Como
quase todas as atividades sociais, os esportes — e, principalmente, o
futebol — passaram a ser administrados pelas razões do capitalismo, e se
tornaram um dos maiores negócios do mundo. A Fifa não é, e faz tempo,
uma associação mundial de federações nacionais de futebol, mas o centro
de um oligopólio internacional dessa modalidade do show-business.
Os
velhos e tradicionais clubes, ricos uns, pobres outros, não pertencem
mais aos milhares de associados. Eles decidiam, em eleições periódicas,
quais deles deveriam encarregar-se da direção das entidades, da
administração do patrimônio, da escolha dos técnicos e da contratação de
jogadores. Hoje, no mundo inteiro, quase todos os clubes têm dono.
Quando não o têm diretamente, subordinam-se a contratos de patrocínio e
de publicidade que expulsam das decisões os torcedores.
Devemos
partir dessa constatação para tratar dos problemas que a presidente
Dilma Rousseff está enfrentando, diante das denúncias de corrupção
contra o Ministério dos Esportes. Em um negócio bilionário, como é o da
realização de um campeonato mundial de futebol, todas as cautelas são
poucas.
Uma vez que assumimos o
compromisso de sediar a Copa, temos que tratar seriamente do assunto, e é
preciso que uma força de trabalho, excepcional, e interministerial,
cuide das providências governamentais, e atue com firmeza, na defesa de
nossa soberania, da segurança do evento, e da lisura de todos os
procedimentos que envolvam o dinheiro público. É uma situação
excepcional que exige tratamento excepcional.
Se
o ministro dos Esportes é responsável por algum desvio de conduta
ética, cabe às autoridades apurar os fatos e, assim fazendo, levar o
caso aos tribunais — depois de afastar o suspeito do cargo. Razão tem a
presidente: ela não pode atuar sob a imposição das acusações, sem que
essas denúncias sejam realmente comprovadas — ou se fundem em evidências
convincentes. Ela agiu assim em todos os casos ocorridos em seu governo
de dez meses.
Atuou dessa forma
diante das denúncias contra o chefe de sua Casa Civil, um dos próceres
do maior partido de sustentação do governo. Deu-lhe todas as
oportunidades para desmentir os fatos. Infelizmente, seus argumentos não
sensibilizaram a opinião pública, porque confessaram o inadmissível,
que ele se enriquecera em pouco tempo, prestando consultoria a firmas
que deviam ser mantidas em segredo. Se o ministro fora vítima de fogo amigo, de que há indícios fortes, isso não interessa ao país. Na defesa do Estado, a presidente agiu com firmeza, e o demitiu.
Os
outros casos foram tratados da mesma forma: os acusados dispuseram de
tempo para desmentir as denúncias; não o fazendo, foram compelidos a
afastar-se. Com o ministro Nelson Jobim os motivos foram outros, e ela,
na defesa do governo e de sua autoridade como chefe de Estado, não
hesitou em afastá-lo.
Há quem,
pela imprensa e pela internet, conceda mais força ao ministro dos
Esportes pelo fato de ter sido secretário geral de Agnelo Queiroz —
então seu colega de partido — que ocupava o cargo. Como Agnelo entrou
para o PT e se elegeu governador do Distrito Federal, o ministro Orlando
Silva estaria blindado.
Ora essa
blindagem é tênue. Muito mais blindado, se aceitamos a metáfora, se
encontrava o ministro Antonio Palocci. O cargo de governador do Distrito
Federal não absolve ninguém de erros passados, se erros houve no caso,
nem dá ao titular o poder de arbitrar o comportamento da presidente da
República.
A presidente Dilma
Rousseff, ao contrário do que previam alguns de seus adversários, está
demonstrando invulgares virtudes políticas. Ela tem sido paciente, mas
firme; mantém o natural respeito e amizade para com o seu antecessor, o
presidente Lula, mas isso não a impede de governar com autonomia – a
autonomia que lhe foi conferida pelo voto popular. E é à Nação de
brasileiros que ela tem que prestar contas, dia a dia, até que passe a
faixa a seu sucessor, ou sucessora.
Imposição do famoso Consenso de Washington,
o tal “terceiro setor”, constituído de organizações não governamentais,
tem sido, em alguns casos, além de perigosa inserção estrangeira nos
assuntos nacionais, ao assumir prerrogativas do Estado, sem a
legitimidade do voto, mas com recursos do orçamento, tornaram-se o
espaço ideal para o desvio de recursos públicos.
É
necessário dar um fim a essas organizações, criadas a partir do
fundamentalismo mercantil, da globalização, do neoliberalismo. O Estado
não pode delegar sua responsabilidade a terceiros.
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