O processo eleitoral de 2014 deixará um saldo trágico para o povo paulista. Vão-se as eleições e fica uma crise de abastecimento de água que poderia ter sido mitigada se o governo do Estado, através da companhia estatal de Saneamento Básico e distribuição de água, a Sabesp, tivesse adotado racionamento e penalização ao desperdício.
Com os olhos postos no período eleitoral, porém, o governador Geraldo Alckmin vem postergando medidas que poderiam causar desconforto agora, mas que evitariam desconforto ainda maior no futuro próximo. Ou seja: passadas as eleições.
Quando começou a se agravar a situação do aquífero Cantareira, porém, o governador paulista continuou negando a necessidade de racionamento, como vinha fazendo desde o ano passado.
Desde então, a situação se agravou sobremaneira. Em julho de 2014, o volume útil do Cantareira, que atende 8,8 milhões de pessoas na Grande SP, esgotou-se. Com o esvaziamento do reservatório e as previsões pessimistas de falta de chuva, São Paulo se afogou na maior crise hídrica dos últimos 80 anos.
O primeiro sinal de problemas surgiu em 2004. Foi nesse ano que a Sabesp conseguiu renovar concessão para administrar a água em São Paulo. A estrutura dos reservatórios já era considerada insuficiente para dar conta da demanda. Ali, na renovação da licença da Sabesp, houve consenso de que seria preciso realizar obras para aumentar a capacidade de armazenamento de água.
De acordo com os planos da Sabesp, a cidade de São Paulo ficaria bastante dependente do Sistema Cantareira, o que era preocupante. Se a água dos tanques do sistema acabasse, seria o caos. E foi.
Não dá para o governo paulista dizer que “não sabia”, portanto. Até por conta disso, Alckmin começou, lá atrás, a fazer obras para garantir por mais alguns meses o abastecimento. Ou seja: o suficiente para que a água não acabasse nas torneiras dos paulistas em pleno período eleitoral, quando o tucano teria que disputar seu cargo com a oposição.
Vendo o estelionato eleitoral em curso, o Ministério Público do Estado (MPE) abriu dois inquéritos para questionar o uso do “volume morto” do Cantareira. De acordo com o promotor de Justiça Ivan Caneiro Castanheiro, do Grupo de Atuação Especial de Defesa do Meio Ambiente (Gaema), professores da Unesp e Unimep concordam em dizer que o uso é temerário.
Os males que a água do Cantareira pode provocar vão desde doenças na tireoide, fígado e rins até o Mal de Parkinson. Para o promotor, o risco está principalmente no interior do Estado, onde há menos recursos para tratar a água de forma adequada.
Ainda assim, as autoridades paulistas não quiseram conversa. Em maio, quando São Paulo ainda não estava explorando o “volume morto” do Cantareira, a crise iminente requeria um racionamento brando. Com uma interrupção do abastecimento por semana em cada região da capital paulista, a economia seria brutal e o incômodo seria contornável.
Contudo, o governo do Estado decidiu gastar OITENTA MILHÕES DE REAIS para não ter que adotar medida sem custo que poderia evitar que os paulistanos tivessem que usar as águas poluídas do “volume morto” do reservatório exaurido.
O que chega a ser cômico, se não fosse trágico, é que o governador tucano ainda fez inauguração dos milhões que estava literalmente atirando no esgoto.
Confira, abaixo, matéria do portal IG publicada em 5 de maio deste ano.
Por iG São Paulo | 15/05/2014 17:28 – Atualizada às 15/05/2014 17:39
Texto
Orçada em R$ 80 milhões pela Sabesp, obra deve garantir o abastecimento de quase 10 milhões de pessoas até novembro
O governador do Estado de São
Paulo, Geraldo Alckmin, inaugurou a primeira obra para captar água do
chamado volume morto concentrado na represa Jaguari/Jacareí, em
Joanópolis, na manhã desta quinta-feira (15). A barragem, que inicia o
processo para evitar a falta d´água para quase 10 milhões de pessoas na
Grande São Paulo e em outras cidades do interior paulista em 2014, é a
de estado mais crítico do Sistema Cantareira, com menos de 2% de volume
útil disponível.
O início do processo de captação
se deu com gesto simbólico de Alckmin, que acionou o mecanismo
responsável por bombear a água da reserva técnica para levá-la à estação
de tratamento de Guaraú, responsável pelo tratamento do sistema.
