Mensalão - fatiados venceremos
Autor: Sergio Saraiva
O procurador Joaquim Barbosa deve ter escutado com um sorriso de
escárnio suspenso nos lábios a leitura da acusação feita pelo PGR
Roberto Gurgel. Era inepta. Gurgel usava de sarcasmo, citava Chico
Buarque de Holanda, mas cometia um erro grosseiro, sustentava que uma
quadrilha atrevida instalou-se no Palácio do Planalto e do escritório do
Ministro da Casa Civil comprava apoio parlamentar - o mensalão.
Contudo, terminava de maneira patética a acusação. Pedia a compreensão
da Corte por não apresentar provas do que dizia. Provas, como todos ali
sabiam, nesses casos são muito difíceis de serem obtidas.
Convenceu um já convencido, desgosto e retirante Ministro Peluzo, que
mesmo assim teve de cometer um acidente automobilístico na sua biografia
para concordar com Gurgel. Inovou em matéria penal ao admitir que um
fato prove outro a ele relacionado por si só, dispensando a apresentação
de provas da correlação. Ou a prevalência de tese de que "quem bate
atrás é culpado". Nesse momento o ministro Joaquim Barbosa é quem deve
ter intimamente gargalhado do argumento rebolativo de seu colega e
desafeto.
O procurador Joaquim Barbosa é muito mais engenhoso, a utilidade do
mensalão já havia acabado quando o STF aceitou a denúncia. Para o
julgamento usaria outra estratégia. Na verdade a idéia do mensalão
voltou a ser útil quando a questão dos réus sem foro privilegiado foi
novamente apresentada. O procurador Joaquim Barbosa se encolerizou, isso
era questão já decidida, não se volta atrás. Ali a sua estratégia
perigou, mas vencido o questionamento o procurador Joaquim Barbosa
sorriu vencendor mais uma vez.
A tese do mensalão era útil à acusação apenas como uma imagem que
justificasse o STF como fórum do julgamento. Ora, admitindo-se a
hipótese de um ministro de estado corrompendo deputados e senadores para
obter apoio político, que outro fórum poderia julgar tal delito? E,
assim, mesmo réus sem foro privilegiado deveriam ser julgados na
ultíssima instância, pois, se divididos em vários tribunais como
processos individuais, ainda que entregues aos seus juízes naturais, a
interessa das provas e correlação dos atos que comprovavam o mensalão
seriam prejudicadas. Esses réus formavam uma quadrilha – Lula lá e seus
40 ladrões.
Esse era o primeiro movimento de engenho e arte jurídica do procurador
Joaquim Barbosa. Aceita como tese, a hipótese do mensalão não servia
para mais nada, podia ser dispensada. Como peça acusatória era
contraproducente, pois teria de ser provada. E o procurador Joaquim
Barbosa sabia que era inverossímil malas executivas recheadas de
dinheiro circulando pelo plenário do Congresso Nacional, assim como, no
mínimo, difícil de acreditar que era necessário corromper congressistas
do PT para votar nas propostas do PT.
Logo, o procurador Joaquim Barbosa apresenta ao ministro Joaquim Barbosa
e aos outros Ministros do Supremo uma peça acusatória totalmente
diferente da do Procurador Geral da República e de modo algum
relacionada com o mensalão. Num engenhoso salto mortal, fatia o
julgamento. Cada delito agora deveria ser julgado como único, dissociado
dos outros e principalmente da idéia de que formavam um conjunto
chamando mensalão.
Estava consumado com sucesso o segundo movimento do procurador Joaquim Barbosa, engenho, arte e contradição calculados.
Assim assistimos decisões sobre peculato, lavagem de dinheiro, propina,
corrupção rasteira e genérica. Não ao julgameto do "maior escândalo de
corrupção da história deste país", nenhum ministro tendo que se
questionar sobre onde estaria comprovada a compra de apoio político ou
quais as matérias tiveram suas votações corrompidas.
Mantida assim as teses do procurador Joaquim Barbosa, ao final do
julgamento, todos os réus estarão condenados por delitos outros que os
apresentados inicialmente como compra de apoio parlamentar. E a
condenação é o que interessa à procuradoria, a quem cabe acusar e não
julgar o mérito.
Por último, o mensalão restaria provado pela condenação dos réus a ele
associados e não porque qualquer prova dele tenha sido apresentada ou
mesmo que tenha realmente existido.
Fatiados venceremos.
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