terça-feira, 25 de outubro de 2011

O esporte e o poder


Como quase todas as atividades sociais, os esportes — e, principalmente, o futebol — passaram a ser administrados pelas razões do capitalismo, e se tornaram um dos maiores negócios do mundo. A Fifa não é, e faz tempo, uma associação mundial de federações nacionais de futebol, mas o centro de um oligopólio internacional dessa modalidade do show-business.
Os velhos e tradicionais clubes, ricos uns, pobres outros, não pertencem mais aos milhares de associados. Eles decidiam, em eleições periódicas, quais deles deveriam encarregar-se da direção das entidades, da administração do patrimônio, da escolha dos técnicos e da contratação de jogadores. Hoje, no mundo inteiro, quase todos os clubes têm dono. Quando não o têm diretamente, subordinam-se a contratos de patrocínio e de publicidade que expulsam das decisões os torcedores.
Devemos partir dessa constatação para tratar dos problemas que a presidente Dilma Rousseff está enfrentando, diante das denúncias de corrupção contra o Ministério dos Esportes. Em um negócio bilionário, como é o da realização de um campeonato mundial de futebol, todas as cautelas são poucas.
Uma vez que assumimos o compromisso de sediar a Copa, temos que tratar seriamente do assunto, e é preciso que uma força de trabalho, excepcional, e interministerial, cuide das providências governamentais, e atue com firmeza, na defesa de nossa soberania, da segurança do evento, e da lisura de todos os procedimentos que envolvam o dinheiro público. É uma situação excepcional que exige tratamento excepcional.
Se o ministro dos Esportes é responsável por algum desvio de conduta ética, cabe às autoridades apurar os fatos e, assim fazendo, levar o caso aos tribunais — depois de afastar o suspeito do cargo. Razão tem a presidente: ela não pode atuar sob a imposição das acusações, sem que essas denúncias sejam realmente comprovadas — ou se fundem em evidências convincentes. Ela agiu assim em todos os casos ocorridos em seu governo de dez meses.
Atuou dessa forma diante das denúncias contra o chefe de sua Casa Civil, um dos próceres do maior partido de sustentação do governo. Deu-lhe todas as oportunidades para desmentir os fatos. Infelizmente, seus argumentos não sensibilizaram a opinião pública, porque confessaram o inadmissível, que ele se enriquecera em pouco tempo, prestando consultoria a firmas que deviam ser mantidas em segredo. Se o ministro fora vítima de fogo amigo, de que há indícios fortes, isso não interessa ao país. Na defesa do Estado, a presidente agiu com firmeza, e o demitiu.
Os outros casos foram tratados da mesma forma: os acusados dispuseram de tempo para desmentir as denúncias; não o fazendo, foram compelidos a afastar-se. Com o ministro Nelson Jobim os motivos foram outros, e ela, na defesa do governo e de sua autoridade como chefe de Estado, não hesitou em afastá-lo.
Há quem, pela imprensa e pela internet, conceda mais força ao ministro dos Esportes pelo fato de ter sido secretário geral de Agnelo Queiroz — então seu colega de partido — que ocupava o cargo. Como Agnelo entrou para o PT e se elegeu governador do Distrito Federal, o ministro Orlando Silva estaria blindado.
Ora essa blindagem é tênue. Muito mais blindado, se aceitamos a metáfora, se encontrava o ministro Antonio Palocci. O cargo de governador do Distrito Federal não absolve ninguém de erros passados, se erros houve no caso, nem dá ao titular o poder de arbitrar o comportamento da presidente da República.
A presidente Dilma Rousseff, ao contrário do que previam alguns de seus adversários, está demonstrando invulgares virtudes políticas. Ela tem sido paciente, mas firme; mantém o natural respeito e amizade para com o seu antecessor, o presidente Lula, mas isso não a impede de governar com autonomia – a autonomia que lhe foi conferida pelo voto popular. E é à Nação de brasileiros que ela tem que prestar contas, dia a dia, até que passe a faixa a seu sucessor, ou sucessora.
Imposição do famoso Consenso de Washington, o tal “terceiro setor”, constituído de organizações não governamentais, tem sido, em alguns casos, além de perigosa inserção estrangeira nos assuntos nacionais, ao assumir prerrogativas do Estado, sem a legitimidade do voto, mas com recursos do orçamento, tornaram-se o espaço ideal para o desvio de recursos públicos.
É necessário dar um fim a essas organizações, criadas a partir do fundamentalismo mercantil, da globalização, do neoliberalismo. O Estado não pode delegar sua responsabilidade a terceiros.

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