A campanha à reeleição de Fernando Henrique Cardoso é considerada por
especialistas a mais cara da história do país e nasceu contaminada.
Segundo denúncia publicada na época pela Folha de São Paulo, a aprovação
da emenda que possibilitou a reeleição contou com a compra do voto de
vários parlamentares na Câmara dos Deputados, por R$200 mil cada um.
Quem não sabe como são feitas as salsichas, as leis e as eleições? A
novidade é que parte do Ministério Público e parte do Supremo Tribunal
Federal resolveram julgar o “caixa dois”, feito para as eleições
municipais de 2004, curvando-se à versão sobre o “mensalão” criada por
Roberto Jefferson, pela oposição e por parte da imprensa que sempre
tratou o PT como um intruso na política brasileira. Um precedente
perigoso que coloca o STF acima dos demais poderes da República. O alvo é
o PT. Destruir o PT.
Afinal, a elite não acreditava que os de baixo fossem capazes de se
organizar num partido politico de massa para fazer a luta social e
eleitoral no país das desigualdades. Naquela eleição, em 2004, apesar de
tudo, a esquerda cresceu eleitoralmente e em seguida reelegeu Lula.
Agora, como num delírio narcísico diante do espelho (câmeras de TV,
internet) ministros do STF, enrolados nas suas capas pretas, parecem
fazer o jogo de setores da imprensa, que querem fazer valer a todo
custo a versão do “Mensalão” e patrocinam um triste espetáculo. A
hipocrisia, o cinismo aparecem reluzentes nas faces de alguns
inquisidores como se o financiamento de campanhas eleitorais por meio
de “caixa dois” fosse uma invenção do PT. As câmeras têm revelado com
riqueza de detalhes aspectos sombrios do caráter de personagens
centrais do julgamento no STF.
As investigações foram cirúrgicas e não foram além da superfície do
sereno mar que encobre o financiamento das campanhas eleitorais de todos
os partidos políticos. Não há nenhum questionamento sobre os demais
partidos, como se os de oposição (PSDB, DEM, PPS) tivessem financiado as
eleições de 2004 na mais perfeita ordem.
Especialistas da Universidade de São Paulo (USP) calcularam que nas
eleições municipais de 2004 cerca de 400 mil políticos empregaram algo
em torno de 12 milhões a 16 milhões de trabalhadores, para disputar 55
mil vagas de vereador e 5.600 cargos de prefeito no país.
A infraestrutura das campanhas eleitorais municipais de 2004 -
propaganda dos candidatos veiculada pelos mais variados meios de
comunicação - comícios, shows, alugueis, equipamentos de comitês
eleitorais, assessores, enfim, custou cerca de 5 bilhões de reais. O
total gasto atingiu a cifra de 41 reais por eleitor. Especialistas
estimam que, por baixo, mais da metade do dinheiro envolvido em
campanhas não aparece nas prestações de contas.
Cerca de 70% a 80% das despesas dos candidatos não foram registradas
como manda a lei. O que daria em média geral 1 real para o caixa oficial
e 3 reais para o caixa dois. Quem adota o caixa dois costuma dizer que
as contribuições sem registro são feitas a pedido dos contribuintes
que não querem se expor como se o problema fosse a Lei Eleitoral.
O professor David Samuels, da Universidade de Minnesota, pesquisador do
processo eleitoral no Brasil, analisou o perfil de doadores oficiais a
partir dos registros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e chegou a
conclusão que as candidaturas a presidência da República são financiadas
com maior volume de recursos do setor financeiro e da indústria
pesada, como a de aço e a petroquímica. Isso porque a Presidência da
República é quem responde pela macroeconomia (juros, tarifas, câmbio e
política de exportação). Além disso, lida com marco regulatório e
concessão de subsídios. Os setores financiadores das campanhas à
presidência da República costumam ser os mesmos das candidaturas ao
Senado Federal e à Câmara dos Deputados porque os assuntos tratados no
Senado e na Câmara são também do âmbito da União; já as candidaturas a
governador recebem mais recursos de empreiteiras, isso porque as
grandes obras estão mais concentradas nos Estados; os candidatos a
prefeito e vereador recebem mais recursos das empresas de transporte e
de coleta de lixo.
A campanha à reeleição do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é
considerada por especialistas a mais cara da história do país e nasceu
contaminada. Segundo denúncia publicada na época pelo jornal Folha de
São Paulo, assinada pelo repórter Fernando Rodrigues, a aprovação da
emenda que possibilitou a reeleição contou com a compra do voto de
vários parlamentares na Câmara dos Deputados, por R$ 200 mil cada um.
Naquele momento, Sérgio Motta, ministro das Comunicações havia declarado
que o projeto dos tucanos era permanecer no poder por no mínimo 20
anos. Disse isso depois das privatizações dentre outras áreas, a de
telecomunicações.