Em discurso, ele exaltou a
qualidade da água do volume morto, aquela localizada sob o nível de
captação das comportas das represas, cujo uso é visto com ressalvas por
especialistas devido à necessidade de maior cuidado em seu tratamento:
“É uma água totalmente testada e aprovada pela Cetesb (Companhia de
Tecnologia de Saneamento Ambienta), igual as demais águas.”
A obra, orçada pela Companhia de
Saneamento do Estado de São Paulo (Sabesp) em R$ 80 milhões, prevê a
retirada de 182,5 bilhões de litros de água do volume morto das represas
do Cantareira, pouco menos da metade do total disponível sob as
barragens – 400 bilhões de litros. Destes, cerca de 133 bilhões de
litros devem ser usados até o final de novembro, mês em que
historicamente volta a chover consideravelmente na região.
A Associação Nacional das Águas
(ANA, responsável por regular o volume do sistema junto ao DEAA) não
descarta diminuir a distribuição à população atendida pelo sistema, já
que pode haver déficit de 10 m3/s de água principalmente durante os
meses em que chove menos na região das represas, em agosto e setembro. A
Sabesp e Governo do Estado, no entanto, seguem negando essa
possibilidade.
[...]
Trata-se de dinheiro jogado fora. E que ainda tem cerimônia de
inauguração. Será que a “inauguração do volume morto” teve banda de
música e fogos de artifício?Solução muito mais barata para o povo paulista seria racionar e penalizar o desperdício. Sobretudo penalizar o desperdício, que há muito em São Paulo. É o que mostra reportagem da Folha de São Paulo divulgada no último final de semana.
Combater o desperdício e interromper o abastecimento evitaria milhões jogados no esgoto e um racionamento velado e pouco eficiente – por velado – que tem sido feito. Alckmin poderia ter feito como na Califórnia (Estados Unidos), que vive crise de água parecida com a de São Paulo.
Como por lá, nos EUA, estelionato eleitoral não costuma dar tão certo quanto em São Paulo, o governo californiano declarou estado de emergência e começou a tomar medidas para preservar os recursos e evitar desperdício.
A Califórnia entrou em um regime de racionamento de água parecido com o de energia que o Brasil viveu em 2001. Quem fosse flagrado desperdiçando água, como no condomínio de Alckmin, recebia multa de 500 dólares.
Aliás, desde abril deste ano só a cidade californiana de Santa Bárbara já arrecadou mais de 1 milhão de dólares em multas. E é possível aos cidadãos acessarem informações sobre desperdício de água e conferir o nível dos reservatórios em tempo real.
O mais incrível é que a previsão para o fim da água por lá vai de um ano a um ano e meio. Um horizonte de exaustão da reserva aquífera bem mais distante que o daqui, aliás.
Além de todas as barbeiragens tucanas em São Paulo, há uma outra diferença para o que faz o governo californiano, que disponibiliza informações precisas aos cidadãos. No Tucanistão (São Paulo), em vez de informar a população o governo do Estado esconde informações.
Não é por outra razão que, agora, o IDEC acaba de denunciar a Sabesp ao Ministério Público do Estado de São Paulo e ao Procon-SP. O Instituto de Defesa do Consumidor acusa a Sabesp de não estar dando informações ao consumidor sobre a situação do abastecimento.
Confira, abaixo, matéria publicada no portal do IDEC na última segunda-feira.
20/10/2014
Expectativa é ter acesso ao mapa
de redução de pressão noturna de água e mais informações para
disponibilizar ao cidadão a situação real do abastecimento
O Idec (Instituto Brasileiro de
Defesa do Consumidor) envia hoje, 20/10, uma representação ao Ministério
Público e um ofício ao Procon de São Paulo contra a Sabesp (Companhia
de Saneamento Básico do Estado de São Paulo). Com essa iniciativa, o
Instituto espera que o MP determine para a Sabesp a divulgação do mapa
de diminuição de pressão noturna. A Sabesp tinha prazo legal até 19/10
para enviar o mapa ao Idec. Entretanto, o Instituto não recebeu o
material. A iniciativa do Idec tem como base o Código de Defesa do
Consumidor (Lei n° 8.078/90) e a Lei de Acesso à Informação (Lei nº
12.527/2011), que regulamenta o direito de acesso a dados públicos. No
documento do Idec ao MP e Procon-SP, o instituto vem “requerer as
providências cabíveis diante da omissão de informação relevante ao
cidadão paulistano em relação à atual crise do serviço de abastecimento
de água (…)”.
