domingo, 10 de março de 2013

Água mole em pedra dura


A morte de Hugo Chávez recebeu registro quase unânime da mídia brasileira. Unanimidade criada pela animosidade ao presidente venezuelano que entrou agora na história. Embutido nas entrelinhas brotou um sentimento de alegria pelo fim do líder político que, a partir da Venezuela, abriu no continente o conflito entre governos progressistas e os grupos jornalísticos conservadores, que, articulados, estão em guerra contra a democratização da informação.
Recordação. Em 2006, ele defendia a necessidade de enfrentar os barões
Recordação. Em 2006, ele defendia
a necessidade de enfrentar os barões
“Nada muda sem choque.” Com essa frase, Chávez alertou para o problema, em entrevista a CartaCapital, realizada na embaixada venezuelana, em Brasília, em 2006. É impossível evitar confrontos quando se pensa em mudanças. E o confronto proposto por Chávez, repetido na Argentina e no Equador, tinha apenas começado. Ele acreditava que Lula, Kirchner e Evo Morales, entre outros que viriam, formavam “uma corrente”. O embate com a mídia está adormecido, porém, na maioria dos países latino-americanos.
Vai despertar, no entanto, ora acolá, ora aqui no Brasil. Nas entranhas do governo Lula, nasceu uma proposta de regulamentação dos meios de comunicação. Ela foi, e ainda é, bombardeada pela mídia – que se movimenta entre o conservadorismo e o reacionarismo – sob o pretexto de evitar intenções de amordaçamento dos meios de comunicação.
Pura vilania. O objetivo da proposta não vai além da simples regulamentação de artigos da Constituição de 1988, mais precisamente no capítulo 5º. Os objetivos dos constituintes, nesse ponto, foram abandonados por se chocarem com a lógica do monopólio da informação e da concentração de poder no seleto grupo dos “Barões da Mídia”.
A proposta de mudança no Brasil ainda não saiu do papel. Ou melhor, sobre o papel está sentado o digníssimo ministro das Comunicações, Paulo Bernardo. Que conta, diga-se como atenuante para ele, sem melhor juízo, com a concordância silenciosa da -presidenta Dilma Rousseff.
Por quê? In dubio pro Dilma. Talvez seja falta de oportunidade e não falta de coragem política. Mas é possível, também, que ela esteja orientada por maus conselheiros. A propósito, o que pensa a ministra Helena Chagas sobre tudo isso? É contra, a favor ou muito pelo contrário?
Dilma contorna o confronto com a mídia. Fogo que a assessora para essa questão não apaga. A presidenta suporta. Seu silêncio sufoca reações mais fortes. Ela sofre o cerco da mídia conservadora. Esse cerco é muito diferente da tarefa democrática de vigilância ao poder.
A presidenta às vezes reage com estocadas elegantes dos espadachins. Fez assim ao decretar luto oficial de três dias e ao divulgar nota sobre a morte de Chávez, comemorada pela mídia. Ela lamentou: “Uma grande liderança (…) e, sobretudo, um amigo do Brasil, um amigo do povo brasileiro (…), deixará um vazio na história e nas lutas da América Latina”. A mídia brasileira, por unanimidade, não gostou disso. Nunca antes se juntou tão firmemente como agora.
A francesa Anne Marie Smith, no livro Um  Acordo Forçado – O consentimento da imprensa à censura no Brasil, sobre situações dos tempos da ditadura, registra: “Havia considerável falta de solidariedade na imprensa. Em vez de aliar-se para enfrentar o regime, com frequência se ocupavam em atacar-se e criticar-se mutuamente”. Ela põe o dedo na ferida: “Concorrência empresarial”. Ou seja, tudo vale a pena se a grana não é pequena.
Agora, os barões, na democracia, estão unidos como nunca dantes. Foram apanhados de surpresa com a ascensão de Lula e com a vitória de Dilma. Enfim, une-os a animosidade contra governos petistas. E, desta vez, transformaram a próxima disputa presidencial em guerra para a qual adotaram claramente um princípio militar: em 2014, só não vale perder.

