teria enfiado
todos pelo cano.
A fragilidade do PT, obviamente, é o julgamento do mensalão e sua
escandalização diária pela mídia. Certo de que ainda conta com a
blindagem do baronato que o ajudou a se eleger duas vezes, FHC é capaz
de falar sobre o tema nesse tom de falso moralismo que também dá
chancela aos discursos do senador Álvaro Dias, do PSDB, e permite a
outro senador, Agripino Maia, do DEM, servir de fonte para jornalistas
que fingem se indignar com esquemas de corrupção.
Fernando Henrique, como se sabe, foi reeleito, em 1998, graças a um
esquema de compra de votos no Congresso Nacional. Esquema denunciado
pela Folha de S.Paulo (mas para sempre esquecido por ela) que resultou
na cassação de dois deputados, mas não trouxe consequência alguma. Na
Procuradoria Geral da República estava Geraldo Brindeiro, o
“engavetador-geral”, figura de proa do udenismo tucano ali mantido por
oito anos, a fazer o serviço do entourage que lhe garantia o soldo.
A fragilidade do PSDB é o derretimento político-eleitoral de José Serra,
a quem FHC nitidamente não suporta. Sentimento, aliás, que compartilha
com o senador Aécio Neves, do PSDB de Minas Gerais. Transformado, desde
as baixarias da campanha de 2010, em uma caricatura de si mesmo, Serra
perdeu o resto de respeito e apoio que tinha dentro do partido, embora,
curiosamente, continue encarado como tábua de salvação pela mídia
nacional movida ora pela nostalgia dos tempos pré-internet, ora por um
sentimento antipetista similar a uma catapora infantil. Assim, tucano
travestido de fênix, FHC apoia-se nas cinzas de Serra para tentar
renascer politicamente.
Faz enorme sucesso na Praça Vilaboim, em Higienópolis, e nos editoriais dos velhos jornalões de papel.
No mundo real, soa como uma piada antiga, roteiro de uma chanchada ultrapassada.
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