Para Elici Maria Checchin Bueno,
coordenadora-executiva do Idec, além dessas iniciativas adotadas, há
necessidade da sociedade civil encontrar alternativas a curto, médio e
logo prazo para interferir na construção de um cenário de
sustentabilidade. “Tanto fornecedores quanto consumidores devem atuar no
sentido da mudança de atitude e refletir sobre como criar opções que
propiciem o consumo sustentável. Os órgãos responsáveis pelo sistema de
abastecimento precisam alavancar um comportamento de cidadania por meio
das informações que possuem. É tratar o consumidor com o respeito que
ele merece. Não é mais questão de ‘dicas contra desperdício’, pois
estamos diante de uma crise hídrica”, enfatiza Elici Bueno.
O envio das cartas ao MP e ao
Procon-SP é mais um passo do Idec no sentido de ter uma posição da
Sabesp sobre o assunto. No dia 8/09, o Idec havia formalizado um pedido
de informação à empresa, requisitando o mapa de diminuição de pressão
noturna de água. A redução da pressão é realizada pela Sabesp no
contexto da crise de abastecimento. A concessionária estadual nega que
haja qualquer tipo de racionamento, isto é, corte de fornecimento de
água, e também alega que a diminuição da pressão não traz consequências
aos consumidores, mas não é o que se vê na prática. A Sabesp não atendeu
à solicitação do instituto.
O acesso a este mapa e sua
divulgação contribuiriam para sinalizar aos consumidores os locais onde a
diminuição da pressão pode causar eventual falta de água. “Não admitir
oficialmente o racionamento impede, inclusive, que medidas para punir
desperdício de água sejam aplicadas”, argumenta Carlos Thadeu de
Oliveira, gerente técnico do Idec.
Entenda o caso
A Lei de Acesso à Informação
prevê que a solicitação de acesso à informação deveria ser respondida em
até 20 (vinte) dias, prazo que terminou em 27/09. Contudo, na véspera
dessa data, o Sistema de Informações ao Cidadão do Governo do Estado de
São Paulo (SIC.SP) enviou resposta com o comunicado de que o prazo de
resposta seria prorrogado por mais 10 dias, conforme permitido na
legislação. A Sabesp teve até 7/10 para dar a resposta, o que não
ocorreu.
Vale lembrar que o mesmo pedido
de informações já havia sido feito em reunião presencial que o Idec teve
com a Sabesp, na sede do instituto, em 29/08, quando o diretor Paulo
Massato e a gerente de departamento Samanta Oliveira se comprometeram a
levar a demanda à presidência da companhia.
“Não entendemos que a informação
seja de difícil elaboração por parte da Sabesp, uma vez que na reunião
que tivemos aqui nos foi dito que a empresa tem dados do perfil diário
de consumo de cada microrregião da cidade, inclusive com a variação do
consumo de hora em hora, e que as válvulas de redução de pressão estão
ligadas a um sistema informatizado e automatizado”, afirma Carlos
Thadeu.
A atuação do Idec nesta crise de
água teve início quando o Governo do Estado de São Paulo anunciou, em
21/04, que a partir de maio, os consumidores que elevassem seu consumo
de água acima da média poderiam ser multados entre 30% e 35%.
O Idec entendeu que tal medida
era abusiva e, portanto, ilegal, primeiramente porque contraria o CDC
(Código de Defesa do Consumidor) em seu artigo 39: “É vedado ao
fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (…)
inciso X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”. Na
medida anunciada pelo governo não estava caracterizada a “justa causa”,
já que para tanto seria necessária a declaração da situação de
racionamento, o que não havia sido feito.
Após o Instituto apontar a
ilegalidade da cobrança de multa para os consumidores, o governo
estadual voltou atrás dessa proposta. Em seguida, em 29/07, o Idec
enviou uma carta para a Arsesp (Agência Reguladora de Saneamento e
Energia do Estado de São Paulo), para o governador do Estado de São
Paulo e para a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São
Paulo), com dados dos relatos de falta de água recebidos em sua campanha
“Tô sem água”. A campanha, que ainda está no ar, tem a finalidade de
mapear as localidades que estão sofrendo com esse fato.
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