Executivo afirma que Serra sugeriu acordo em licitação
E-mail de diretor da Siemens relata suposta conversa com tucano em 2008
Ex-governador nega ter mantido contato com empresas e afirma que concorrência da CPTM em sua gestão foi limpa
O ex-governador de São Paulo José
Serra (PSDB) sugeriu à multinacional alemã Siemens um acordo em 2008
para evitar que uma disputa empresarial travasse uma licitação da CPTM,
de acordo com um e-mail enviado por um executivo da Siemens a seus
superiores na época.
A mensagem relata uma conversa que
um diretor da Siemens, Nelson Branco Marchetti, diz ter mantido com
Serra e seu secretário de Transportes Metropolitanos, José Luiz
Portella, durante congresso do setor ferroviário em Amsterdã, na
Holanda.
Na época, a Siemens disputava com a
espanhola CAF uma licitação milionária aberta pela CPTM para aquisição
de 40 novos trens, e ameaçava questionar na Justiça o resultado da
concorrência se não saísse vitoriosa.
A Siemens apresentou a segunda
melhor proposta da licitação, mas esperava ficar com o contrato se
conseguisse desqualificar a rival espanhola, que apresentara a proposta
com preço mais baixo.
De acordo com a mensagem do
executivo da Siemens, Serra avisou que a licitação seria cancelada se a
CAF fosse desqualificada, mas disse que ele e Portella "considerariam"
outras soluções para evitar que a disputa empresarial provocasse atraso
na entrega dos trens.
Segundo o e-mail, uma das saídas
discutidas seria a CAF dividir a encomenda com a Siemens, subcontratando
a empresa alemã para a execução de 30% do contrato, o equivalente a 12
dos 40 trens previstos. Outra possibilidade seria encomendar à Siemens
componentes dos trens.
Serra disse à Folha que não
se encontrou com executivos das empresas interessadas no contrato da
CPTM e afirmou que a licitação foi limpa, com vitória da empresa que
ofereceu menor preço.
O ex-secretário Portella disse que as acusações são absurdas e que não houve irregularidades na licitação.
O e-mail examinado pela Folha faz
parte da vasta documentação recolhida pelo Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (Cade), do Ministério da Justiça, na investigação
aberta para examinar a prática de cartel em licitações da CPTM e do
Metrô de São Paulo de 1998 a 2008.
Os documentos examinados pela Folha não
contêm indícios de que Serra tenha cometido irregularidades, mas
sugerem que o governo estadual acompanhou de perto as negociações entre a
Siemens e suas concorrentes.
Em outra mensagem de Marchetti, de
setembro de 2007, o executivo diz que o governo paulista "gostaria de
ver a Siemens contemplada com pelo menos 1/3 do pacote" da CPTM, em
"parceria" com as outras empresas.
Os documentos foram entregues ao
Cade pela própria Siemens, que fez um acordo com as autoridades
brasileiras para colaborar com as investigações e assim evitar as
punições previstas pela legislação para a prática de cartel.
Procurado pela Folha, o Cade informou que o caso está sob sigilo e nenhuma informação sobre o assunto poderia ser repassada à imprensa.
Na licitação dos trens, as
negociações da Siemens com a CAF não deram resultado. A Siemens
apresentou recursos administrativos e foi à Justiça contra a rival, mas
seus pedidos foram rejeitados.
A CAF venceu a licitação e assinou
em 2009 o contrato com a CPTM. A empresa espanhola executou o contrato
sozinha, sem subcontratar a Siemens ou outras empresas.
A francesa Alstom também participou
dessa concorrência. De acordo com os documentos entregues pela Siemens, a
empresa tinha um acordo com a rival francesa para dividir o contrato se
uma das duas vencesse a disputa.
Os documentos obtidos pelas
autoridades brasileiras mostram também que, mais tarde, ao mesmo tempo
em que negociava com a CAF, a Siemens discutiu a possibilidade de uma
aliança com outra rival, a coreana Hyundai, contra os espanhóis da CAF.
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