No início da campanha presidencial de 1998, o comitê eleitoral
responsável pelas articulações da reeleição do presidente Fernando
Henrique Cardoso elaborou um orçamento minucioso de gastos e concluiu
que, para cobrir todas as despesas do pleito, seria necessário R$ 73
milhões. Esse orçamento prévio foi comunicado ao Tribunal Superior
Eleitoral.
Passadas as eleições o comitê fez as contas e encaminhou a declaração
oficial de doações ao TSE, informando que o total arrecadado e gasto na
campanha foi de R$ 43,022 milhões. A revista Época, de 30 de novembro
de 1998, informou que a equipe que cuidou das finanças, coordenada pelo
ex-ministro Bresser Pereira, dias depois do envio da lista ao
Tribunal, refez as contas e concluiu que os gastos foram R$ 45,931
milhões, uma quantia muito superior ao total declarado ao TSE.
Esse desencontro de valores, entre o que se arrecadou, o que se gastou e
o que se declarou ao TSE jamais foi explicado pelos coordenadores.
Paira sobre esse assunto uma nuvem de mistério. Curioso é que na
campanha de 1998 o candidato Fernando Henrique Cardoso viajou menos, fez
menos comícios do que em 1994, mas gastou R$ 10 milhões a mais.
Bresser Pereira conta que, diante do volume das dívidas deixadas pelo
comitê, ele foi obrigado a reunir a equipe financeira e colocá-la de
novo em campo para arrecadar mais dinheiro dos empresários para cobrir o
rombo.
A revista Época informou ainda que as solicitações foram deliberadamente
concentradas nos grupos empresariais que compraram as estatais. Na
segunda quinzena de outubro daquele ano (período proibido pela lei)
foram arrecadados R$ 8,2 milhões. Essa decisão foi absolutamente ilegal e
contrariou a legislação eleitoral, mas mesmo assim a arrecadação de
recurso foi feita.
Dentre as empresas que doaram recursos após o pleito, constam a Vale do
Rio Doce, Companhia Petroquímica do Sul (Copesul) e Telebras. As
subsidiárias da Vale do Rio Doce doaram R$ 1,5 milhão. Os donos da
Copesul, R$ 1 milhão e os grupos La Fonte/Jereissati/Andrade Gutierrez e
Inepar, que haviam comprado as empresas do sistema Telebras, doaram R$
2,5 milhões. No final da ofensiva dos coletores, os dirigentes do
comitê disseram que ficou faltando R$ 2,9 milhões para liquidar as
contas.
Na mesma matéria, a Época destacou o setor financeiro como o que mais
contribuiu para a campanha à reeleição de Fernando Henrique Cardoso. Em
1994, os banqueiros deram R$ 7,1 milhões. De cada R$ 10,00 que entraram
no caixa da campanha, R$ 4,30 originaram do setor financeiro. Em 1998,
a aposta do setor no candidato à reeleição atingiu 43% (R$ 18,6
milhões) mais que o dobro da campanha anterior. Apenas cinco
conglomerados financeiros contribuíram com quase R$ 10 milhões.
Somados, responderam por 66,1% das doações feitas pelo setor financeiro
e 28,6% do total de contribuições declaradas na campanha presidencial,
informou a revista.
As controvérsias sobre o financiamento da milionária campanha à
reeleição de Fernando Henrique Cardoso não pararam por aí. Para
complicar ainda mais a vida do tucanato a Folha de São Paulo, de 12 de
novembro de 2000, publicou uma vasta matéria com informações
comprometedoras, obtidas de planilhas eletrônicas datadas de 30 de
setembro de 1998, vazadas do comitê eleitoral do candidato tucano. Essas
planilhas revelam a existência de uma contabilidade paralela de
arrecadações e gastos da campanha. O jornal informou que pelo menos R$
10,120 milhões deixaram de ser declarados ao TSE e que, de cada R$ 5,00
arrecadados R$ 1,00 era desviado para uma contabilidade particular
desconhecida.
Além dos R$ 10,120 milhões não declarados oficialmente ao Tribunal,
feitos os cálculos, tomando por base a planilha completa, ficou de fora
R$ 4,726 milhões, doados por empresas que constam da lista do TSE, com
valores menores do que os da planilha, que aparecem sob a rubrica de
uma associação de classe de empreiteiros. O dinheiro arrecadado pelo
comitê financeiro, descrito em 34 registros na planilha principal
obtida pelo jornal, totalizara R$ 53,120 milhões. Vale lembrar que na
data constante da planilha, a qual os repórteres tiveram acesso, o
comitê ainda não havia registrado todas as contribuições o que leva a
crer que o volume de recursos não declarados devia ser muito maior,
levando em consideração que o orçamento estimado inicialmente pelo
comitê para os gastos, e comunicado ao TSE, era de R$ 73 milhões.