Andante mosso

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Barbosa. Basta um livro de 1.500 páginas
para passar aos pósteros.
Versão oficial
Na calada, o ministro Joaquim Barbosa, presidente do Supremo Tribunal Federal, procura um editor bem-disposto. Quer publicar um livro de, aproximadamente, 1.500 páginas sobre a Ação 470, batizada de “mensalão do PT”, da qual foi relator.
Para ajudá-lo na tarefa busca um penalista e um constitucionalista de truz.
Derrota de Gurgel
Sem a proteção de José Sarney no comando do Senado, o castelo do procurador-geral da  República, Roberto Gurgel, começa a ruir. Na quarta-feira 6, o Senado aprovou a recondução do advogado Luiz Moreira ao Conselho Nacional do Ministério Público.
Renan Calheiros chegou a ser procurado por um assessor de Gurgel com o recado: “Moreira não era simpático ao procurador-geral”. Uma clara tentativa de interferência na deliberação do Senado.
Canibalismo eleitoral
Há quem projete a disputa presidencial de 2014 com cinco candidatos mais importantes. São eles, pela ordem de entrada em cena: Dilma Rousseff (PT), Aécio Neves (PSDB), Marina Silva (Rede, em formação), Fernando Gabeira (PV) e Eduardo Campos (PSB).
Vejamos: Eduardo tira votos essencialmente de Aécio e Gabeira canibaliza preferencialmente
os verdes de Marina.
Do arsenal de Dilma (58% das intenções de voto hoje, pelo Ibope) podem, naturalmente, vazar votos para todos os adversários.
Os concorrentes esperam, assim, levar a eleição para o segundo turno.
Procura-se I
Desde o dia 14 de novembro de 2011, a Justiça brasileira tenta, em vão, citar o delegado Ângelo Gióia, denunciado por Ação de Improbidade Administrativa. Ele responde a processo no Brasil e, mesmo assim, foi nomeado Adido Policial em Roma.
A nomeação atropelou a proibição de policiais que respondem a processo trabalharem no exterior, conforme o Regimento Interno do Departamento de Polícia Federal.
Procura-se II
Recentemente, um oficial de Justiça tentou citá-lo, por Carta Precatória, via Ministério das Relações Exteriores. O documento foi encaminhado ao chanceler Antonio Patriota.
Um funcionário da Chancelaria declarou-se incompetente para assinar a documentação, sob
a alegação de que Gióia não era funcionário da Casa. Gioia foi Superintendente da PF no Rio e não deixou saudades no Ministério Público Federal.
Flor do Cerrado
Em campanha para substituir o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, a vice dele, Deborah Duprat, apresentou proposta interna com um conteúdo apetitoso para os eleitores, ou melhor, para os procuradores.
Duprat. Heroína da corporação. Foto:Valter Campanato/ ABr
Duprat. Heroína da corporação.
Foto:Valter Campanato/ ABr
Propõe pagamento de 500 reais por plantões aos sábados, domingos, feriados e durante
o recesso forense. Embora a remuneração não esteja em questão, é bom lembrar que os procuradores recebem os maiores salários da República.
Por essa e outras razões são privilegiados nos quadros da administração pública com férias de 80 dias: 60 dias de férias, mais 20 no recesso de Natal.
E assim floresce o corporativismo no Cerrado do Planalto Central.
Sucessão: Aqui e acolá
Na Venezuela, o Judiciário tentou impedir a ascensão do vice, Nicolás Maduro, com a morte, antes da posse, do presidente eleito Hugo Chávez. O Judiciário entendia que a Constituição assegurava a vez do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello. Diante da indefinição, prevaleceu a vontade dos militares. Maduro é mais confiável.
Esse episódio parece cópia, revista e ampliada, da história ocorrida no Brasil quase 30 anos atrás, na transição da ditadura para o que foi chamado de “Nova República”. Diferem os casos nesse ponto: a eleição de Hugo Chávez foi pelo voto popular direto e a de Tancredo Neves, por eleição indireta no Congresso.
José Sarney era o vice. Tancredo morreu antes de assumir. Ulysses Guimarães, presidente do Congresso, foi o Diosdado sem cabelo. Não era confiável.
O problema era galho fraco. Com alguns murros na mesa o general Leônidas Pires Gonçalves assegurou que o sucessor seria Sarney. Tornou-se, após isso, ministro do Exército e passou a ser identificado com ironia  como o grande “constitucionalista” brasileiro.
Maurício Dias
No CartaCapital

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