Cachoeira e suas digitais em Sampa
Os técnicos da CPI do Cachoeira acabam de concluir um levantamento
completo de todos os contratos firmados em São Paulo, governo estadual e
prefeitura da capital, com a Delta Construções, ligada ao esquema
criminoso comandado pelo bicheiro. É coisa de 1,2 bilhão de reais. O
resultado, além de revelador sobre as relações dos governos do PSDB com a
empresa-mãe da quadrilha de Cachoeira, trouxe à tona uma suspeita sobre
os bastidores dos negócios milionários fechados na gestão do prefeito
Gilberto Kassab (PSD), sob a influência do senador cassado Demóstenes
Torres, do DEM de Goiás.
Uma interceptação telefônica realizada pela Polícia Federal durante a
Operação Monte Carlo captou um diálogo entre Cachoeira e Cláudio Abreu,
diretor da Delta na Região Centro-Oeste, onde ambos discutem contratos
da empreiteira com a prefeitura de São Paulo. No grampo, de 31 de
janeiro deste ano, o bicheiro pergunta a Abreu o resultado de uma
conversa do ex-presidente da Delta Fernando Cavendish com Kassab sobre
um contrato ainda não identificado. O diretor da construtora faz uma
revelação: em consideração ao então senador Demóstenes Torres, o
prefeito de São Paulo teria triplicado os valores do tal contrato. A
conversa é a seguinte, retirado do áudio ao qual CartaCapital teve acesso:
Carlinhos Cachoeira: Outra coisa, Cláudio, você falou pro Fernando (Cavendish) do negócio lá do Kassab?
Cláudio Abreu: Ih, cara… Eu vou encontrar com ele mais tarde, eu
vou voltar lá pra dar um retorno pra ele. Mas fala aí, o que é o negócio
lá? Do contrato, né? Ele fez as coisas lá, né? Até pelo professor
(Demóstenes Torres), né?
Cachoeira: Ele (Kassab) falou que triplicou o contrato por ele (Demóstenes).
De acordo com o levantamento feito pela CPI, a prefeitura de São Paulo
tem três contratos com a Delta, firmados entre 2004 e 2012, num valor
total de 307,6 milhões de reais. Um da Companhia de Limpeza Urbana (Comlurb), de 93,7 milhões de reais. Um de urbanização da favela de Paraisópolis, via Secretaria de Habitação, de 15,4 milhões de reais. E um da São Paulo Transporte S.A.
(SPTrans), de 12,2 milhões de reais. Pela data do grampo da PF, não é
possível detectar exatamente qual dos contratos teria sido triplicado,
pois todos abarcam também o ano fiscal de 2012. Segundo Emerson
Figueiredo, assessor de imprensa da prefeitura, Kassab “desconhece o
diálogo, seus supostos autores e considera improcedente o seu conteúdo”.
As relações entre a Delta e o governo estadual tratam de cifras maiores,
cerca de 943 milhões de reais, em valores corrigidos, referentes a
contratos firmados durante os governos tucanos de José Serra (765
milhões de reais) e Geraldo Alckmin (178 milhões de reais), entre 2002 e
2012. Os negócios foram firmados a partir de demandas de cinco
estatais: Desenvolvimento Rodoviário (Dersa), Departamento de Estradas
de Rodagem (DER), Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee),
Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A principal obra contratada pelo governo estadual à Delta, na gestão de Alckmin, é o chamado Consórcio Nova Tietê,
de ampliação da avenida marginal ao Rio Tietê, no valor de 149,9
milhões de reais. O contrato valeu de 22 de junho de 2009 a 10 de abril
de 2012. Ao analisar a transferência de recursos do consórcio para a
conta da Delta, os técnicos da CPI concluíram que as empresas envolvidas
na obra não possuem controle de compensação de créditos e débitos.
Dessa forma, uma empresa pode ter subcontratado a outra e pago o valor
total pelo serviço. Por esse artifício, a diferença de eventual desvio
de dinheiro público, por meio de superfaturamento ou pela falsa
notificação de entrega real do serviço, é devolvida ao subcontratante,
sem fiscalização alguma.
A Delta pode ter acertado um esquema de lavagem de dinheiro por meio de
subterfúgios burocráticos. Além disso, segundo a avaliação da CPI, as
empresas subcontratadas pela construtora possuem entre si contratos
mútuos de diferentes obras, serviços ou negócios (lícitos ou ilícitos) e
fazem pagamentos entre si sem compensar valores por meio de controle
contábil (oficial ou não).
As informações da CPI a respeito dos contratos estaduais coincidem com
um levantamento anterior feito pela repórter Conceição Lemes, do site Viomundo, com base em dados do blog Transparência São Paulo,
especializado em análise de contas públicas. A partir dessas
informações, foi possível detectar que o contrato da Dersa, referente às
obras no Tietê (415 milhões de reais) foi assinado por Paulo Vieira de
Souza, o Paulo Preto, diretor de Engenharia do órgão até abril de 2010, e
pelo presidente da estatal, Delson Amador, que acumulava a
superintendência do DER.
Intimamente ligado aos tucanos, Paulo Preto foi apontado como
arrecadador de campanha do PSDB e chegou a ser acusado de sumir com 4
milhões de reais supostamente destinados à campanha presidencial de
Serra em 2010. Os nomes dele e de Amador aparecem ainda em outra
investigação da Polícia Federal, a Operação Castelo de Areia, na qual
executivos da construtora Camargo Corrêa foram acusados de comandar um
esquema de propinas em obras públicas.
Em 1997, durante a presidência do tucano Andrea Matarazzo, Delson Amador virou diretor da Companhia Energética de São Paulo
(Cesp), depois privatizada. Era responsável pela fiscalização de obras
tocadas pela Camargo Corrêa, como a Usina de Porto Primavera e a Ponte
Pauliceia, construída sobre o Rio Paraná para ligar os municípios de
Pauliceia, em São Paulo, e Brasilândia, em Mato Grosso do Sul. Amador
foi chefe de gabinete de Matarazzo na subprefeitura da Sé, na capital
paulista.
Uma certidão emitida pela Junta Comercial de São Paulo revela que
Heraldo Puccini Neto, diretor da Delta para São Paulo e o Sul do Brasil,
aparece como representante legal do Consórcio Nova Tietê. Escutas
realizadas pela PF demonstram que Puccini é um dos interlocutores mais
próximos de Carlinhos Cachoeira. Documentos da Operação Monte Carlo o
apontam como um dos elementos da quadrilha que preparavam editais para
ganhar licitações públicas.
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