Nota-se que havia margem suficiente para declarar os recursos constantes
na contabilidade paralela em questão e a equipe financeira não o fez.
As razões não foram esclarecidas à imprensa, que insistentemente tentou
sem sucesso obter explicações dos responsáveis pelas contas. Toda essa
história acabou envolta num manto de mistério.
A imprensa, na época da divulgação das planilhas pelo jornal, andou
escarafunchando a lista de contribuintes da campanha da reeleição e
trouxe à baila informações preciosas. Os colaboradores ao ver seus nomes
e os nomes de suas empresas publicados nos jornais não conseguiram
esconder o constrangimento. Muitos deles acabaram dando informações
contraditórias. A lista mais parecia um condomínio de interesses
escusos. A maior doação constante na planilha publicada foi de R$ 3
milhões e não está registrada no TSE.
O jornal atribuiu à época essa contribuição ao então ministro da
Secretaria de Comunicação da Presidência, Andrea Matarazzo. Ele negou
dizendo que não participou do grupo de arrecadadores e que apenas
realizou alguns jantares com empresários. Mas, membros da equipe
financeira como Bresser Pereira e o publicitário Luiz Fernando Furquim
afirmam que Andrea Matarazzo fazia parte sim do grupo de coletores. Um
detalhe: na planilha não consta registro da procedência do dinheiro.
O publicitário Roberto Duailibi, dono da agência DPZ, em entrevista à
Folha de São Paulo, disse no primeiro momento que havia contribuído com
R$7.500 mil. Quando ficou sabendo que a sua doação não estava
registrada no TSE ligou para o jornal e disse que a empresa dele não
havia contribuído com a campanha. Porém, consta na planilha que a DPZ
contribuiu com R$200 mil. Outro publicitário, Geraldo Alonso, da agência
Publicis Norton disse ao jornal que contribuiu para a campanha com
serviços de publicidade. O valor do trabalho prestado pela agência dele
registrado na planilha foi de R$ 50 mil. Em seguida ele negou que havia
prestado serviços.
A empresa Atlântica Empreendimentos Imobiliários, da banqueira Kátia
Almeida Braga, (Grupo Icatu), uma das coletoras de recursos, disse que
contribuiu com R$ 100 mil e que tinha recibo emitido pelo PSDB. Esse
valor aparece na planilha e não foi registrado na contabilidade oficial.
Numa investida no Rio de Janeiro, Kátia Almeida Braga procurou dezoito
empresários. Uma das empresa da lista era a Sacre, de Salvatore
Cacciola, aquele banqueiro do caso Marka e FonteCindan, que fugiu para a
Itália depois do escândalo financeiro. Kátia Braga conseguiu que a
empresa dele doasse R$ 50 mil para a campanha.
Outra empresa que chamou atenção na lista de contribuintes da campanha
de Fernando Henrique Cardoso foi a Vasp, de Wagner Canhedo, um dos
acusados de integrar o esquema PC no governo Collor e que responde até
hoje vários processos na justiça. A empresa de Canhedo era devedora na
época de mais de R$ 3 bilhões ao governo. Canhedo doou R$ 150 mil e não
consta na declaração do TSE. No caso da Vasp a lei proíbe doações, mas a
direção da empresa confirmou a doação à Folha de São Paulo.
Além desses casos existem muitas outras irregularidades reveladas pela
imprensa, como por exemplo, doações feitas por universidades e escolas
privadas. A legislação proíbe instituições de ensino de participar
financeiramente de campanhas eleitorais, mas o presidente da Associação
Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES), Edson Franco,
confirmou a jornalistas que diversas instituições foram procuradas pelo
ex-ministro Bresser Pereira e que várias delas fizeram doações. Ele
citou a Unip, de João Carlos Di Gênio e a Faculdade Anhembi-Morumbi.
Todos esses casos nunca foram investigados, o Ministério Público e o STF
não se interessam por esse assunto.”
A diferença do caixa dois da reeleição do ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso do caixa dois das eleições municipais de 2004 é que o
PT dançou, foi investigado e está sendo julgado, enquanto os tucanos e o
PFL flanam na desgraça do PT. “O deputado José Dirceu, em seu
depoimento no Conselho de Ética, lembrou que o ex-presidente Fernando
Henrique Cardoso disse certa vez que não admitiu a instalação de CPIs
durante seu governo porque sabia que uma CPI o derrubaria.”
Portanto, o financiamento de campanhas eleitorais por meio de caixa-dois
é uma prática conhecida e só veio a público porque parte da cúpula do
PT resolveu participar da festa e se deu mal. Agora o partido está
sendo ridicularizado como se fosse um penetra. “Financiamento público
já!”
Laurez Cerqueira, jornalista e
escritor, autor, entre outros trabalhos de Florestan Fernandes – vida e
obra, Florestan Fernandes – um mestre radical e O Outro Lado do Real,
em parceria com o deputado Henrique Fontana.
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